quinta-feira, 9 de março de 2023

O SIGNIFICADO DE TORÀ 'CORTESIA COM O PÉ'


 Ao olhar para essa palavra é fácil reconhecer um dos verbos que compõem ela, sendo este *TO, que se assemelhar ao TO de TODÌ 'estar de pé' ou no inglês 'to stand', sendo este provavelmente quem está carregando o significado de pé em cortesia *com o pé*, já RÀ é uma ação mais complicada de definir, existem várias definições para cortesia, todas centradas na ideia de um gesto/ação educada para outra pessoa.


 Nós temos que tomar cuidado com as traduções de Mamiani, não podemos presumir que uma certa palavra teria a mesma conotação na língua séculos depois, um exemplo disso é a outra palavra que ele define como 'fazer cortesia' que é DACRÙ, Mamiani não usa essa palavra em lugar algum de seu catecismo, não nos dando a chance de saber qual seria seu uso, porém o Nantes usa seu cognato *daklo* várias vezes durante seu catecismo e demonstra para nós que o significado de 'fazer cortesia' estava mais em volta de 'adornar, decorar, assear' do que 'gesticular educadamente'.


 As únicas palavras que encontrei que possivelmente podem ser cognatos distantes são o Boróro reru 'saltar' e o Proto-Jê-Meridional *(ɾɛ̃ɡ)ɾɛ̃ɡ 'saltar, pular' (este é um pouco mais duvidoso, estou ciente dos processos de nasalização do PJM, mas não o suficiente para dizer se isso é uma mudança regular de ɛ > ɛ̃ ou se a palavra já tinha o som ɛ̃, que é um é aberto nasalizado), se elas forem cognatos podemos definir que no passado RÀ teria tido o significado de 'pular, saltar'. Eu digo no passado, pois não me resta dúvidas de que a palavra já tinha evoluído de seu significado de 'saltos aleatórios' para 'saltos coordenados', ou seja 'dança, dançar', se este não fosse o caso, não teríamos visto Mamiani definir salto como SAIPRÌ e Nantes como HOPELE, teríamos visto RÀ novamente (este argumento é um no qual eu irei voltar outro dia, pois eu suspeito do LE de HOPELE, apesar de parecer somente com a palavra PELE 'sair', ainda irei estudar mais a fundo para saber qual é seu significado), outro argumento que apoia essa ideia é o fato de o próprio autor ter definido o gesto como algo de cortesia, o que implica mais ainda em coordenação e organização proposital do gesto.


 Eu ia reconstruir esse termo como *ra 'dança, dançar', porém devido à palavra TORÉ que está bem espalhada pelo Nordeste e sua semelhança com TORÀ, eu devo reconstruir de duas formas *ra ~ *râ 'dança, dançar' para compensar a mudança das vogais. Também para os dialetos que permitem e por precaução, irei reconstruir versões com a letra l no começo, pois baseado no landaeh do Kamurú versus o anrande do Dzubukuá e o rende do Kipeá, é difícil prever quando uma palavra será lateralizada (ou seja, passará de r > l) dentro de cada língua, isso também pode ajudar na criação de novas palavras, como 'ritual' por exemplo.


Proto-Kariri *ra ~ *râ 'dança, dançar'


Dz.: ra, râ, la, lâ

Kp.: rà

Sp.: rá, réi, lá, léi

Km.: rà, là

Kt.: ra, ró

KX.: rá, râ, lá, lâ

Pp.: rá

DT (Dzubukuá-Tuxá).: ra, roe, la, loe



Autor da matéria: Ari Loussant 



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