Tecnicamente existem duas palavras para pessoa na família Kariri, que podem ser reconstruídas como *tsâ e *bi(dzâ)gâ, cada língua adotou essas palavras com significados diferentes, cujo irei demonstrar agora.
Uma das formas na qual a palavra *bi(dzâ)gâ foi adotada foi como um numeral, só que cada língua interpretou a palavra de forma diferente, as línguas do norte pegaram a variante *bigâ e adotaram ela como a palavra para o número 1, enquanto no sul, o Kamurú havia interpretado essa palavra como uma com significado múltiplo, portanto era a palavra deles para números de 4 para cima.
O porquê de haver essa diferença entre singular (1) e múltiplo (4, 5) pode ser justificada pelo cognato que encontramos no Dzubukuá: bidzoho, que tem três significados 'alguém, ninguém', ambos com significado singular e por último 'todos' com significado múltiplo, ou seja essa palavra carrega o significado ancestral da palavra para 1 que surge no Dzubukuá e no Kipeá como bihe, seu h teria o som mais próximo do g holândes como indicado pelo registro de Martius sobre o equivalente Kamurú que foi escrito como *ibicho*, com o *ch* alemão indicando a natureza velar dessa consoante.
A outra palavra é tsâ, ela não surge de forma independente e sim em compostos, como nos pronomes independentes hi-ETÇÃ/i-DCE e ew-ATÇÃ/on-ADCE. A palavra pode ser prefixada com o prefixo de objetos animados *â-, formando *âtsâ. A palavra também surge no composto tsõho/dseho 'gente' que é formado a partir da palavra para pessoa tsõ/dse junto com ho que eu descobri a partir do Kamurú e do Sapuyá também ter o som do g holandês, já que surge como zocho no Kamurú (pronunciado tsogho), parece ser um cognato do HO de TSOHO 'muitos' do Kipeá, portanto temos *tsâ-gâ 'pessoa-muito' ou seja 'muitas pessoas, gente, população, povo'.
Voltando para a primeira palavra, uma coisa que não discuti foi a formação desse composto *bi(dzâ)gâ, as primeiras duas sílabas *bidzâ surgem em outros compostos dentro das línguas Dzubukuá e Kipeá:
Dzubukuá:
bidzebro = rosto, cara
bidzecradda = aborrecer
bidzamu = pajé
Kipeá:
bidzancrò = rosto, cara
bidzoncrà = bocejar
bidzoncradà = ter nojo
bidzorà, bidzoratò = olhar pasmado
bidzamù = pajé
A gigantesca maioria tem definições com ações que são feitas próximas do rosto, também não creio ser coincidência a palavra bi ser tão parecida com o verbo (u)bi 'ver, ouvir', portanto traduzo primeiramente bidzâ como 'rosto'. Outro aspecto importante é o cultural, parece que na visão dos Kariri, o rosto era visto como a definição primária para 'pessoa', como vemos em bidzoho 'alguém, ninguém, todos' do Dzubukuá e ibicho 'pessoa' do Kamurú, portanto adicionarei as seguintes definições para bi(dzâ)gâ 'rosto, pessoa, alguém, ninguém'.
A terceira raiz que se encontra no composto bi(dzâ)gâ foi a que sobreviveu na maioria das palavras descendentes como *bihe* ou *ibicho*, como existe a diferença entre a vogal *e* e *o*, eu reconstruí com o schwa *â*. A raiz gâ de bi(dzâ)gâ é difícil de definir, eu primeiramente achava que se tratava da raiz gâ 'muitos' de iho 'muitos' do Dzubukuá e tsoho 'muitos' do Kipeá, mas isso só explicaria o significado múltiplo que vemos no Kamurú e no Dzubukuá, não explicaria o por que de *bihe* em ambas as línguas do norte serem singular em seus significados, o que podemos presumir é que a raiz que veio a ser ho, he e cho carrega por si só esses significados, portanto irei reconstruir ela com as definições que sobraram no Dzubukuá até que outros estudos esclareçam melhor sua definição, assim temos *gâ 'alguém, ninguém, todos'. Aqui estão as palavras reconstruídas para todas as línguas:
Proto-Kariri *â-tsâ ~ *tsâ 'pessoa'
Dz.: âtsâ, tsâ
Kp.: etçã, atçã, tçã
Sp.: eitséi, tséi
Km.: atsà, tsà
Kt.: ósó, só
KX.: âtsâ, tsâ
Pp.: etçã, atçã, tçã
Dz-Tx.: atse, tse
Proto-Kariri *bidzâ, *bigâ, *bi(dzâ)gâ 'pessoa, alguém, ninguém, todos'
Dz.: bidzâ, bighâ, bidzâghâ
Kp.: bidzõ, bihò, bidzõhò
Sp.: bitséi, bigéi, bitseigéi
Km.: bitsà, bigà, bitsagà
Kt.: bizó, bighó, bizóghó
KX.: bidzâ, bighâ, bidzâghâ
Pp.: bidzãe, bigae, bidzãegae
Dz-Tx.: bidze, bihoe, bidzoho
Autor da matéria: Ari Loussant
Nenhum comentário:
Postar um comentário