quarta-feira, 26 de abril de 2023

SUGESTÕES DE NÚMEROS UM ATÉ UM BILHÃO


( Parte 1 )



Lembro que há alguns meses atrás eu falei que não tinha intenção de alterar o sistema numeral que eu havia sugerido, pois na época eu estava satisfeito, no entanto com minha nova motivação de fazer as coisas de forma que eu percebo como mais autêntica, eu decidi revisitar este tópico com duas sugestões.



 Sim, duas sugestões, eu irei fazer uma versão resumida dos números entregues para nós por Mamiani, seguindo uma lógica similar a este, e logo irei sugerir uma versão com palavras no mínimo monossilábica, no máximo di ou trissilábica, seguindo a lógica dos números do Kipeá, vamos para a primeira sugestão.



 No ano passado eu lembro de publicado minha hipótese sobre o numeral quatro *Sumarã Orobae*, minha hipótese anterior foi de que Su-marã Oro-bae seria '3-inimigo este-todos' ou seja 'inimigo de todos estes' sendo que 'todos estes' se refere aos dedos anteriores, e inimigo é uma forma nativa do Kariri de dizer 'contrário', então a tradução mais adequada seria 'contrário de todos estes (dedos)', esta hipótese se sustenta na possibilidade de ORO ser uma variante de ERO, um demonstrativo proximal cujo o prefixo E- é um schwa, comprovado pelo Dzubukuá *ANRO*, portanto a vogal poderia facilmente se modificar de *e* para *o*. No entanto, não levei em consideração na época a possibilidade de RO não estar conectado ao ORO e sim estar conectado ao BAE, formando ROBAE 'todos', uma palavra que surge no catecismo de Mamiani e tem como se cognato LOBOE no Dzubukuá. Com tudo isso dito creio que se a primeira hipótese estiver errada eu deva reconstruir o significado como '3-inimigo ?-todos', portanto 'inimigos de todos ?', sendo que o ponto de interrogação representa o O, cujo o significado ainda é um mistério na segunda hipótese.



 Bom, parando de falar sobre detalhes, o que importa no momento são os números, há alguns meses atrás eu expliquei sua lógica, a lógica sendo 'leva/é levado/recebe X (dedo(s) da) mão para ele', sendo que X representa numerais diferentes, por exemplo, se na frase surgisse wachani seria 'leva/é levado/recebe dois (dedo(s) da) mão para ele', esta contagem já implica que o número cinco está contado, portanto você está contando com a outra mão e levando números extras com ela, portanto você adicionou dois ao cinco anterior, formando o número sete, a lógica é simples, porém é explicada de forma extensa que não ajuda na hora de contar, portanto agora irei propor uma lógica nativa de contar os números.



 Eu estudei ontem os numerais da língua Guató, outra língua indígena que estava ameaçada de extinção, a língua Guató possui algumas similaridades com a língua Kariri, ambas utilizam em sua gigantesca maioria de raízes monossilábicas (até mesmo palavras polissilábicas são formadas por compostos de raízes de uma sílaba), tem o padrão silábico (C)V, bastante similar ao padrão mais comum que é CV nas línguas Kariri, os numerais daquela língua seguem um padrão similar ao encontrado no Kipeá, só que explicada de forma mais simples e adequada para contagem:



Seis, tšenekaéhera, C. tchenai-caicaira.


Cf. n°420 tšénehe ‘um’. Para hera, cf. n°424 tóhera ‘cinco’, n°14 mará


‘mão’.


/t͡ʃéne kaéka i-ɾá/ um ? 3-mão



426. Sete, dunikaéhera, C. dououini-caicaira.


Cf. n°421 dúni ‘dois. Para hera, cf. n°424 tóhera ‘cinco’, n°14 mará ‘mão’.


/dúni kaéka i-ɾá/ dois ? 3-mão



427. Oito, tšumokaéhera, C. tchoum-caicaira.


Cf. n°422 tšúmo ‘três’. Para hera, cf. n°424 tóhera ‘cinco’, n°14 mará ‘mão’.


/t͡ʃúmu kaéka i-ɾá/ três ? 3-mão



428. Nove, deka(i)rkaékaira, C. dekai-caicaira.


Cf. n°423 deéka(i)r ‘quatro’. Para hera, cf. n°424 tóhera ‘cinco’, n°14 mará


‘mão’.


/ɾékai kaéka i-ɾá/ quatro ? 3-mão



 Vejam na última parte de cada número, no texto que está com barras / /, tem uma descrição logo do lado como "quatro ? 3-mão", indicando que Schmidt, o autor de "Guató: A língua" sabia de quase todos os elementos que formam aquele número, não se sabe o que é kaéka, mas se pode inferir que a frase contava 4 coisas ao lado da mão (5), fomando 4 + 5 = 9 e é essa lógica que começa no seis e termina no nove que os Guatós seguiam. Depois vamos para o número 10:



Dez, kínyuira, C. quinoida.


Para ra, cf. n°14 mará ‘mão’.


/kı̃́nu i-ɾá/ COMP.dez 3-mão



 A palavra kínyu é independente, mas vejam que mão aparece novamente, pode se inferir que a kínyu completava a contagem dos números a partir da mão, isso fica claro com o próximo número:



Onze, tšenehebó, C. tchenai-ai-caibo.


Cf. n°420 tšénehe ‘um’, n°20 mabó ‘pé’.


/t͡ʃéne i-bɔ/ um 3-pé



Vejam que abaixo a frase 3-mão foi trocada por 3-pé, indicando a forma como os Guatós contavam, eles implicavam que todos os dedos da mão estão sendo contados e agora eles estão adicionando mais com os dedos dos pé. Essa lógica também pode ser vista no numeral 20 do Kipeá que tem ibŷ 'pé dele(a)' em 'mycribrae misã ideho iby saí' que é 'ser levado toda as mãos com o pé (dele(a)) para ele(a)'. É essa mesmíssima lógica que eu gostaria de aplicar para todas as línguas da família Kariri para facilitar a contagem e ao mesmo tempo seguir uma lógica nativa, aqui estão minhas sugestões:



1 = Proto-Kariri *bigâ 'um, pessoa, alguém' ou *gébâ 'um'


Dz.: bighâ


Kp.: bihè


Sp.: bigéi, bichéi, gaibéi


Km.: bigà, biggà, gaibèi


Kt.: bighó


KX.: bighâ


Pp.: bigae


Dz-Tx.: bihe



2 = Proto-Kariri *(lia)wV-(ti)can(e/i) 'dois'


Dz.: witane


Kp.: wachani 


Sp.: lyawithikaní


Km.: lyawittikanì


Kt.: washani


KX.: witané, wachaní


Pp.: wachani


Dz-Tx.: witane



3 = Proto-Kariri *(lia)wV-(ti)can(e/i)(di)k(j)e 'três'


Dz.: witanedike


Kp.: wachanidikiè


Sp.: lyawithikaniké


Km.: lyawittikanikè


Kt.: washanidikye


KX.: witanediké, wachanidikyé


Pp.: wachanidikyê


Dz-Tx.: witanedike



Obs.: Eu notei que Aryon Rodrigues tinha mencionado que ele só pôde analisar os morfemas -dikie do Kipeá como as negações -dŷ e -kie, mas logo ele diz que não se adapta ao caso desse número, eu concordo, creio que mais análises devam ser feitas observando as palavras kanatsi 'amanhã' e kanatsikye 'diariamente' do Dzubukuá, cujo não parece estar sufixada com uma negação e sim uma palavra que indica continuidade, talvez o -kie de wachanidikie indique a 'continuação após o dois' ou 'aquilo que sempre vem depois do número dois'.



4 = Neologismo: *lyawi-so 'PFX.NMRL-contra'


 Seguindo a lógica do quatro ser o número contrário aos últimos três, *ljawi- sendo reconstruído a partir do Kamurú como um prefixo de numerais, também existindo a possibilidade dessa ter sido a palavra para 'número' naquela língua.



Dz.: lyawiho


Kp.: riawisò


Sp.: lyawisó


Km.: lyawisò


Kt.: ryavio


KX.: lyawiso, lyawiho


Pp.: ryawisô


Dz-Tx.: lyawiho



5 = Neologismo: *bâ ou *mûca 'mão'


 Ambas as palavras aqui citadas significam mão nas línguas da família Kariri, qualquer uma das duas pode ser usada como o numeral, então deixarei os falantes de cada língua decidir qual será o mais adequado como número.



Dz.: bâ, mâdha


Kp.: bò, mŷsã


Sp.: péi, musáng


Km.: pà, musàng


Kt.: bó, misã


KX.: bâ, mâdha, mûsã


Pp.: mýsã


Dz-Tx.: bo, moedha



6 = Neologismo: *âro (bu)ki 'este dedo da mão'


 Seguindo a lógica de começar a contar implicando o número cinco, irei usar uma das raízes da palavra dedo *bugi ~ *puki que foi reconstruída a partir do Kamurú mussambugi, formando portanto a frase 'este dedo':


Dz.: âmroki


Kp.: eroki


Sp.: eiroki


Km.: aroki


Kt.: óroki


KX.: âroki


Pp.: aeroki


Dz-Tx.: ãroki



7 = Neologismo: *âli bu(ki) 'aquele dedo da mão':



Dz.: âmlibu


Kp.: eribù


Sp.: eilipù


Km.: alipù


Kt.: óribu


KX.: ânlibu


Pp.: eribu


Dz-Tx.: ãlibu



8 = Neologismo: *ki p(l/r)o 'o dedo além'


 Dessa vez iremos dizer que o dedo está mais além dos últimos dois:



Dz.: kiplo, kipro


Kp.: kipro


Sp.: kiplo, kipro


Km.: kiplo, kipro


Kt.: kipro


KX.: kiplo, kipro


Pp.: kipro


Dz-Tx.: kiplo, kipro



9 = Neologismo: *ikimarã 'dedo contrário dele'


 Como é possível notar, eu negligenciei o i-bâ, dessa vez só usei um composto entre ki 'dedo' e marã 'inimigo' junto com o prefixo da terceira pessoa i-, portanto significa 'dedo contrário dele', com o 'dele' implicando o dedo anterior.



Dz.: ikimaram


Kp.: ikimarã


Sp.: ikimaráng


Km.: ikimaràng


Kt.: ikimaran


KX.: ikimarã


Pp.: ikimarã


Dz-Tx.: ikimarã



10 = Neologismo *bâk(l/r)i 'todas as mãos'


 Para o número 10 eu decidi juntar a raiz mais curta de 'mão' junto com uma das raízes do composto KRIBAE 'todos', cujo também surge no verbo do número 10 do Kipeá 'mycribae misã saí':



Dz.: bâkli, bâkri


Kp.: bocrì


Sp.: peiklí, peikrí


Km.: paklì, pakrì


Kt.: bókri


KX.: bâkli, bâkri


Pp.: baekri


Dz-Tx.: bokli, bokri




Autor da matéria: Ari Loussant


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