quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A PALAVRA ECUWÕBUYẼ 'CÉU SUPERIOR'


 Essa palavra é estranha devido a alguns motivos, o primeiro sendo que, exceto pela palavra BUYẼ, que é facilmente analisada como bu-yẽ 'CL-grande', ECUWÕ não tem tradução direta em nenhuma língua Kariri, não existem uma raiz sequer que seja cognato dessas sílabas, bom, pelos menos para ECU, discutirei um pouco mais sobre WÕ no final do texto.


 Descobri no entanto uma semelhança suspeitosa entre ECU e *mbêñ°-kuñ° 'céu' reconstruído por Andrey Nikulin em seu artigo de 2020 sobre o Proto-Macro-Jê. Essa semelhança não me parece coincidente, me parece mais um caso de empréstimo das línguas Jê, é claro tem o problema que irei discutir agora:


1) É possível que no Proto-Macro-Caribe tenha havido o som *mb, pois vemos o resultado disso nas palavra ME 'jenipapo' do Kariri vs BE 'jenipapo' do Boróro, mostrando que havia uma consoante que poderia transitar entre os dois, também existe a possibilidade de ser um processo independente do Boróro de desnasalização, mas caso não seja, é possível que esse *mb hipotético, nativo da família Kariri, tenha evoluído para *m.


2) (Provavalmente) todos os sons que tinham *mb que vieram depois do período do Proto-Kariri foram herdados como b, vide o Tupi Antigo mboé 'ensinar' > BOHÉ 'ser ensinado'


 Com esses dois problemas apresentados, meu argumento é de que, se essa palavra tivesse surgido no período Pré-Proto-Kariri ou do Proto-Kariri, ela provavelmente teria surgido como MEKU, e se tivesse surgido no período pós-Proto-Kariri, seria BEKU, o resultado ECU portanto é estranho, mas eu creio que uma explicação possa ser dada sobre isso.


 A família linguística Kamakã é descendente do Proto-Transanfranciscano, língua avó do Kamakã, Maxakalí e Krenák, dentro dessa língua, o som *mb do Proto-Macro-Jê tendia a se tornar *p, portanto, onde havia *mbêñ°-kuñ° para o PMJ, o PTSF herdou como *pêñ-kuñ. Agora, falemos sobre o Kamakã, cujo sabemos que interagiu com o povo Kariri devido ao empréstimo YACÁ 'cachorro' que existe no Kipeá, não existe registro da palavra para céu (pelo menos derivado deste composto) para as línguas da família Kamakã, mas creio que graças ao Kipeá, essa palavra tenha sido parcialmente preservada na forma que o povo Kamakã a pronunciava.


 A evolução do som *p do PTSF normalmente levava para o som hʷ (pronunciado como se fosse Ju de Juan (Rwã) do espanhol) na família Kamakã, portanto podemos criar a forma hipotética para *pêñ° 'céu' como *hʷe, já kuñ° que significa buraco e foi registrado, varia entre kô, kó e wó, portanto temos geralmente a forma *hʷe-ko 'céu' no Kamakã.


 Infelizmente, existem poucos registros da família Kamakã e provavelmente perdemos o dialeto que formou a palavra ECU, portanto temos que justificar algumas:


*Primeira teoria*: O dialeto/língua Kamakã que emprestou seu termo para o Kariri transformou a forma que, para facilitar a compreensão, chamarei de Kamakã Geral  *hʷe-ko em *e-ku, assim emprestando sua forma diretamente para o Kipeá


*Segunda teoria*: O dialeto/língua Kamakã que emprestou seu termo para o Kariri transformou a forma que, para facilitar a compreensão, chamarei de Kamakã Geral *hʷe-ko em *we-ku, quando essa forma foi emprestada para o Kipeá, a fonotática dessa língua Kariri transformou o *we-ku em e-ku, isso pode ser justificado pela quase ausência da sílaba we- dentro das línguas Kariri, salvo pelos casos em que o prefixo da quinta declinação se fundiu à palavra (Dz.: wecole 'avareza' e wecote 'proibir') e por uma palavra cujo a procedência ainda não foi descoberta (Kp.: weretè 'prato')


 Por último, como prometido, irei discutir um pouco sobre WÕ, que surge no meio de ECU e BUYẼ, infelizmente não fui capaz de associar essa palavra a nenhuma que eu conheço, se for Jê, é de alguma palavra dialetal desconhecida das famílias mais próximas do território Kariri (Transanfranciscano, Tarairiú e Cerratense) ou pode ser uma palavra nativa cujo também desconheço. A palavra mais próxima fonéticamente é WÕ 'perna', mas não vejo o sentido de sua inclusão, a não ser que houvesse alguma interpretação metafórica hoje perdida, a palavra que mais bate seria o WOI de WOICRAE 'subir, ascender', para que seja a mesma palavra, necessitaria de nasalização, o que não é necessariamente proibido e pode ocorrer em qualquer ambiente (Dz.: ye 'grande' vs Kp.: yẽ 'grande'), mas ainda tenho dúvidas se este é o caso. Valdivino sugeriu que a palavra WÕ derivasse de WO 'caminho', concordo com ele que essa é uma das palavras que mais faz sentido nesse composto, outra coisa que corrobora essa derivação é a nasalização perante oclusivas (p, t, k, b, d e g) descrito no artigo de 1965 de Azevedo na página 12 no ponto 1.6.1.


 O que posso concluir portanto é a palavra ECU 'céu' deriva da família Kamakã, a partir de um empréstimo de um dialeto que evoluiu uma pronúncia divergente do Kamakã Geral, A sílaba WÕ provavelmente é uma palavra nativa nasalizada por conta do fonema B que o sucede, sendo possivelmente algo relacionado a subir ou a caminho e BUYẼ é completamente nativo, analisado como uma junção do classificador com o adjetivo 'grande', portanto:


ECU-WÕ BU-YẼ literalmente 'céu-subir/caminho CL-grande' > 'céu superior, céu grande'



Autor da matéria: Ari Loussant 


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