quinta-feira, 3 de agosto de 2023

ETIMOLOGIAS DAS PALAVRAS XOCÓ-NATÚ


1) tul'uso: (tul'usô) 'dente': possivelmente a sílaba tu seja cognata distante do Proto-Tupi *tuꝁu 'morder'. A sílaba l'u pode ser a continuação de um som que ancestral dele e de *-ꝁu do Proto-Tupi, caso não, pode ser uma evolução de uma raiz ou cognata ou descendente do Proto-Macro-Jê *juñ° 'dente'. soo talvez continue ou seja cognato do Proto-Macro-Jê *nĵa ‘morder’.


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *tu-ʎu-cə:

*tu 'morder, dente' > Xokó tú, Natú tú

*ʎu 'dente' > Xokó l'u, Natú l'u

*cə: > Xokó sô, Natú sô


2) pikua (pikwá) 'homem, mulher, humano': essa palavra surge tanto com o significado de homem como o de mulher, acredito ser um composto que signifique ambas as palavras, pi sendo descendente ou cognato de *mbi₂n 'esposo' ou *mby 'pênis, macho', ambos do Proto-Macro-Jê e kwá continuando ou sendo cognato do Proto-Jê Setentrional *kwə̂j 'mulher'.


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *pi-kʷa

*pi 'homem, esposo' > Xokó pí, Natú pí

*kwa 'mulher, esposa(?)' > Xokó kwá, Natú kwá


3) kra-shulo: (krashulô) 'sol': como expliquei em uma publicação passada, o prefixo e palavra kra, kro, kla, klo é usado para denotar objetos redondos e principalmente astros, enquanto shulo pode ser um composto entre o Proto-Macro-Jê *cuñ° 'sol' e uma raiz cognata de la de lakutmen 'tarde' do Xukurú e la de šařóla, caso é claro, šařó e shulo não sejam cognatos ao invés disso. No entanto existe a variante krashuto do Xokó que põem dúvidas sobre a etimologia de -lo do Natú, talvez na verdade esteja relacionado ao *ndôm° 'olho' do Proto-Macro-Jê


Reconstrução para o Proto-Xocó-Natú: *kɾa-ʃu-lə ~ *kɾa-ʃu-tə

*kɾa- 'prefixo de objetos redondos' > Xokó kra-, Natú kra-

*ʃu 'sol' > Xokó shú, Natú shú

*lə ~ tə 'sol, tarde (?)' > Xokó tó, Natú ló


4) kra-uavé (krawavé) 'lua': o prefixo kra nessa palavra é o mesmo que na anterior, talvez a primeira sílaba seja cognata distante da primeira sílaba do Proto-Tupi *waty, vé é mais complicado de se relacionado a outra raiz já que ainda não fui capaz de encontrar a consoante que leva para o /v/, talvez seja cognato distante ou do wæd 'astro, sol, lua' do Hup ou do papɨ̃:j da língua Nadêb, mas ainda é necessário um estudo mais elaborado para determinar a evolução de cada fonema e achar o cognato mais próximo. Baseado na variante kriũavi do Xokó, é possível que essa língua fosse mais divergente na pronúncia e tivesse evoluído o som é para í, no entanto manterei a pronúncia desse som como ê na reconstrução para caso isso seja resultado de uma vogal diferente o PXN (Proto-Xokó-Natú)


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *kɾa-wa-ve


5) atise:re: (atisêrê) e atsihi 'terra': ambas as palavras significam terra, a primeira sílaba talvez carregue um cognato ou descendente do Proto-Macro-Jê *a(p) 'terra', *ti talvez seja cognato distante do Hup *titíʔ 'sujo'. *se: ou *se:re: não tem um cognato óbvio, alguns candidatos prováveis são *je 'colocar deitado' (isso talvez implique em uma forma *je-r, caso -r tenha se transformado em um nominalizador e caso -r seja preservado como -rV nas línguas da família XN), *jarit 'raiz' (isso implica que a pode ser herdado tanto quanto *a como *e, mais estudos são necessários para ter certeza se isso está correto) e por último *jarê 'desenterrar' (mesmo problema que *jarit).


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú *a-ci-se(-re)

*a 'terra' > Xokó a, Natú a

*ci 'sujo, terra' > Xokó tsi, Natú ti

*se:(-re:) '?' > Xokó hi, Natú se're'


6) mə̀núsˈi (maenús'i) 'vento': essa palavra vai necessitar de estudos mais elaborados sobre a família Nadahup para poder ser verdade, estou me baseado meramente em uma única palavra e sua correspondência no Macro-Jê para argumentar meu ponto, portanto creio que essa teoria seja fraca e espero no futuro poder voltar para provar ou desprová-la. Enfim, meu argumento para a primeira sílaba é o que estou falando ser fraco, a palavra *mə̀ 'vento' só tem um possível cognato que fui capaz de encontrar, Hup bohot, Yuhupdeh wöhöt e Nadêb bahod, todos esses começam com a consoante b, espero por estudos sobre essa família, pois creio que se esse bo/wö/ba descender de um *mb anterior, pois fica claro que a famíli Hup assimilou suas oclusivas prenasalizadas (pelo menos mb, nd) às oclusivas sonoras (b e d), como em d'oj' 'chuva' do Hup é cognato direto do Proto-Macro-Jê *ndaj 'chuva', então eu poderei argumentar que *mə̀ 'vento' descenda de uma raiz do Proto-Brasílico *mbə(t) 'vento', cujo talvez tenha seu reflexo no PMJ *mbyt 'pegar, carregar'. Não sei ainda a qual raiz pertence *nu, talvez seja descendente de *ndoc 'saltar', que assim como o *sperǵʰ- do Proto-Indo-Europeu, talvez tivesse o significado de 'mover-se rapidamente'. *si provavelmente é descendente ou cognato de *nĵi ~ ji 'frio'.


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *mə̃-nũ-ci

*mə 'vento' > Xokó mə (mae), Natú mə (mae)

*nu 'saltar, mover-se rapidamente' > Xokó nú, Natú nú

*ci 'frio, esfriar' > Xokó si, Natú si ~ ti


7) kraunã (Natú) e taká (Xokó): ambas as línguas possuem palavras diferentes para água, além de uma terceira que é usada para o Rio São Francisco (Opára), a palavra Natú parece carregar uma sílaba idêntica ao classificador de rios do Kariri (kru- no Kipeá e krô- no Dzubukuá), além de ter u-nã, u pode estar relacionado ao u de teú do Xukurú e do j-ɯ 'água' do Proto-Tupi, enquanto nã talvez venha de *ndaj 'chuva' do Proto-Macro-Jê ou seja cognato desse, a variante krananã (kra-na-nã) provavelmente indica que a nasalização não era obrigatória e sim dialetal. Sobre taká do Xocó, creio que ambas as sílabas sejam cognatas de raízes encontradas pelo Nordeste que tem o tema aquático, como tó e tú de tórê e túrê do Tarairiú (usado em nome de rios pequenos), tú de túra do Atikum (significa água nessa língua) e por último, kái/kêi 'rio' do Tarairiú e Xukurú.


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú *kɾə-u-nã e *tə-kə

*krə 'rio' > Xokó krá, Natú krá

*u 'água' Xokó ú, Natú ú

*na 'água, chuva' > Xokó nã/na, Natú nã/na

*tə 'água, riacho' > Xokó tá, Natú tá

*kə 'água, rio' > Xokó ká, Natú ká


8) gandil'á 'casa': Essa palavra pode comprovar a transição fonética de l'u de tul'uso, *ga ou *gã provavelmente deriva da mesma raíz que *ŋgy 'casa dos homens' do Proto-Cerratense, no entanto a variante Gra em grandl'a existe, o que pode indicar que essa raiz derive na verdade de *ŋgrə 'espalhar'. Admito que *di ou *ndi ainda me é difícil de relacionar a qualquer raiz, talvez seja cognato de *ndŷ do Jê Setentrional, mas creio que isso seja difícil, pois há o problema das consonantes prenasalizadas até agora resultado em nasais (m, n), portanto o esperado seria *ni e não *di ou *ndi, caso essa sílaba seja *di, é possível que seja uma versão vozeada de *ti 'botar', cognato do Kariri ti 'botar', mais estudos são necessários para ter certeza de que não há qualquer ambiente em que essas consoantes são preservadas. A palavra *l'a pode derivar de *ja 'ficar de pé, colocar de pé', essa etimologia talvez apoie a ideia de que di seja *di e portanto seja um verbo dessa família linguística dil'a 'botar de pé, erguer'


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú *gã-diʎa

gã 'casa' > Xokó gã, Natú gã

*diʎa 'erguer' > Xokó dil'á, Natú dil'á

*di 'botar' > Xokó dí, Natú dí

*ʎa 'colocar de pé' > Xokó l'á, Natú l'á



9) avêl'a 'língua': Essa palavra talvez seja um composto com raízes do Proto-Macro-Jê *a-wẽ-jar (a(p)- 'prefixo de argumento genérico' + wẽ 'falar, dizer' + jar 'boca').


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú *ave:-ʎa

*ave: 'falar, dizer, língua' Xokó avê, Natú avê

*ʎa 'boca' > Xokó l'á, Natú l'á


10) ikrâ 'machado': descedente direto do Proto-Macro-Jê *kryt 'pederneira, metal', a vogal i- no começo é provavelmente o marcador de terceira pessoa *i-.


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *i-kɾa:

*i- 'prefixo da terceira, ele, ela' > Xokó i-, Natú i-

*kɾa: 'machado, faca (?)' > Xokó krâ, Natú krâ


11) krasiá 'mão': kra talvez continue o uso do prefixo kra- para objetos considerados redondos. Talvez si continue *ñim, mas vogal -á no final é misteriosa pra mim, é possível que seja algum sufixo nominalizador antigo, o que talvez indique que -si- derive de outra fonte, novamente deixarei para estudos futuros e voltarei para este tópico quando eu for capaz de responder melhor.


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *kɾa-ci-a

*kɾa- 'prefixo de objetos redondos' > Xokó kra-, Natú kra-

*ci 'mão (?)' > Xokó sí, Natú sí

*-a 'sufixo nominalizador (?)' > Xokó -á, Natú -á


12) kôbê e zitôk 'estrangeiro': a primeira palavra ou é empréstimo ou é derivado da mesma raiz que *kubẽ 'estrangeiro' do Jê Setentrional, isso traz uma demonstração de desnasalização na história do Proto-Xokó-Natú, auxiliando na reconstrução de palavras para essa língua. A palavra *zitók possui duas sílabas, *zi e *tok, no entanto eu argumento que, baseado na similaridade fonética das línguas do Nordeste, houve aqui um sprachbund onde as línguas começavam e se parecer umas com as outras na fonotática, parece-me que esse padrão era CCV (consoante-consoante-vogal), cujo foi quebrado posteriormente pelos descendentes das protolínguas nordestinas, com isso dito, eu creio que tók era *tó-kV, é difícil dizer com precisão a etimologia dessa sílaba agora escondida, pode ser um descendente da mesma raiz que o krĩ 'aldeia' do Jê Setentrional, enquanto to seria descendente de *tə̂₂m 'novo', enquanto zi- seria pessoa, comparável com a raiz ji de mãjikêô, portanto zi-to-krV 'pessoa de aldeia nova'


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *ɟi-to-k((r)V)

*ɟi 'pessoa' > Xokó zí, jí, Natú zí, jí

*to-k((r)V) 'estrangeiro(a)' > Xokó tók, Natú tók


13) shakishá e atsá 'fogo': a primeira palavra parece ser descendente direto do *kVcəm° 'fogo' do Proto-Macro-Jê, talvez na época ou algum tempo depois do período PMJ os elementos desse compostos ainda fossem analisáveis como palavras separadas, portanto *cəm° 'fogo' foi colocado no começo da palavra para reafirmar o sentido, formando *cəm°kVcəm° e posteriormente *cakica 'fogo'. A palavra atsá é a forma Xokó de *ca com o prefixo de argumento genérico atrelado à raiz.


Reconstrução para o Proto-Xokó-Natú: *cakica e *a-ca

*ca 'fogo' > Xokó tsá, Natú shá

*ki 'madeira, lenha' > Xokó kí, Natú kí

*kica 'fogo' > Xokó kitsá, Natú kishá



Autor da matéria: Ari Loussant 


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