Uma coisa que notei na minha pesquisa de comparação do Kariri (Kipeá, Dzubukuá, Kamurú, Sapuyá e Katembri) é que algumas palavras que começam com w do primeiro período da língua Kariri se transformaram em g como no Sapuyá, veja por exemplo:
Proto-Macro-Jê *wi 'subir'
Proto-Kariri *ge 'subir' ->
> Sapuyá: gemuih 'acima, para cima'
> Dzubukuá: hemwj 'céu'
> Kipeá: yemŷ 'arriba, para cima'
Isso deve ter acontecido em um passado distante, e se presumirmos essa mudança, então de onde teriam vindo os W que vemos em Warakidzã, Wanheré 'fazenda', Wanhubatsã "quinhão" ? Ao pesquisar comparando o máximo de palavras que pude com outras línguas da América do Sul, percebi que algumas delas parecem ter vindo de antigos *p:
wanadzi 'remédio', wana cognato do Proto-Aruaque *pana 'planta, erva, remédio'
wanheré 'fazenda', composto entre wa 'raiz, verdura' + nheré 'botar, colocar, meter', essas duas palavras muito provavelmente entraram dentro da língua Kipeá através do Natú ou do Xocó.
Com isso dito temos algumas possibilidades para Wanagidze/Wanakidze/Warakidzã, a primeira é a sugerida pelo prof. Valdivino Neto, que sugere a possibilidade de ser um composto entre wan-a-ki-dze 'haver-PL-até-chamar', ou seja, uma frase que diz 'haver (necessidade) de ir até lá chamar', concordo plenamente com essa possibilidade, levando em consideração a tendência linguística de descrever espíritos por meio de frases que indicam aspectos de seus rituais ou de suas funções como entidade. Adiciono que o aspecto monossilábico do Kariri torna fácil da língua expressar mais de uma característica dentro de suas composições, argumento que Wanagidze e Warakidzã sejam compostos criados dentro do substrato da língua Kariri, é difícil dizer qual língua ou quais línguas participam deste substrato, mas línguas que creio serem irmãs destas que influenciaram o Kariri tiveram vocábulos suficientemente guardados para análise, deixando claro de que se trata de um grupo Macro-Jê do ramo Cerratense.
Argumentei recentemente sobre um sufixo -dze/-dzá/-dzã/-dzõ que nominaliza as raízes dessa língua substrato, como em mali-dzá, bi-dza e woli-dze/wari-dza, existe a chance de que o nome Wanagidze e Warakidzã serem também palavras descendentes desse substrato, visto que o nome Poditã/Politão compartilham a raiz -tã/tão com o Proto-Macro-Jê *təm 'jovem, novo', portanto existe a possibilidade da língua substrato ter emprestado também o nome do Deus dos Sonhos, Nantes se refere a ele como o amigo, o que, após estudos de comparação dessa língua que está dentro do coração do Kariri com o ramo Akuwẽ, fui capaz de notar uma coisa interessante:
Xavante: u-pana 'substituto, alheio'
Fazendo com que Wanakidze/Wanagidze/Warakidzã seja o *wana-ki-dza 'o substituto', ainda não encontrei o cognato da sílaba ki, mas talvez essa etimologia seja reforçada por seu segundo nome Waridzam, registrado por Serafim Leite, que possui um cognato logo abaixo da palavra Xavante acima:
Xavante: u-pari 'ajudar, defender, apoiar'
Portanto Wanagidze era o 'ajudante' e o 'substituto', assim temos as três etimologias do nome desta divindade:
1) O haver de ir até lá (referente ao seu ritual)
2) O substituto
3) O ajudante
Além de sua função registrada de Deus dos Sonhos e seu título de Amigo dado por Nantes, cujo provavelmente era uma adaptação cristã da segunda e terceira etimologia
Autor da matéria: Suã Ari Llusan
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