segunda-feira, 19 de agosto de 2024

PRIMEIRA ANÁLISE DA LÍNGUA DOS TOPÔNIMOS DO CEARÁ


 Essa pesquisa é uma análise dos topônimos do período colonial do Estado do Ceará, Comecei com o topônimo de onde nasci, em Jubaia, Maranguape, especificamente o nome do grupo de serras de Maranguape, Dequeamamene e daí fui prosseguindo adiante para outros topônimos que não são Tupi, mas também não são Tarairiú.


 A maioria desses topônimos segue um padrão visto em alguns poucos lugares, note que a língua Tarairiú do rei Janduí tinha consoantes finais, como engepup, attug e etc. Essa língua que surge nos topônimos, no entanto, não possui nem consoantes finais nem encontros consonantais, mantendo o aspecto CV (consoante-vogal) de forma constante.


 A área exata ainda nos elude, porém, parece que línguas da região litorânea cearense possuíam essa tendência, também é possível, através do registro de 10 palavras do Areriú perceber que, na Serra de Ibiapaba, essa tendência fonética também estava presente:


1. Araka – confronto (cognato do Xukurú arágo ‘brigar, lutar, matar’)

2. Aranzê – falatório, confronto verbal

3. Xulim – caroço, semente

4. Painha – criança

5. Curubijar – bisbilhotar

6. Teté – mexer, mover (< Proto-Jê Setentrional *têrtêr)

7. Vijú – peixe

8. Xanha – coceira

9. Tibi – Anhangá (espírito malévolo)

10. Podói – canibal (comedor de carne humana)


 Com isso em mente, trago aqui todos os vocábulos que extraí de topônimos e cantos Tremembé de uma parte do litoral norte do Nordeste, isto é, do Maranhão ao Ceará:



PALAVRAS


Aguama ‘luta, briga, batalha, guerra’ (Courtz, 2008, owòma ‘briga’)


Aguamamu (aguama-mu) ‘luta, briga, batalha, guerra’ (Courtz, 2008, -my ‘nominalizador’)


Aguamamune (aguama-mu-ne) ‘(lugar) que tém batalhas, guerras (Maranguape)’ (Courtz, 2008, -ne ‘com’)


Ary ‘conteúdo, material, semente’ (Courtz, 2008, ary ‘conteúdo’)


Aryge (ary-ge) ‘com conteúdo, com materiais’ (Courtz, 2008, -ke ‘com, junto’)


Asuma (asuma) ‘maldição, feitiço’ (Courtz, 2008, ejuma ‘maldição, abuso’)


Asumame (asuma-me) ‘(lugar) de feitiços’ (Courtz, 2008, -me ‘ter função de’)


Bon ‘ilha’ (Curubon ‘nome de uma ilha’, Courtz, 2008, kunu ‘água abundante’ + pawu ‘ilha’)


Bubu ‘terra, país, região’ (Courtz, 2008, popo ‘no chão, baixo’, do topônimo Uxububú)


Caripö ‘etnônimo dos Caripó, um dos povos Caribe que adentraram o Nordeste’ (derivado do Proto-Carib *karipona)


Cauron ‘outro nome do Rio Curu’ (Courtz, 2008, Kauru ‘nome do rio Courou do Suriname, cognato direto’)


Cono, coni ‘água, rio, chuva’ (Courtz, 2008, konopo ‘chuva’)


Conoribo ‘pouca ou nenhuma chuva’ (Courtz, 2008, konopo ‘chuva’ + rypo ‘pouco ou nenhum sucesso’)


Corui ‘água, rio, chuva’ (Courtz, 2008, kun, kunu ‘água abundante’)


Curu ‘água, rio’ (Courtz, 2008, kun, kunu ‘água abundante’)


Curubon ‘nome de uma ilha (Ilhas de Chaval-CE ?) (Courtz, 2008, kun, kunu ‘água abundante + pawu ‘ilha’)


Dequeamamene ‘que tem batalha, (lugar) guerreado’ (Courtz, 2008, ty- ‘terceira pessoa correferencial’)


Deli, Dely, Delli ‘Monte Deli, monte do espírito ruim’ (Courtz, 2008, Tiritiri ‘espírito malevolente’)


Guajara ‘espírito da floresta que imita sons e assombra os viandantes’ (Courtz, 2008, wajana ‘Maracanã-de-cara-amarela’)


Guama ‘lutar, brigar, batalhar, guerrear’ (Courtz, 2008, wòma ‘bater, brigar’)


Guari ‘espírito da floresta que imita sons e assombra os viandantes’ (Courtz, 2008, wyriwyri ‘ave de rapina’)


Guasapuina ‘muitos Guasa’ (Courtz, 2008, wajana ‘povo Wayana’; apyiny ‘muitos de’)


Gurupi (guru + pi) ‘(rio de) muita água’ (Courtz, 2008, pyime ‘muito’)


Josary ‘cacho(s) (de)’ (Tradução do afluente do Rio Timonha, Ubatuba ‘abundante em ubás’, Courtz, 2008, oja, ejary ‘conjunto, cacho, aglomerado’)


Manima (manin-ma) ‘filho, filha, descendente’ (Courtz, 2008, -my ‘nominalizador’)


Manin ‘sangue’ (Courtz, 2008, mynu ‘sangue’)


-me ‘sufixo que significa ter função de, funcionar como’ (Courtz, 2008, -me ‘ter função de’)


Munasery ‘(lugar) novo de pegar tubérculos’ (Courtz, 2008, muna ‘pegar tubérculos’; asery ‘novo’)


Pajé ‘pajé’ (Parece com o Tupi, mas isso é por conta da evolução convergente dessa língua, onde *y > a e *ai > é. Courtz, 2008, pyjai ‘xamã’)


Ribo, nibo ‘com pouco ou nenhum sucesso’ (Courtz, 2008, rypo ‘pouco ou nenhum sucesso’)


Siara ‘Rio Ceará’ (Courtz, 2008, sarano ‘calmo, pacífico, relaxado’)


Siebeba ‘sem frutos’ (Courtz, 2008, (i-)epepa ‘sem frutos’)


Siupé, Siopé ‘(ele tem) fruto, fruta’ (Courtz, 2008, (i-)epe ‘fruto, fruta’)


Sosara ‘cacho(s) (de)’ (Tradução do afluente do Rio Timonha, Ubatuba ‘abundante em ubás’, Courtz, 2008, oja, ejary ‘conjunto, cacho, aglomerado’)


Temona ‘(lugar) fértil’ ou ‘jardim’ (Courtz, 2008, tywonapore ‘fértil’ ou apenas ty-wona ‘sua própria plantação’)


Tutóya ‘ela (essa terra) é (nossa) casa’ (Courtz, 2008, t-auto-ja, com auto ‘casa’ conjugada como verbo no presente)


Uxu ‘urubu’ (Do topônimo Uxububú, Courtz, 2008, ùjon ‘cobertura da cabeça’)



 Algumas coisas são notáveis dependendo da região, por exemplo, o Rio Timonha se encontra na mesorregião do Noroeste Cearense, é possível notar em duas línguas daquela região que havia um processo de mudança de -w- > -m-, como no nome Acon-GU-açú para Aca-M-açú e nosso caso de ty-W-ona para Te-M-ona, processo esse que os indígenas de Maranguape não tiveram, como vemos no nome A-GU-amamune, que não possui qualquer variante que o transforme em A-M-amamune, indicando que essa mudança fonética só afetou línguas da região próxima de Ibiapaba.


 Também é possível notar que o dialeto de Aguamamune tinha um processo totalmente diferente de mudança fonética, onde -w- sofria fortição para -gw-, depois -kw- e por último delabialização para um simples -k-:


Aguamamune > Aquamamune > Acamamune > Camamune


 Não só isso, como também esse antigo -w- sofria uma palatalização posteriormente:


Camamune > *Decamamune > Dequeamamune (ca (ka) > quea (kya))


 Contrário a esse processo de fortição e desvozeamento, o dialeto Aguamamune também sofria de vozeamento da oclusiva t, que virava d:


Temona < dialeto do rio Timonha = *ty-wona > te-mona ‘jardim’

Dequeamamene < dialeto de Maranguape = *ty-wama-me-ne > de-kyama-me-ne ‘que contém batalha’ (traduzido para o Tupi como Maranguab ‘lugar de batalha’)


 O dialeto de Tutóya sofria de monotongação, onde auto ‘casa’ virou utó ‘casa’, perdendo o ditongo au-.


*t-auto-je ‘é sua própria casa’ > t-utó-ya


 É possível notar que processos de redução silábica já estavam ocorrendo na língua, como no nome Guasa ‘etnônimo’ de Guasapuina ‘muitos Guasa’, referindo-se ao etnônimo Wayana, três mudanças ocorrem aqui, primeiro -y- vira -s-, a silaba final de -yana é perdida e a palavra sofre desnasalização completa:

Wayana > Wasana > Wasãn > Wasã > Wasa ‘Woyana’


 Palavras como Sosara, Siupé e Siebeba comprovam a mudança nessas línguas de -y- > -s-


 Nota-se que o no Ceará (mas não exclusivamente), muitos topônimos possui nomes duplos, um na língua Tupi Antiga da região, seja ela Tabajara, Potiguara ou Pitaguary e outro no que era chamado na época de forma genérica de ‘tapuia’, mas que raramente especificava de qual nação pertencia o nome. Um exemplo muito bom disso é o Rio Curu e o município adjacente chamado de Paracuru, que recebeu dois nomes ao longo dos séculos: Pará ‘rio’ em Tupi Antigo e Curu ‘rio’ na Língua dos Topônimos (LdT), também é possível ver isso em Uruburetama, que também tinha o nome de Uxububu e Maranguape com Aguamamune, o que facilitou muito na tradução de vários desses nomes.


 A LdT tem fonotática CV (consoante-vogal), o que já entrega essa língua como parte de alguns grupos seletos de línguas do Brasil, já podemos excluir o Macro-Jê, devido à abundância de afixos analisados em cada palavra, tendência menos monossilábica de cada um dos morfemas e ausência total de encontros consonantais ou consoantes finais, Tupi também não é, pois nenhuma palavra é diretamente analisável como Tupi e todas as análises do século 20 tem argumentação fraca e dependem muito do argumento de ‘corrupção’, mais fácil sendo analisar como vocábulos de outros grupos linguísticos.


 Como argumentei dentro da própria lista, creio firmemente que os vocábulos tem relação direta com línguas Caribes do Norte da América do Sul, parte de uma leva migratória que teria adentrado no Nordeste cerca do século 9 ou 10, próximo do período estimado das migrações Caribe-Aruaques, que foram no século 8 e 9. Argumento ainda mais além e adiciono que com os dados dos holandeses corroborando esse argumento, como nomes como Wojana presentes no Nordeste, que estes grupos são linguisticamente afiliados ao Caribes Centrais, donde derivam os Kaliña, Wayana e outros. Os linguístas do século 20 associaram todos estes vocábulos e incluindo também aqueles dos cantos de torém, aos Tremembés do litoral, aqui concordo com essa associação, sendo estas palavras traços da antiga língua desses povos.


 Os dialetos não tiveram nomeação claramente posta em lugar algum, todos os Tremembés eram visto como Tremembés, sem divisão de clãs, aldeias ou qualquer coisa do tipo, essa falta de análise detalhada desse povo torna difícil dizer os nomes de cada um dos povos e determinar dialetos, mas dois grandes agrupamentos podem ser claramente visto nas análise que dei.


Contínuo dialetal de Tutóya (-y- não virou -s-, como em t-auto-je > t-uto-ya)


Contínuo dialetal Cearense (-y- virou -s-, como em Wayana > Guasa)

  - Dialeto Temona (preservação da oclusiva t-, mudança de -w- > -m-, ty-wona > te-mona)

 - Dialeto Aguamamune (vozeamento de t- > d-, preservação inicial de -w-, mas mudança posterior para -w- > -gw- > -kw- > -k-, palatalização do fonema k- > ky-).




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 



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