segunda-feira, 23 de setembro de 2024

LÍNGUA SAKAKÑA, UMA LÍNGUA ARAWAK


 A língua Sakakña, e seus nomes variantes antigos: Sekwakirihen, Sakwakirihen, Sakakirihen, Sakakrihen ou Sakakriña (Sacacrinhas) é o idioma do povo do mesmo nome, habitantes do Rio Salitre, tributário do São Francisco, à algumas horas ao oeste do território Dzubukuá, no município de Cabrobó.


 Sua relação com as língua Arawak está em seu nome e nos empréstimos de origem Arawak que surgem no Dzubukuá e Pankararú. No caso do Dzubukuá, a palavra é aquela citada na publicação anterior: wanadzi 'remédio', enquanto a palavra Pankararú que é de origem Arawak é ipá 'pedra', o interessante aqui sendo a divergência do Lokono siba 'pedra', onde o s- desapareceu e o -b- do Proto-Arawak *kɨba 'pedra' sofreu desvozeamento para -p-, assim:



Proto-Arawak *kyba > Lokono Antigo *tsyba > Sewakrihen Antigo *hiba > Sewakrihen Clássico ipa 


 

 Isso explicaria por quê a língua desenvolveu s- onde antes havia j-, como no caso do pronome de terceira pessoa do plural *je-, que virou se- e depois sa-, como em Sa-kakri-ña 'eles dos velhos tempos, ancestrais', foi por quê os /s/ originais viraram /h/ e depois foram perdidos, como no caso do Dzubukuá com *sode > *hode > odde 'o que', isso indica que esse idioma fazia parte da esfera de influência do Dzubukuá, pois o sotaque se adequa às regras fonéticas desta língua Kariri e de outras línguas da região, como no caso do Masakará que também não tem /s/.


Um outro substantivo, cujo é difícil identificar a origem específica, mas que sabemos que é do tronco Arawak, é a palavra para milho das línguas Kariri, no Dzubukuá é madiqui, no Kipeá masichi e no Sapuyá-Kamurú mussigi, todas implicam em uma forma em *mayiki, é possível que o doador dessa palavra seja justamente o Sakakña, indicando que /ɾ/ virou /j/ em algum momento, enquanto /l/ virou /ɾ/ para compensar.



 Outros aspectos que podemos extrair dos nomes deixados são que, o som de /p/ virou /w/, como no caso do Proto-Arawak *pana 'folha' virando Sakakriña *wana 'folha', a consoante /w/ virou /k/, através de um processo praticamente idêntico ao do Dequeamamene (Aguamamune > Aquamamune > Acamamamune > Camamune), como em Lokono wakili 'velhos tempos' > Sakakriña kakri 'velhos tempos', as vogais são estáveis, não havendo mudanças radicais nelas, exceto por /e/ > /a/ e /ɨ/ > /i/, típico da região, assim como Dzubukuá e o Pankararú fizeram.



 Eu relaciono essa língua ao Lokono por conta do vocábulo kakri 'velhos tempos', cujo não fui capaz de identificar um cognato fora do Lokono wakili 'velhos tempos', indicando que se trata de uma inovação desse grupo linguístico, parte da ramificação Ta-Arawak. Ainda falando de inovação, o Sakakriña foi claramente influenciado pelo Dzubukuá em sua criação de agentivos, pois note que este usa de um prefixo se- 'eles/elas' + um sufixo -ña 'substantivizador' para criar um substantivo agentivo plural 'aqueles que são ...', esse tipo de estrutura é nativa das línguas Caribe e Kariri, como no Dzubukuá di-...-li, o que indica que novas palavras e até palavras antigas estavam sendo substituídas por neologismos inspirados na língua Kariri do Katecismo Indico.



 Não muitos dados além desses, mas a palavra kakri já é um norte perfeito, pois relaciona o Sakakriña ao Lokono, portanto facilitando sua reconstrução, sendo necessário apenas aplicar as mudanças fonéticas aqui citadas e aplicar as mudanças lexicais com base em traduções do Dzubukuá.



SAKAKÑA MODERNO, O QUE ACONTECERIA SE TIVÉSSEMOS REGISTROS NOS DIAS DE HOJE ?



 Usarei aqui, como argumento, duas línguas da proximidade do São Francisco, ambas que sofreram de mudanças fonéticas similares, indicando uma área de convergência linguística, mas disso já sabemos, o interessante dessas duas línguas é que seus registros foram feitos no século 20, muito depois dos registros coloniais, 3-2 séculos para ser exato, tempo suficiente para vermos mudanças na fala local, e isso vemos sem dúvidas.


 As duas línguas são o Natú e o Xukurú, que possuem palavras antigas que demonstram clara redução silábica, mas uma redução que praticamente livra-se de uma sílaba inteira, mesmo que ela possua encontros consonantais, veja o Natú zitók 'estrangeiro, inimigo', cognato do Xavante tsitob'ru 'inimigo', de um antigo tsitobkru 'inimigo', note que o Natú reduziu a última sílaba kru 'raiva' para apenas uma consoante que virou coda da palavra completa -k, tal processo também é visto no Xukurú, que transformou o Tarairiú Antigo sekri 'casa' em xek 'casa', reduzindo kri 'casa' para -k, tal processo indica que línguas de famílias diferentes estavam passando por novos processos de redução silábica, aqui desejo. A prova de que tal processo alcançou o médio São Francisco é que o Pankararú também participou dele, língua essa que estava há apenas algumas horas de distância do Rio Salitre, a redução é demonstrada em tik 'pena' (Woyana t-un-ke) e bar-kíra 'flor' (bar < Woyana pyry 'flor').


 O nome visto no título e escolhido como nome principal no começo do texto aplica essa exata regra, reduzindo o morfema descrito kakri para kak, imitando o sotaque que estava em vigor no século 19 e 20 no rio Opará.



TIPOLOGIA DO SAKAKÑA


 A tipologia vista no Dzubukuá é descrita por Queiroz (2012, p. 380) como um idioma polissintético aglutinativo, tal descrição está correta de certa forma, mas é um pouco absoluto, o Dzubukuá, assim como qualquer outro idioma do mundo, está em um espectro, a maioria das construções da língua são feitas de forma analítica (através de preposições ao invés de afixos), mas a capacidade da língua de afixar múltiplos prefixos e sufixos, parte de sua natureza sintética, herdada do Proto-Caribe, permite que frases sejam formadas com uma palavra só, mas tal sistema não é o prevalente nas construções da língua. Pode-se inferir que o caráter polissintético das línguas Arawak teria sofrido uma redução no Sakakña, visto que nas proximidades não só haviam povos Terejê (substrato Macro-Jê do Dzubukuá), mas também os Masakará, povos Macro-Jê com alinhamentos mais analíticos e isolantes, que sabemos que influenciaram o Dzubukuá, influenciaram os Pankararú e sem dúvidas teriam sido parte de um substrato da língua Sacacrinha.



ORDEM DOS CONSTITUÍNTES E SINTAGMA NOMINAL


 Se o Dzubukuá influenciou a gramática da língua nas formas agentivas, existe grande chance que a ordem de verbo inicial como preferida teria adentrado a língua, sendo ela VSO e VOS, mas como tal afirmação é difícil de confirmar, sugiro o uso desta para imitar o Dzubukuá, mas também sugiro o mesmo processo de ordem livre dessa língua Kariri por meio de topicalização.


 O sintagma nominal provavelmente segue o Dzubukuá:


 NCAD (nome-classificador-adjetivo-determinante = basi da-wi tô 'casa CL-grande esta')


ou 


DNCA (determinante-nome-classificador-adjetivo = tô basi da-wi 'esta casa CL-grande') 



Fontes:


C. H. De Goeje, The Arawak Language of Guiana, 1929


Willem J. A. Pet, A Grammar Sketch and Lexicon of Arawak (Lokono Dian), 2011


Bernardo de Nantes, Katecismo Indico, 1896


Čestmír Loukotka, Classification of South American Indian languages, 1968


José Márcio Correia de Queiroz, Um estudo gramatical da língua Dzubukuá, família Kariri, 2012


Thomaz Pompeu Sobrinho, Línguas Tapuias desconhecidas do Nordeste: Alguns vocabulários inéditos, 1958


Robert E. Meader, Índios do Nordeste: Levantamento sobre os remanescentes tribais do nordeste brasileiro, 1978




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 



Nenhum comentário: