segunda-feira, 16 de setembro de 2024

O CONCEITO DE PASSADO E NÃO PASSADO DO KARIRI-WOYANA


 A língua Kariri-Woyana possui um sistema que assemelha-se muito ao do tronco Macro-Jê. Veja que, nas línguas Jê, normalmente existe uma separação daquilo que é passado, presente e futuro a partir de dois conceitos: realis e irrealis.


 Nas línguas Transanfranciscanas (Maxakalí, Kamakã e Krenák), tal sistema é feito a partir das codas (consoantes finais) dos morfemas, no Masakará por exemplo, se eu digo ni ‘ir.IRR’, estou usando ele na forma irrealis, ou seja, marcando qualquer conceito não real, o futuro, o imperativo, o pretérito imperfeito, aquilo que não aconteceu ainda, que pode acontecer, que acontecerá, que eu quero que aconteça e etc. Se eu marco essa palavra com sua coda ni-n ‘ir.RLS, a partir daí estou marcando o presente, pretérito perfeito, particípio ou até mesmo o gerúndio, pois é realis, algo que é real, como algo que já aconteceu, acontece ou está acontecendo.


 No Jê Cerratense, tal discernimento é feito a partir de partículas e/ou afixos separados, que variam de ramo em ramo, atesto o uso complexo de dois grupos determinantes de tempo-aspecto-modo dentro do ramo Terejê, com o primeiro grupo marcando o passado (mô) e o não-passado (de), o outro grupo marcando o realis (do) e o irrealis (za), com esses dois existindo, é possível formar diferentes concepções de tempo misturando cada um, por exemplo mô do passado da segunda e terceira pessoa + za irrealis, resultaria em mô za ‘passado irreal’, ou seja, o pretérito imperfeito, por exemplo: mô za krâ ‘(tu/ele(a)) comera(s)’.


 O sistema do Woyana, baseado nos dados do Wayana do Amapá, por coincidência, assemelha-se bastante ao visto no Xokó, Natú e Wakonã (Terejê), que é o discernimento do primeiro grupo que falei: passado e não-passado. O passado da língua Woyana era marcado com um morfema zero, o que isso significa é que o morfema era invisível, implicado na frase que, quando você falar o verbo de forma solta, você está dizendo esse verbo no passado ou no presente, portanto a falta de marcação indica o modo realis da língua Woyana:


mnak ‘orelha, ouvir’


u-mnak ‘eu escuto ele(a)’ ou ‘eu escutei ele(a)’


 O próximo marcador não é invisível, é a posposição sa, que é cognata do Wayana ja, ambos marcam o que a terminologia dos estudos do tronco Caribe chamam de não-passado, mas trazendo para a terminologia Macro-Jê, conhecemos como marcador de irrealis, pois marca o futuro (algo que não aconteceu, portanto irreal), imperativo (algo que se ordena fazer, portanto ainda não foi feito, irreal), optativo (que se espera, irreal), desiderativo (que se deseja, irreal) e o pretérito imperfeito (algo que deixou de ser, não é mais real, irreal).


tuk ‘comer’


my-tuk sa ‘tu comerás’ (futuro) ou ‘coma!’ (imperativo) ou ‘tu comeras’ (imperfeito).


à-dali:m bo! 'boa noite para vós' (baseado no que estudei da gramática de Tavares)

à- 'para ti, para vós'

dali:m 'preto', cognato do Wayana talilime, baseado na mesma inovação que o Kariri fez com karai 'preto' 

à-waîna bo! "Bom dia para vós"

bo 'bom, bem', cognato do Wayan i-po-ke, muito provavelmente cognato do wo de wonhe 'bem'.





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 



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