sexta-feira, 1 de novembro de 2024

CORREÇÃO DOS GAMELA COMO UMA LÍNGUA MACRO-JÊ MISTA


Correção de uma informação aqui que acabei de achar, a palavra yaka 'branco' de ko-yaka 'pele branca', se referindo (de acordo com Nimuendajú e Martius) a uma tribo de descendentes de holandeses na região de Pindaré, não pode ser Timbira.


 Todas as variantes Timbira parecem concordar com a pronúncia haka para 'branco', o que contradiz a ideia de que os Gamela são descendentes de Timbiras. A única língua do ramo Jê Setentrional que pronúncia a palavra que Nikulin reconstruiu como *jaka são os Kayapó ou Mẽbêngôkre, isso é muito interessante mesmo, os Kayapó mais próximos registrados no século XX foram os do Pará, relativamente mais distante ao oeste.


Seria fácil relacioná-los assim aos Kayapó, mas um argumento de uma anciã desse povo contradiz toda essa informação, pois de acordo com ela, os Gamela são um povo oriental (Eastern), em oposição aos Timbira e Guajajara, cujo ela considerou Orientais (Western). Não vou chutar de quão 'leste' estamos falando aqui, se é um pouco mais ao leste no Parnaíba ou bem mais ao leste, onde os Tokarijú estão (Serra de Ibiapaba).






Autor da matéria: Suã Ari Llusan 


O GAMELA É UMA LÍNGUA MACRO-JÊ MISTA


Passei os últimos dias revisando as minhas teorias sobre o Gamela para ter certeza de suas etimologias, me deparei com correspondências que não havia percebido antes, note aqui que o vocabulário total do Gamela consiste em 19 palavras guardadas pela anciã Maria daquele povo:


tatá 'fogo' < do Tupi

purú 'pênis' < cognato do Xavante puru ‘derramar, jorrar, furar

sebú 'vagina' < do Jê Setentrional *japôc ‘sair.PL’, literalmente ‘(de onde bebês) saem’

katú-brohó 'negro' < talvez cognato do Xavante buru ‘roça’ ?

katú-koyaká 'branco' < do Jê Setentrional *kə ‘pele’ + *jaka ‘branco’

Obs.: katú provavelmente do Jê Setentrional *kato ‘nascer, sair’, se não, cognato do Xerente katu-ze ‘mistura’

múisi 'genro' < cognato do Xavante mrodzé ‘união, casamento’

kokeáto 'pote' < descendente do Jê Setentrional *ŋgôj ‘panela’ + *kato ‘acender, cozinhar’

kutubé 'cabaça' < *kutô ‘cuspir’ + mbê ‘líquido’

tamarána 'porrete' < do Tupi

kasapó 'faca' < *kəc ‘faca’ + *po ‘achatado’

yopopó 'onça' < talvez de composição nativa e cognata do Xavante nhomri ‘dar’ + popo ‘tremor’

kokói 'macaco' < igual ao Timbira

pohoné 'cavalo' < cognato do Xavante pone ‘veado-mateiro’

azutí 'gado' < *acə-ti ‘veado mateiro’

kurëká 'galinha' < *ŋgre ‘ovo’ + kə ‘cantar’

kyoipé 'árvore' < do Jê Setentrional *kô ‘grupo de árvores’ + pĩ ‘madeira’

anéno 'tabaco' < talvez do Jê Cerratense *karên, porém diverge de todos, ponto a ser estudado.

birizu 'pimenta' < do Jê Setentrional *bər-cy ‘pimenta’


 Como é possível notar, a maioria dos vocábulos pode ser explicado como uma derivação de dois grupos do Jê Cerrantense, que são o Jê Central e o Jê Setentrional, isso é perceptível pela forma que as palavras tomam, pois existe uma clara falta de codas (consoantes finais) nas sílabas dessa língua, indicando que, se for um idioma Jê Setentrional, foi fortemente influenciado por outro idioma que possui uma estrutura de sílabas abertas, nesse caso sugiro que fosse um idioma do ramo Akuwẽ que desconhecemos o nome, pois palavras como ‘cavalo’, ‘pênis’, ‘vagina’ e ‘genro’ são muito divergentes daquelas vistas no ramo Setentrional. Concluo que a língua Gamela fosse um idioma de contato, como o território é mais fortemente assentado pelos Timbiras, pode-se especular que estas palavras Akuwẽ são resultado de migrantes desse ramo linguístico se juntando aos Timbiras nativos da região de Viana e Codó, sendo que os de Codó melhor preservam as estruturas prévias da língua, enquanto os de Viana (Curinsi) teriam maior influxo desse grupo Akuwẽ, juntando também com sua proximidade aos Tremembé e Tupis como os Guajajara, Guajá e Urubú, todos cujo parecem também possuir estrutura silábica que tende a ser mais aberta, reforçando a fonologia aplicada pela influência Jê Central.


Fontes: 


Loukotka, 1937, p. 68

Lachnitt, 1987

Nikulin, 2020, p. 477-525 (Apêndice D)




Autor da matéria: Suã Ari Llusan