Manifestações Culturais e Religiosas na Capitania (e depois Província) de Pernambuco no Século XIX: Entre Resistência, Modernização e Tradição Popular
Resumo
O artigo analisa as manifestações culturais e religiosas ocorridas na Capitania (posteriormente Província) de Pernambuco ao longo do século XIX, destacando seu papel como formas de resistência, identidade e adaptação diante das transformações políticas, sociais e econômicas do período. Através de uma abordagem cronológica e descritiva, são apresentados elementos como as irmandades negras, o Maracatu, as festas juninas, os folguedos populares, os cordéis e o sincretismo religioso urbano, ressaltando a permanência de tradições afro-brasileiras e sertanejas mesmo diante da repressão e da modernização. As expressões culturais analisadas revelam a força da oralidade, da música, da fé e da memória coletiva como instrumentos de preservação e contestação simbólica, tornando Pernambuco um celeiro de resistência e criatividade popular no Brasil oitocentista.
Palavras-chave: Cultura popular; Pernambuco; Século XIX; Religiosidade; Tradições afro-brasileiras.
Abstract
This article analyzes the cultural and religious manifestations in the Captaincy (later Province) of Pernambuco throughout the 19th century, emphasizing their role as forms of resistance, identity, and adaptation in the face of the political, social, and economic changes of the period. Through a chronological and descriptive approach, it highlights elements such as Black brotherhoods, Maracatu, June festivals, popular performances, cordel literature, and urban religious syncretism, underscoring the persistence of Afro-Brazilian and hinterland traditions despite repression and modernization. The cultural expressions examined reveal the power of orality, music, faith, and collective memory as tools of symbolic preservation and protest, establishing Pernambuco as a cradle of popular resistance and creativity in 19th-century Brazil.
Keywords: Popular culture; Pernambuco; 19th century; Religiosity; Afro-Brazilian traditions.
Introdução
O século XIX foi um período de intensas transformações na história de Pernambuco e do Brasil. Após a independência de Portugal (1822), a antiga capitania tornou-se província do Império, vivenciando conflitos políticos, lutas populares, abolicionismo, urbanização e a chegada de novas ideias iluministas e republicanas. Ao mesmo tempo, as manifestações culturais e religiosas do povo — sobretudo de origem africana e sertaneja — resistiram e se adaptaram às mudanças, mantendo vivas tradições seculares por meio das festas, folguedos, cantorias e irmandades. Nesse contexto, a cultura popular expressou sentimentos de fé, identidade e contestação. Este texto apresenta, em perspectiva cronológica, os principais aspectos dessas manifestações no século XIX, considerando sua relação com os movimentos sociais e as permanências simbólicas de longa duração.
Desenvolvimento Cronológico e Descritivo
1. A Persistência das Irmandades e o Protagonismo Popular
Mesmo com as mudanças políticas e o aumento da repressão às práticas religiosas afro-brasileiras, as irmandades religiosas negras continuaram ativas ao longo do século XIX. Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, de São Benedito, e de Santa Efigênia foram fundamentais para a organização comunitária da população afrodescendente, especialmente libertos e escravizados. Estas confrarias ofereciam não apenas espaço de culto, mas também apoio social, educação religiosa, e práticas de resistência cultural frente à exclusão. As festas dessas irmandades continuaram marcadas por tambores, danças, ladainhas cantadas e procissões, sempre com forte sentido de afirmação identitária.
2. Os Movimentos Populares e a Religiosidade Contestatória
O século XIX foi palco de revoltas populares e religiosas, como a Revolução Pernambucana de 1817 e a Confederação do Equador de 1824, nas quais a fé cristã, especialmente a dos setores populares, foi mobilizada como linguagem de justiça e resistência. Os sermões, ladainhas e orações muitas vezes traziam mensagens políticas contra a exploração e o autoritarismo. Nas zonas rurais, surgiram também líderes carismáticos populares, como beatos e profetas que misturavam a Bíblia com o sofrimento do povo sertanejo, antecipando movimentos messiânicos do século XX. A religiosidade deixava de ser apenas uma ferramenta de domínio para se tornar espaço de crítica e esperança.
3. O Maracatu e a Reinvenção da Realeza Negra
O Maracatu Nação, que havia surgido no século anterior como extensão das coroações de reis do Congo, foi reconfigurado no século XIX como uma expressão artística de grande impacto cultural no Recife. Apesar da repressão policial e da tentativa de criminalização das práticas afro-brasileiras, o Maracatu resistiu, reinventando seus rituais e simbologias. As nações de maracatu (como Porto Rico, Leão Coroado e Elefante) tornaram-se escolas de tradição oral, com hierarquias próprias, figurinos imponentes e forte ligação com os terreiros de Xangô. A presença de mães-de-santo como lideranças femininas também cresceu nesse período, fortalecendo o papel da mulher negra na religiosidade popular.
4. Festas Juninas, Desafios e Cantorias Sertanejas
Nas zonas do agreste e do sertão pernambucano, as festas juninas floresceram como momentos de grande expressão comunitária. Quadrilhas, forrós, repentes e desafios orais fizeram das festas de São João, São Pedro e Santo Antônio os eventos mais aguardados do ano. A figura do cantador se destacou como cronista popular, unindo poesia, crítica social e espiritualidade. Esses poetas improvisadores eram capazes de dialogar com as multidões em feiras e festas, narrando milagres, tragédias e causos. O cordel, impresso em folhetos simples, passou a circular com mais frequência nas feiras livres, dando forma escrita à tradição oral.
5. A Folia de Reis, o Cavalo-Marinho e os Brincantes
No litoral norte de Pernambuco, principalmente entre Nazaré da Mata e Goiana, desenvolveram-se manifestações como o Cavalo-Marinho, uma mistura de teatro popular, dança, música e crítica social. Esse folguedo natalino se destacava por seus personagens mascarados — Mateus, Catirina, Capitão, Boi, e outros — e sua estrutura de brincadeira dramática. Junto a ele, as Folia de Reis e as Cheganças mantiveram a tradição da dramatização religiosa com músicas, coreografias e desfiles de rua. Essas expressões misturavam elementos medievais ibéricos com ritmos e narrativas africanas, criando um mosaico cultural profundamente enraizado no cotidiano.
6. O Sincretismo Religioso nas Cidades e Terreiros
Com o fim gradual da escravidão (Lei do Ventre Livre em 1871, Lei dos Sexagenários em 1885, Abolição em 1888), muitos negros libertos migraram para áreas urbanas e estabeleceram terreiros de Xangô no Recife e em Olinda. O sincretismo entre santos católicos e orixás se consolidou nas práticas religiosas urbanas, formando uma identidade afro-religiosa plural. O culto a Oxum, Ogum, Iansã e Oxóssi passou a coexistir com a devoção a Nossa Senhora, São Jorge, Santa Bárbara e outros santos. A música, a dança, os toques e os cantos eram instrumentos de comunicação espiritual e preservação da memória ancestral.
Considerações Finais
O século XIX foi um período de encruzilhada histórica, onde os ventos da modernização, da política e da repressão se entrelaçaram com a permanência de tradições profundas enraizadas no imaginário popular. Pernambuco, com sua história marcada por resistência, tornou-se um dos maiores celeiros de manifestações culturais e religiosas do Brasil. Entre folguedos, irmandades, cantorias e festas, o povo preservou sua fé, sua cultura e sua esperança.
A riqueza dessas expressões reside no seu poder de reinventar o sagrado, mantendo viva a ancestralidade mesmo diante das adversidades. A oralidade, o corpo, a dança e o canto foram os meios pelos quais o povo contou sua história, celebrou sua fé e questionou as estruturas sociais. Essas manifestações não apenas sobreviveram ao século XIX — elas o transformaram, dando voz ao invisível e sentido ao cotidiano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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MOURA, Roberto. Tambores de Minas: os Congados e a reinvenção da África no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2006.
Autor: Nhenety KX
Utilizando a ferramenta Gemini ( Google ), inteligência artificial para análise da temática e Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração do trabalho, em 14 de abril de 2025 e a capa do artigo dia 3 de maio de 2025.

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