Manifestações Culturais e Religiosas em Pernambuco no Século XX: Urbanização, Resistência e Reconstrução da Tradição Popular
Introdução
O século XX marcou um período de rápidas transformações sociais, políticas e culturais no Brasil, com reflexos intensos em Pernambuco. A urbanização crescente, a chegada do rádio, da televisão, da indústria fonográfica e a ampliação dos meios de transporte provocaram uma nova dinâmica nas manifestações culturais e religiosas populares. Em meio às tensões entre modernidade e tradição, o povo de Pernambuco reinventou suas práticas simbólicas, ressignificou suas festas, folguedos e cultos, e fortaleceu suas formas de expressão como resistência cultural. Este texto explora, em perspectiva cronológica, como essas manifestações se adaptaram às novas conjunturas ao longo do século XX, preservando raízes ancestrais e dialogando com os ventos da modernidade.
Desenvolvimento Cronológico e Descritivo
1. As Décadas Iniciais (1900–1930): Resistência e Invisibilidade
Nas primeiras décadas do século XX, as manifestações culturais de matriz africana, indígena e popular eram marginalizadas pelo poder público e pela elite urbana. O Estado buscava projetar uma identidade nacional “civilizada”, afastando elementos considerados “atrasados”. Mesmo assim, as festas religiosas populares, como a de São João, Nossa Senhora da Conceição e Reisado, seguiam firmes, especialmente nas comunidades do interior e dos subúrbios.
O Maracatu Nação, por exemplo, sofreu tentativas de criminalização e repressão policial durante os desfiles de carnaval. Mas, mesmo com a perseguição, as nações de maracatu se fortaleceram no Recife, mantiveram sua estrutura hierárquica e resistiram com seus tambores, suas calungas e seus cânticos em iorubá. Terreiros de Xangô mantinham suas práticas com discrição, e as mães e pais de santo tornavam-se figuras respeitadas nas comunidades.
2. As Décadas de 1930–1950: Cultura Popular como Símbolo Nacional
Com o advento do Estado Novo (1937–1945) e a política de valorização da cultura popular como parte da identidade nacional, houve uma mudança ambígua: de um lado, maior visibilidade; de outro, controle estatal. Nesse contexto, o carnaval começou a ser institucionalizado e o frevo se consolidou como símbolo cultural pernambucano.
As orquestras de frevo, os blocos líricos e os clubes de máscaras passaram a desfilar com maior apoio e organização. O frevo-canção, com letras politizadas e espirituosas, ganhou espaço no rádio e nos concursos carnavalescos. Ao mesmo tempo, continuavam vivos os pastoris natalinos, o bumba meu boi, os cavalos-marinhos e os caboclinhos, com forte presença em bairros populares e cidades do interior.
3. Décadas de 1950–1970: Censura, Resistência e Consolidação
Com o avanço da ditadura militar (1964–1985), muitas manifestações culturais e religiosas foram vigiadas ou proibidas, especialmente as que tinham teor crítico ou conotação afro-religiosa. Os terreiros de Xangô, por exemplo, enfrentaram perseguição por parte da polícia e da imprensa. Ainda assim, a religiosidade de matriz africana resistiu e se expandiu, ganhando novos adeptos e ampliando sua rede simbólica.
Nos anos 1960, emergem os movimentos de cultura popular impulsionados por intelectuais, artistas e educadores, como o Movimento de Cultura Popular (MCP), que visava valorizar o saber do povo nordestino. Os cordelistas, cantadores e mestres da tradição oral passaram a ser reconhecidos como guardiões da memória. As festas de rua, como o carnaval de Olinda e os arraiais juninos, tornaram-se palcos de crítica social por meio de alegorias e sátiras.
4. Décadas de 1980–1990: Reconhecimento e Patrimonialização
A redemocratização do Brasil após 1985 trouxe novo fôlego à cultura popular. Os maracatus, blocos afro, caboclinhos e afoxés passaram a ser reconhecidos como patrimônio cultural. As prefeituras criaram secretarias e políticas de apoio a festas tradicionais, e surgiram festivais de cultura popular.
No campo religioso, os terreiros de candomblé e Xangô se tornaram mais visíveis, com celebrações públicas e maior integração com os movimentos negros e feministas. O sincretismo com o catolicismo se manteve, mas também houve afirmação autônoma dos orixás e entidades espirituais africanas. O Movimento Negro Unificado (MNU) contribuiu para valorizar os saberes religiosos e as expressões estéticas afrodescendentes.
Em paralelo, o Movimento Armorial, liderado por Ariano Suassuna, buscou resgatar as raízes culturais do povo nordestino por meio da música, do teatro e da literatura, integrando elementos do cordel, da música de rabeca, das xilogravuras e das danças populares.
5. Final do Século (1990–2000): Cultura Popular e Globalização
Nas últimas décadas do século XX, a globalização e os meios de comunicação impactaram profundamente as expressões culturais. O acesso ao rádio, à TV e à internet modificou o modo como as manifestações tradicionais se difundiam. Muitas festas populares passaram a ser transmitidas nacionalmente, como o carnaval do Recife e de Olinda, os festejos de Caruaru e o Festival de Inverno de Garanhuns.
O frevo foi finalmente reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco (e depois do Brasil), e novas gerações passaram a se interessar pela dança, música e história dos folguedos tradicionais. A produção de CDs, DVDs e livros sobre cultura popular cresceu, bem como a valorização dos mestres e mestras da tradição oral como patrimônio vivo.
Ao mesmo tempo, os desafios da mercantilização das festas e a descaracterização de rituais sagrados exigiram ações de resistência e conscientização por parte das comunidades e lideranças culturais.
Considerações Finais
O século XX representou, para Pernambuco, o palco de disputas simbólicas e reconciliações entre tradição e modernidade, entre repressão e resistência, entre folclore e cultura viva. As manifestações culturais e religiosas que brotaram do povo — negras, indígenas, sertanejas e urbanas — foram constantemente atacadas, mas também reinventadas com criatividade e sabedoria.
O povo pernambucano não apenas preservou suas tradições: ele resignificou seus símbolos, adaptou suas práticas, construiu novos sentidos e afirmou sua identidade cultural em meio às mudanças do mundo moderno. Ao longo do século, essas manifestações deixaram de ser “coisa de pobre ou de matuto” e passaram a ocupar espaços de protagonismo na memória e no orgulho coletivo.
Manifestações como o maracatu, o cavalo-marinho, o frevo, os reisados, o coco de roda, o cordel, os terreiros e os cânticos juninos continuam ecoando as vozes dos antepassados e alimentando a esperança de novas gerações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALCÂNTARA, Francisco de. Festa, fé e tradição: cultura popular no Brasil. Recife: Ed. Universitária, 1999.
ARAÚJO, Heloísa Maria. Xangô de Recife: memória, identidade e resistência. Recife: Bagaço, 2004.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 1984.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global Editora, 2001.
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: Record, 2004.
OLIVEIRA, Natália. Maracatu nação: cultura negra e resistência no Recife. Recife: CEPE, 2005.
SUASSUNA, Ariano. O movimento armorial. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997.
Autor: Nhenety KX
Utilizando a ferramenta Gemini ( Google ), inteligência artificial para análise da temática e Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração do trabalho, em 14 de abril de 2025 e a capa do artigo dia 3 de maio de 2025.

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