segunda-feira, 12 de maio de 2025

NAMBÚ - A Ave Protegida da Caipora

 





Era tempo de escassez na aldeia. As matas já não eram como antes, tomadas agora por plantações de cana e pelo gado dos brancos. Os bichos da floresta andavam raros, e o silêncio das árvores parecia carregar uma tristeza ancestral. O índio Kirino, sentindo o peso da necessidade, decidiu partir em busca de caça.


Mas, em vez do velho arco e flecha, companheiro dos tempos antigos, levou consigo uma espingarda — arma barulhenta, de cheiro forte, mas eficaz, aprendida com o branco invasor. Kirino sabia que aquilo desagrava os espíritos da mata, mas a fome não lhe deixava escolha.


Ao adentrar a floresta, caminhou até um pequeno poço d’água, onde os animais silvestres costumavam aparecer. Acomodou-se na espreita, escondido entre as folhas, os olhos atentos.


Foi quando surgiu uma nambú — ave pequena, de andar sereno, que se aproximou calmamente da água. Kirino, com os olhos fixos, ergueu a espingarda e atirou. Mas a ave nada sofreu. Espantado, ele recarregou a arma e atirou outra vez. Nada. A nambú apenas bateu as asas suavemente, como a zombar de sua tentativa. Uma terceira vez tentou, e de novo, a ave saiu ilesa, serena, intocada pelo chumbo.


Com o coração apertado e os olhos arregalados, Kirino sentiu um arrepio subir pela espinha. Nunca, em toda sua vida, havia visto algo assim. Abandonou a tocaia e voltou à aldeia sem nada trazer. Ali, reunido com os anciãos, contou o que presenciara.


O Cacique Otávio Nidé ouviu com atenção e, após breve silêncio, falou:


— Kirino, meu irmão, não foi uma ave qualquer que você encontrou. A Caipora, protetora da floresta e das caças, tomou a forma da nambú para te dar um aviso. A espingarda é arma do branco, e perturba a harmonia da mata. O barulho assusta os espíritos, e a floresta se entristece.


O Cacique continuou, com voz firme e serena:


— Se queremos caçar para alimentar nosso povo, devemos primeiro pedir licença à Caipora. E contar que estamos com necessidade. Só assim, com respeito, ela talvez aceite nossa súplica. Mas jamais devemos esquecer: somos filhos da floresta, e não devemos virar contra ela as armas que nos foram impostas.


Desde esse dia, Kirino guardou sua espingarda. Voltou ao arco e flecha, e, antes de qualquer caçada, deixava oferenda e palavra à Caipora, lembrando que a floresta vive, sente e protege.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





Nenhum comentário: