Sinopse – PINDAÍBA – O Cacique Pescador – Parte II
Na calmaria sagrada do rio Opará, o velho cacique Pindaíba transmite a seu neto Gararu a sabedoria ancestral dos Aramurú e dos Xocó. Com um anzol pequeno e palavras cheias de verdade, ele ensina que pescar é mais do que tirar peixes do rio — é ouvir as águas, respeitar a medida e viver em equilíbrio com a Mãe Natureza. Uma história de escuta, herança e resistência, onde o silêncio revela mais do que o barulho do mundo.
O nome Aramurú significa o Povo de Deus dos Trovões. Nas margens serenas do Opará, o rio sagrado que banha o coração dos Aramurus, o velho cacique Pindaíba repousava à sombra de um juazeiro. O tempo não o curvava. Seus cabelos brancos contavam histórias que o vento conhecia, e os peixes do rio pareciam respeitar o som da sua canoa deslizando mansa.
Seu neto, Gararu, já começava a entender o valor do silêncio e da escuta. O nome Gararu na tradição Tupi significa "garça vermelha escura". Mas naquele dia, não resistiu à pergunta que fervia em seu peito:
— Vô Pindaíba, por que os brancos zombam do sinhô? Dizem que Pindaíba é nome de quem não tem nada...
O velho pescador assentiu com calma e sorriu, como quem espera a hora certa de jogar a isca.
— Eles zombam porque não sabem ouvir a língua do rio, nem a verdade dos nomes. Pindaíba, meu neto, é o anzol pequeno. E por que pequeno? Porque só assim a gente pesca o que precisa. Nem mais, nem menos. O anzol grande fere o peixe e a alma do rio.
— Então... o sinhô escolheu esse nome?
— Não escolhi. O nome veio com o tempo, com o modo de viver. Ser Pindaíba é andar em equilíbrio com a Mãe Natureza. A gente não acumula peixe, nem riqueza. Acumulamos histórias, lembranças e respeito. Os colonizadores chegaram com outra ideia: que tudo era mercadoria. Mas nós, Aramurus, aprendemos com os encantos, com os pajés, com os peixes. O que sobra, apodrece. O que é demais, mata.
Gararu abaixou os olhos, pensativo.
— Mas por que eles mandam se a terra era nossa?
Pindaíba colocou a mão sobre o ombro do neto, firme como um tronco de gameleira.
— Porque esqueceram de ouvir. E quem não escuta a voz do rio, perde a alma no barulho do ouro. Eles não veem que o rio Opará tem suas leis. Quem fere a água, fere o espírito. Por isso nós contamos, cantamos e pescamos com anzol pequeno. Para não ferir o tempo.
O velho cacique então tirou de uma pequena bolsa um objeto envolto em palha. Era o anzol de tucum que herdara do avô, feito com cuidado e segredo. Entregou a Gararu com reverência:
— Cuide dele. Esse anzol já pescou pacus, piabas, e até sonhos. Mas mais que peixe, ele ensina a paciência. Você está crescendo, meu neto. E quando chegar a hora, vai conhecer o segredo das Águas Ancestrais. Mas antes, precisa aprender o silêncio.
Gararu segurou o anzol com cuidado, como se carregasse um pedaço do rio.
E naquela tarde, à sombra do juazeiro, o menino lançou a isca no Opará — não para mostrar força, mas para ouvir o que as águas tinham a dizer.
O cacique sorriu. Sabia que uma nova história estava por vir. Gararu estava pronto para aprender com os encantos da tradição, para sonhar com os Espíritos do Peixe, e para enfrentar um mundo na sabedoria dos nomes.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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