segunda-feira, 12 de maio de 2025

PINDAÍBA - O Cacique Pescador





 Conto inspirado na memória dos Aramurus e dos Xocós



“Mesmo que o anzol fosse pequeno, a coragem do pescador era imensa.”


O sol mal nascia sobre as águas calmas do Velho Chico quando Pindaíba, com seus cabelos trançados e o olhar firme de quem carrega gerações, lançava seu pequeno anzol à beira da ilha. Chamavam-no de "anzol pequeno", e esse era seu nome de guerra e sabedoria: Pindaíba.


Líder dos Aramurus, seu povo habitava as cercanias da Ilha de São Pedro, onde a brisa quente misturava o cheiro de peixe fresco e folhas secas da Caatinga. A terra era dura, coberta de espinhos, mas fértil em histórias, cantos e rituais.


Os tempos eram sombrios. No litoral, os portugueses avançavam com sua cruz em uma mão e a espada na outra. Tribos inteiras desapareciam, massacradas ou dispersas. Os Aramurus sabiam que o tempo dos ventos livres estava se esgotando.


Foi então que Pindaíba, em um gesto de coragem e sacrifício, procurou os padres da missão. Não por submissão, mas por sobrevivência. Sabia que os bandeirantes viriam, e que a evangelização, ainda que dura, oferecia uma chance de manter seu povo vivo. Na Missão de São Pedro, ergueram-se uma igreja, um convento e um cemitério — marcos da nova ordem.


Mas a cruz também feria. O nome de Pindaíba foi motivo de riso entre os religiosos, que o transformaram em sinônimo de miséria. Ridicularizavam o cacique, tentando quebrar seu espírito, podar suas raízes, domesticar sua essência. Era uma estratégia velada: desfazer o que era sagrado para reconstruir à imagem deles.


Sob vigilância, os Aramurus tiveram que esconder seus cantos e danças, suas folhas e encantamentos. Porém, dentro de cada oca, no calor das noites, as mães sussurravam aos filhos as palavras antigas, e os velhos batiam o pé no chão ao ritmo dos tambores do passado.


Anos depois, chegaram os Xocós, vindos de Pão de Açúcar, do outro lado do rio. No começo, houve desconfiança, até mesmo conflito. Mas a dor os unia. A fusão foi inevitável. A igreja aplaudiu — pensava que assim controlaria melhor os corpos. Mal sabiam que os espíritos dos Aramurus e dos Xocós haviam se entrelaçado, como raízes firmes sob a terra, renascendo mais fortes.


Hoje, o nome de Pindaíba ainda ecoa pelas margens do São Francisco. Não mais como zombaria, mas como símbolo de resistência. Ele foi o último cacique selvagem, e também o primeiro a garantir a continuidade de seu povo no silêncio da luta.


E mesmo que o anzol fosse pequeno, a coragem do pescador era imensa.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



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