Uma Fábula dos Troncos Antepassados
Era uma vez, no coração verde da floresta encantada, três sementes de esperança que andavam, brincavam e sonhavam como crianças. Uma delas era Uanie, de pele cor da terra e olhos que refletiam o rio. A outra era Caraí, branca como a flor do algodão. E a terceira era Iró, com os cabelos em caracol e a força do tambor no peito.
Certo dia, as três se encontraram sob a sombra de uma grande árvore e começaram a conversar sobre suas origens. Uanie apontou para o céu e disse:
— Meus ancestrais vivem no jequitibá, árvore frondosa e sábia, que escuta o tempo e fala com o vento. Suas raízes bebem a alma da terra.
Caraí sorriu e respondeu:
— Meus troncos vêm de terras além-mar, onde cresce o carvalho, firme e resistente, que guarda os segredos dos trovões.
Iró, com orgulho, bateu no peito e falou:
— O meu povo nasceu onde dança o sol, debaixo do baobá, o gigante da savana. Seus galhos abraçam histórias que atravessam desertos.
As três olharam uma para a outra, compreendendo que suas árvores eram diferentes, mas todas profundas em raiz, antigas de tronco e generosas de galhos — como famílias que crescem de um mesmo solo.
De repente, desceu dos céus um papagaio de penas verdes, amarelas e azuis, chamado Krêre. Ele trazia consigo mais uma criança: o Caboclinho, que tinha os olhos da floresta, os pés do sertão, o sangue de todos.
Krêre pousou num galho e falou com voz alegre:
— Este aqui é o Beworobé, o filho da mistura sagrada. Ele carrega em si o jequitibá, o carvalho e o baobá. É ele que floresceu da união de vocês e de tantos outros. É o que chamam de povo brasileiro.
As crianças sorriram, deram-se as mãos e dançaram em volta das árvores. E o papagaio, com as cores do céu da pátria, alçou voo como quem leva ao alto a mensagem dos deuses:
Nossas raízes podem ser diferentes, mas é o mesmo vento que balança os galhos.
E desde então, na floresta encantada e nos corações atentos, ecoa a lição:
Quem respeita o tronco dos outros fortalece a floresta do amanhã.
Fim.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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