segunda-feira, 28 de julho de 2025

DIMÉCRO KAPLAN, O Senhor da Pedra






Uma Fábula do Kaplan o Jabuti 


Em tempos antigos, quando os ventos ainda cantavam o nascimento das montanhas e os rios falavam com as árvores, a Terra chamada Radda era habitada por muitos seres vivos — os ba — que dançavam a canção da vida sob o sol do Brasil.


Entre todos os animais, havia um que caminhava devagar, mas com o coração cheio de histórias: o Jabuti, conhecido entre os Kariri do Sertão como Kaplan. Sua carapaça era como uma pedra antiga e sagrada, marcada pelos caminhos do tempo. Kaplan era velho, muito velho — e todos os animais o respeitavam por sua sabedoria.


Um dia, uma criança curiosa — um Inghé — se aproximou dele à beira do rio, onde o sol aquecia suavemente as pedras. Sentou-se perto do velho Kaplan e perguntou:


— Kaplan, como você vive há tanto tempo nesta floresta?


O Jabuti olhou com olhos lentos e profundos, e respondeu:


— Ora, Inghé... vivo tanto porque tenho memória. Tenho Samy.


A criança inclinou a cabeça, intrigada:


— Memória? Como assim?


Kaplan sorriu com serenidade:


— Ter memória, meu pequeno, é andar no ritmo da vida. É seguir devagar, como o tempo da terra. É ouvir os passos dos outros seres e sentir o vento antes que ele sopre. É aprender a se adaptar, a fugir do perigo — e a fazer amigos entre árvores, águas e pedras. É respeitar o caminho.


O Inghé abriu um sorriso:


— Que bonito, Kaplan! Então você conhece cada pedaço do mundo?


— Sim... — disse o Jabuti com orgulho. — Conheço os Keríá, os animais da mata. Os Ieendeá, os pássaros do céu. Os Wãmyá, peixes dos rios. E até os Cró, as pedras que dormem em silêncio. Eles me chamam de Dimécro, o Senhor da Pedra.


Os olhos do Inghé brilharam de encanto:


— Gratidão, velho Kaplan... Dimécro. Que conselho o Senhor me dá?


Kaplan pousou uma pata sobre o chão e disse com voz firme e terna:


— Ande no seu ritmo, criança. Assim você aprenderá a viver.


E assim, o Inghé seguiu seu caminho mais devagar, aprendendo a escutar a floresta com os ouvidos da alma, e a caminhar como fazem os sábios: com Samy, a memória que conecta todos os seres da vida.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




📜CORDEL: DIMÉCRO KAPLAN, O Senhor da Pedra





Em tempos de sol nascente,

Onde os ventos tinham voz,

A Terra era reluzente

Com seus bichos e seus pós.

Radda era o nome sagrado,

Um chão vivo, encantado.


Viviam os seres “ba”,

Na floresta e no sertão,

Cada qual na sua cá,

Com respeito e conexão.

E o mais velho da jornada

Era o Kaplan, pé de estrada.


Era um Jabuti sagrado,

Com a carapaça de chão,

Caminhava sossegado

Com história no coração.

Era lento, era ancião,

Mas guardava a tradição.


Certo dia um “Inghé” curioso,

Uma criança a perguntar,

Chegou com olhar garboso

Querendo se orientar:

— Kaplan, qual o segredo

Do teu tempo tão sem medo?


Kaplan disse com ternura:

— Vivo tanto por saber.

Tenho “Samy”, a estrutura

Da memória do viver.

Ando lento, mas atento,

Vejo o mundo num só tempo.


— Como assim? — disse o menino.

E o velho explicou com calma:

— No silêncio tem destino,

Na lembrança vive a alma.

Cada passo em sintonia

Faz brotar sabedoria.


— Conheço bicho e madeira,

Pássaro e peixe no rio.

Keríá da ribanceira,

Ieendeá que canta frio.

Wãmyá das correntezas

E Cró, as pedras acesas.


As pedras me dão respeito,

Me chamam Dimécro então.

Carrego em mim o conceito

Do tempo da criação.

O Senhor da Pedra sou,

Na memória que ficou.


O Inghé, emocionado,

Disse: — O que me aconselhas?

Kaplan, com olhar sagrado,

Disse: — Que tu nunca te espelhas

No correr sem direção…

Vá no teu tempo, irmão.


Assim o Inghé seguiu

Seu caminho, passo a passo,

Ouvindo o que o vento riu

E entendendo o velho traço.

Aprendeu com Dimécro

Que viver é ser concreto.


E até hoje a floresta,

Quando o sol beija o chão,

Sussurra em brisa modesta

A canção da conexão:

— Lembre sempre de Samy...

E ande com o coração.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






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