domingo, 6 de julho de 2025

CRAIWOPEWA, A Caixa Roda e Mostra Imagem







Um conto sobre o DVD



Na aldeia Kariri-Xocó, quando o sol se deitava lentamente sobre o Rio São Francisco e o céu tingia-se com as cores ancestrais do crepúsculo, um novo som passou a ecoar entre as ocas e casas: o som de uma pequena caixa que rodava e mostrava imagens. CRAIWOPEWA, assim passou a ser chamada.


Muito antes dela, os cantos do Toré ecoavam livres pelos terreiros, pelas memórias e pelas vozes dos mais velhos. O tempo corria, e os aparelhos do mundo dos brancos evoluíam como o voo de uma andorinha veloz. Primeiro veio o CD — aquele disco prateado que trazia músicas nascidas do vento elétrico. Depois, como quem atravessa oceanos e nuvens digitais, chegou o DVD: Digital Versatile Disc, a caixa mágica que mostrava som e imagem ao mesmo tempo.


No Brasil, esse artefato chegou em 1997, carregando filmes, músicas e lembranças digitais. Em pouco tempo, as casas indígenas já conheciam a nova tecnologia. Lá na aldeia Kariri-Xocó, no ano 2000, muitas famílias já ligavam seus aparelhos à televisão para assistir filmes e ouvir canções do mundo de fora. Mas havia algo maior a ser feito.


Foi em 2008, quando a ONG Thydêwá caminhava novamente junto com os filhos da aldeia, que surgiu uma ideia sagrada. Sebastian, com seus olhos atentos, e Nhenety, guerreiro da palavra e do tempo, que já haviam registrado o CD Toré Som Sagrado, decidiram guardar em imagem o som dos encantos: nasceu o projeto Kariri-Xocó Canta Toré, agora em DVD.


O CRAIWOPEWA não era apenas uma caixa qualquer. Ele podia carregar a memória dos ancestrais, os cantos que curam, os passos do Toré, os toques do maracá. Nas mãos dos jovens e velhos, a tecnologia se tornava um espelho da alma indígena.


E no ano de 2017, quando os jovens começaram a perguntar no grupo de WhatsApp OKAX — Origens Kariri-Xocó — criado por Nhenety para estudar e reviver a língua ancestral, surgiu uma nova necessidade: nomear as coisas do mundo moderno em Kariri. Assim nasceu o nome do DVD: CRAIWOPEWA – A Caixa Roda e Mostra Imagem.


"Cramenu" era a caixa.

"Iworó" era a roda.

"Pemi", o verbo mostrar.

E "Waruá", a imagem.


A língua ancestral estendia seus galhos sobre a árvore do futuro, e os frutos eram palavras novas, mas cheias de sentido antigo. O CRAIWOPEWA passou a habitar o vocabulário dos jovens, com o mesmo respeito que habitava suas prateleiras.


Na aldeia Kariri-Xocó, não havia separação entre o ontem e o amanhã. A tecnologia, quando guiada com sabedoria, servia como ponte entre mundos — o visível e o invisível, o antigo e o novo.


Hoje, tanto o CD quanto o DVD com os cantos sagrados podem ser encontrados na internet. Mas ali, na aldeia, quando a caixa gira e mostra imagem, não é apenas um aparelho. É a própria memória viva dos ancestrais, cantando para o futuro.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






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