A Fábula do Guaxinim e a Moça
Na vasta floresta, havia alimento para todos: frutas suculentas, raízes saborosas, rios cheios de peixes e abrigo seguro. Animais e plantas viviam em harmonia, cada qual cumprindo seu papel no ciclo da vida.
Mas um dia, o homem chegou, trazendo consigo a destruição. Árvores tombaram, rios secaram, e muitos animais perderam seu lar. A fome e o perigo espreitavam. Muitos não resistiram... mas havia um que se destacou: o Guaxinim Duboheríba, conhecido pela astúcia e incrível capacidade de adaptação.
Na aldeia, os indígenas guardavam seus alimentos com cuidado: peixe cozido em panelas de barro tampadas, mel em cabaças, frutas sobre as paredes de taipa. Certa noite, na casa de palha e barro chamada “erá”, uma jovem chamada Namara descansava em sua rede.
De repente, ouviu um barulho vindo da cozinha.
— Quem estará mexendo nas coisas a esta hora? — pensou.
Silenciosa, levantou-se e seguiu até lá. Ao acender a pequena lamparina, surpreendeu-se: era Duboheríba, o Guaxinim, saboreando o peixe cozido que estava escondido numa panela de barro, dentro de outro vasilhame, guardado num balaio chamado “bará”.
Namara, intrigada, disse:
— Ah, então é você! Agora acredito que és mesmo um mestre da sobrevivência. Outro animal não teria a inteligência de destampar uma panela assim.
O Guaxinim, limpando o focinho, respondeu:
— Diante da destruição da floresta, aprendi a sobreviver cobrando uma “taxa” de alimentos pelos impactos ambientais.
Namara caiu na gargalhada:
— Pode ir embora, Duboheríba. Sua taxa já está paga. Mas lembre-se: foram os Caraí — os brancos — que destruíram as florestas. Nós, indígenas, não!
E o Guaxinim partiu, com o olhar esperto e o estômago cheio, deixando para trás a lição de que, mesmo nas maiores dificuldades, a inteligência é a chave para sobreviver.
Moral: Quando a natureza é ferida, até os mais astutos precisam mudar para sobreviver. Mas nunca esqueça quem realmente causou o dano.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
VERSÃO EM CORDEL: GUAXINIM DUBOHERÍBA, O Mestre da Sobrevivência
Na floresta abençoada
Tinha fruto e tinha pão,
Peixe farto na água clara
E abrigo em cada chão.
Mas um dia o homem veio
E espalhou a destruição.
Árvore velha tombada,
Rio seco, chão sem cor,
Bicho indo embora triste
Pra fugir do caçador.
Mas um Guaxinim valente
Mostrou ser bom lutador.
Chamava-se Duboheríba,
Astuto como ninguém,
Não tinha medo da noite
Nem do passo que vem.
Se havia comida guardada,
Ele abria também.
Na aldeia dos parentes
O costume era guardar
Peixe cozido na panela
E fruta pra se salvar,
O mel na cabaça doce
E tudo no alto, no ar.
Numa noite bem serena
Namara ouviu barulho,
Levantou da rede leve
Pisando sem fazer arrulho,
E viu o mestre ladino
No meio do seu embrulho.
O bicho roía contente
O peixe da refeição,
Abrira tampa de barro
Com extrema precisão.
Namara então lhe falou:
— Tu és mestre, meu irmão!
E o Guaxinim respondeu
Lambendo o beiço devagar:
— Cobro taxa de comida
Pra poder me alimentar.
Foi o homem que estragou
O meu lar, o meu lugar.
Namara caiu na risada
E logo lhe advertiu:
— Vai embora, Duboheríba,
Teu imposto já sumiu!
Mas saiba que foi o branco
Quem a mata destruiu!
E o bicho partiu ligeiro
Com o olhar de vencedor,
Levando no peito a prova
Do que é ser sobrevivente,
Mostrando que a inteligência
Vale mais que o simples vigor.
Moral: Quando a vida aperta, a astúcia abre caminho, mas nunca esqueça quem destruiu o ninho.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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