A Fábula do Jumento Sofredor
Abertura cerimonial
Escutai… escutai, filhos e filhas da terra e do vento…
A história que chega até vossos ouvidos veio pelo sopro dos antigos…
É a história de IgaboinéƝye Bihunu,
o pequeno cavalo de orelhas grandes,
o que conheceu o peso,
o que conheceu a dor,
e que um dia conheceu também… a libertação.
Início da narrativa
Nas margens do grande rio Opará vivia Tupiná, homem de braço forte e coração endurecido.
Ao seu lado, todos os dias, caminhava IgaboinéƝye, o jumento.
Não caminhava por vontade própria… caminhava porque era puxado, empurrado, carregado de peso.
E quando não andava rápido… a mão de Tupiná caía pesada sobre ele.
O sol queimava, a poeira subia, e IgaboinéƝye andava…
Andava…
Andava…
E cada passo parecia mais pesado que o anterior.
A intervenção
Um dia, pelo mesmo caminho, vinha Arami, moça de passos leves e olhar de rio manso.
Ela parou. Olhou o jumento. Viu a respiração cansada, viu as marcas no pelo.
Aproximou-se.
Passou a mão sobre sua testa quente.
— Por que maltrata teu companheiro? — perguntou.
— Companheiro? — disse Tupiná. — Este bicho é carga, não amizade.
Arami sorriu triste e respondeu:
— Sabes quem é este animal que chamas de carga?
Entre todos os animais, foi o jumento que carregou Maria, José e o menino Jesus, fugindo para o Egito.
Silencioso, paciente, caminhou noite e dia para salvar a vida sagrada.
A revelação sagrada
Arami ergueu o rosto e falou como quem repete palavras de muito tempo atrás:
— Minha avó Kairá me ensinou: todo jumento carrega o sangue daquele que salvou o menino.
Quem levanta a mão contra ele… levanta a mão contra a bondade que Deus deixou no mundo.
O vento parou.
O caminho ficou em silêncio.
Tupiná olhou para IgaboinéƝye… e IgaboinéƝye olhou para Tupiná.
Não havia raiva. Não havia acusação.
Só havia olhos grandes… e serenos.
A transformação
Então algo se quebrou dentro de Tupiná — não era raiva… era vergonha.
Abaixou-se, tocou a cabeça do jumento e disse:
— Perdoa-me, pequeno irmão.
De hoje em diante, nunca mais serás meu escravo… serás meu companheiro.
E assim foi.
E assim ficou.
Encerramento cerimonial
Dizem que desde aquele dia, IgaboinéƝye caminhava leve.
Dizem que desde aquele dia, Tupiná aprendeu a carregar mais no coração e menos no lombo do jumento.
E eu digo: quem respeita a vida sagrada em todas as criaturas,
carrega dentro de si a paz que liberta.
Eu falei… os ventos ouviram… a terra guardou…
E agora esta história é vossa também.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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