A Fábula do Amor e da Ira
Abertura poética
“Atenção, ouçam o que vem dos ventos…
Os espíritos antigos sopram suas lembranças.
Das águas nasce a memória,
da terra brota a palavra,
e no fogo vive a sabedoria.
Reúnam-se, crianças, jovens e anciãos,
porque hoje vou contar sobre duas pedras
que guardam a força do coração humano.
Uma é clara como o amanhecer,
outra é escura como a noite fechada.
São as Pedras do Amor e da Ira…
E esta é a história de como elas chegaram até nós.”
Dizem os mais velhos que, no começo dos tempos, quando o povo ainda aprendia a viver junto, havia dois sentimentos que moravam nos corações: o Uká (Amor) e o Mene (Ira).
Certa noite, o Pajé Bidzamu sonhou. No warakidzã, ele viu duas pedras sagradas: uma clara e quente como o sol, chamada Krouká, a Pedra do Amor; e outra escura e pesada como tempestade, chamada Kromene, a Pedra da Ira.
Ao amanhecer, chamou todo o povo:
— Escutem! — disse o Pajé. — Vi em sonho duas pedras poderosas. Quem tocar a Pedra do Amor deixará nela sua energia boa. Quem tocar a Pedra da Ira poderá libertar sua raiva, e as águas a levarão embora.
Os anciãos se entreolharam e falaram:
— Se é assim, vamos encontrá-las!
No mesmo dia, entraram na retsé (floresta). E não demorou para que, sorrindo e cantando, acharam a Krouká.
— Vejam como ela brilha! — disse uma anciã. — Nosso Amor nos guiou até ela.
No dia seguinte, foram procurar a Kromene. Andaram muito, e nada encontraram. Até que o calor, o cansaço e a frustração começaram a ferver nos corações. Um dos anciãos resmungou:
— Isto é perda de tempo!
Nesse instante, diante deles, surgiu uma pedra negra e fria.
— É ela… — murmurou o Pajé. — A Kromene aparece quando a Ira está em nossos corações.
De volta à aldeia, o Pajé colocou a Krouká no centro, para que todos pudessem tocá-la quando sentissem Amor. A Kromene, deixou na margem do rio.
— Se a Ira vier, toquem esta pedra e deixem que a corrente leve embora o peso do coração — ensinou.
Desde então, as brigas cessaram. O povo aprendeu que o Amor une, e que até a raiva pode seguir seu caminho, se soubermos entregá-la à correnteza.
Moral: O Amor constrói pontes, a Ira levanta muros. Cabe a nós decidir o que erguer.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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