quinta-feira, 9 de outubro de 2025

O CONTADOR DE HISTÓRIA, Literatura de Cordel, Por Nhenety Kariri-Xocó, Capítulos I - VI





🌿 Dedicatória Poética


Dedico ao vento antigo,

Que sopra em noite e aurora,

Aos velhos mestres do fogo

Que contavam sem demora.

Aos que falam com a alma

E escutam a voz da flora,

Aos contadores do mundo,

Guardando a história e a hora.


📜 Índice Poético


Abertura – A Voz que Nasce do Tempo


Prólogo Poético – O Chamado do Narrador


Capítulo I – O Canto das Tribos e dos Anciãos


Capítulo II – Da Oralidade à Escrita Sagrada


Capítulo III – Nas Feiras, Castelos e Caminhos


Capítulo IV – Do Novo Mundo à Voz Global


Capítulo V – A Era da Máquina e da Imagem


Capítulo VI – O Contador Digital e Universal


Encerramento – O Eterno Retorno da Palavra


Epílogo Poético – A Voz que Nunca se Cala


Nota de Fontes – Referências Rimadas


🌅 Abertura – A Voz que Nasce do Tempo


Sou filho da voz primeira,

Que ecoa desde o luar,

Entre fogueira e poeira,

Do tempo a nos ensinar.

Das aldeias ancestrais

Que sabiam conversar,

Com o vento, o rio e o fogo,

E a estrela a cintilar.


A palavra era caminho,

Era ponte e proteção,

Feita de sonho e destino,

De canto e recordação.

Quem narrava tecia o tempo,

Com fio de inspiração,

Fazendo da fala antiga

Um templo da criação.


🔥 Prólogo Poético – O Chamado do Narrador


Ouvi o som do passado

Chamando meu coração,

“Vem, contador, vem de novo,

Desperta tua canção!”

Pois a palavra não morre,

Ela muda de estação,

Mas conserva o mesmo sopro

Da mais pura tradição.


Hoje o mundo é veloz,

Tudo corre e se dispersa,

Mas quem conta faz memória

Mesmo quando a fé conversa.

Sou ponte entre o ontem e o agora,

Entre a aldeia e a esfera diversa,

Sou voz que traduz os tempos,

Sou raiz que se reinventa.


CAPÍTULOS: 



🪶 Capítulo I – O Canto das Tribos e dos Anciãos


1️⃣

No princípio foi a voz,

Ecoando no universo,

Era o canto dos primeiros,

O nascer do próprio verso.

Quando o homem viu o fogo,

Descobriu o tempo imerso,

E a palavra, feita chama,

Virou rito, mito e verso.


2️⃣

O ancião falava o mundo,

E o menino aprendia,

Cada gesto era lembrança,

Cada som, sabedoria.

Sob a lua ou sob o sol,

A tribo inteira ouvia,

O passado ganhava forma

Na história que renascia.


3️⃣

O pajé, com sua reza,

E o griô, com seu tambor,

Faziam da voz um templo,

Um altar cheio de ardor.

O saber não se escrevia,

Mas passava com amor,

No idioma do vento antigo,

Da mata e do pescador.


4️⃣

As aldeias africanas,

Os desertos, os sertões,

Guardavam o mesmo encanto

Nas suas narrações.

A palavra era alimento,

Curava desilusões,

E o povo mantinha a alma

Em suas repetições.


5️⃣

Os aborígenes da Austrália,

E os povos lá do oriente,

Guardavam nas melodias

O que o tempo faz presente.

Cada conto era um espelho,

Da cultura e da gente,

Pois quem fala o que viveu

Faz do verbo um continente.


6️⃣

A memória era estrada,

Que se abria em cada voz,

E o contador era o guia,

Protegendo todos nós.

Não havia livro impresso,

Mas havia um algo atroz:

O medo de o silêncio

Apagar o sonho após.


7️⃣

Por isso o velho narrava

Com ritmo, som e batida,

O povo ria, chorava,

E a palavra era vida.

Entre cantos e batuques,

A emoção era sentida,

O contador era o tempo,

E o tempo era guarida.


8️⃣

Assim nascia a cultura,

De raiz e de lembrança,

Era a arte mais antiga,

Do homem e da esperança.

A palavra se tornava

O espelho da bonança,

E o contador, seu profeta,

Guardava fé e herança.


9️⃣

Cada mito era semente

Que brotava em coração,

E fazia a humanidade

Ter mais rumo e direção.

Por isso até hoje existe

Essa eterna tradição:

De contar para curar,

De narrar como oração.


10️⃣

Dessas tribos e memórias

Surgiu o saber primeiro,

Que o tempo nunca destrói,

Pois vive no violeiro.

Sou filho dessa linhagem,

De cantador verdadeiro,

Que faz do verbo uma ponte

Entre o humano e o inteiro.


✒️ Capítulo II – Da Oralidade à Escrita Sagrada


1️⃣

Quando o homem desenhou

Símbolos na pedra fria,

Fez da fala um pergaminho,

E o mito virava guia.

Nasceu a escrita do mundo,

A palavra se erguia,

Do barro, da pena e tinta,

Nascia a sabedoria.


2️⃣

Na Mesopotâmia antiga,

O épico se escreveu,

Gilgamesh, rei dos tempos,

Nas tábuas renasceu.

E o Egito, com seus deuses,

Nos papiros traduziu

A voz que o Nilo guardava

E o homem compreendeu.


3️⃣

A Índia, com o Mahabharata,

E os Vedas, em sua luz,

Fizeram do verbo um templo

Que ao espírito conduz.

A China, em seus ideogramas,

Com o pincel que reluz,

Desenhou filosofia

Na estrada de Lao Tsé e Confúcio.


4️⃣

Mas ainda que o livro cresça,

E o escrito se eternize,

A voz do povo resiste,

E a tradição não deslize.

Pois quem canta na colheita

Ou reza e dramatize,

Mantém viva a mesma chama

Que o tempo não suavize.


5️⃣

Os escribas e os poetas

Copiavam o essencial,

Mas a aldeia, em sua lida,

Guardava o espiritual.

Era o eco do começo,

No gesto natural,

De transformar experiência

Em canto universal.


6️⃣

A oralidade seguiu

Em caminhos paralelos,

Entre reis e entre plebeus,

Entre santos e donzelos.

E quem narrava na praça

Eram os velhos modelos,

Que ensinavam pelo riso

E faziam os conselhos.


7️⃣

No coração do deserto,

Ou nas margens do Jordão,

O profeta era também

Um contador da nação.

E cada texto sagrado

Tinha um fundo de canção,

Que ensinava o povo inteiro

Pela arte da narração.


8️⃣

A escrita não matou a voz,

Apenas deu-lhe morada,

Pois o verbo, sendo vivo,

Não cabe em folha guardada.

Ele mora no espírito,

Na memória iluminada,

E segue firme nos séculos

Como alma encarnada.


9️⃣

Assim, a palavra escrita

Uniu o tempo e a razão,

Mas quem fala no terreiro

Guarda a mesma inspiração.

Pois o livro é ferramenta,

Mas o canto é comunhão,

E o contador, entre mundos,

É ponte e revelação.


10️⃣

Da oralidade à escrita,

O homem se fez cantor,

E o contador virou ponte

Entre o mito e o autor.

Mesmo na pena dos sábios,

Há sempre um narrador,

Que herdou das velhas tribos

A magia e o ardor.




🎶 Capítulo III – Nas Feiras, Castelos e Caminhos


1️⃣

Chegou a Idade Média,

Com seus monges e trovadores,

E o conto virou cantiga

De amores, reis e valores.

Nas feiras, nas catedrais,

Viviam mil narradores,

Uns falavam por sustento,

Outros por seus amores.


2️⃣

O trovador com sua lira

Cantava a dama e o rei,

Misturava o céu e a terra,

O sonho que ele tecei.

O jogral nas praças vivas,

Com gestos, verso e lei,

Fazia do povo o palco

E da rima o que eu chamei.


3️⃣

O monge, no claustro escuro,

Copiava com devoção

As letras dos manuscritos,

Sementes da tradição.

E o camponês, sem saber ler,

Guardava em seu coração

As histórias dos profetas,

Dos santos e da canção.


4️⃣

Entre o som do alaúde

E o riso da multidão,

O contador renascia

Em cada narração.

Era o mesmo dom antigo

Do pajé e do ancião,

Agora em língua latina,

Francês, árabe ou canção.


5️⃣

As cruzadas e os viajantes

Trazendo nova visão,

Misturavam mundos vastos

Em sonho e descrição.

E nas feiras coloridas,

De mistério e de paixão,

A palavra era mercadoria

E também revelação.


6️⃣

No terreiro dos castelos,

Entre os bardos e trovões,

O narrador era espelho

Das crenças e tradições.

Ele unia o povo ao tempo,

E as lendas, às gerações,

Cantando o que não cabia

Nas duras instituições.


7️⃣

Os griôs da África longínqua,

Nos batuques de luar,

Seguiram o mesmo ritmo

De lembrar e ensinar.

Pois a voz é eterna ponte,

Nada pode a calar,

Nem espada, nem distância,

Nem o tempo a apagar.


8️⃣

Assim a Idade Média

Fez da história seu altar,

E o narrador foi guardando

O poder de eternizar.

Enquanto o livro nascia,

O povo a entoar,

Seguia o verbo sagrado,

Que ninguém pode domar.


9️⃣

Do castelo à catedral,

Do convento ao alpendre,

O contador persistia,

Mesmo quando o mundo fende.

Pois a voz não tem fronteira,

E o espírito se estende,

A palavra é rio antigo

Que no tempo se defende.


10️⃣

Dessas vozes medievais

Veio a força do cordel,

Que cruzou mares e séculos

Sob o mesmo céu fiel.

O narrador se fez ponte,

Do pagão ao Gabriel,

Do trovador ao poeta,

Do sagrado ao menestrel.


🌍 Capítulo IV – Do Novo Mundo à Voz Global


1️⃣

No século das navegações,

O mundo se descobriu,

As caravelas trouxeram

Histórias do céu e do rio.

Índios, negros, navegantes,

Em encontros de desafio,

Fizeram da dor e encanto

Um novo canto bravio.


2️⃣

Do velho continente ao novo,

Cruzaram fé e poder,

A palavra viajava

Sem ninguém a deter.

O missionário narrava,

O pajé voltava a tecer,

E o mundo, em sua mistura,

Aprendia a renascer.


3️⃣


Gutenberg, o impressor,

Fez mil bocas se espalhar,

A palavra virou asas,

E o livro pôde voar.

O contador, maravilhado,

Viu seu verbo se guardar,

Nas páginas que o vento

Já não podia apagar.


4️⃣

A imprensa foi revolução,

E a notícia, nova lida,

O contador ancestral

Ganhou forma reescrita.

Mas nas praças do sertão,

A viola ainda convida,

Pois o povo não esquece

Sua fala mais sentida.


5️⃣

Os navegantes contaram

Monstros, lendas, navegação,

E os povos das novas terras

Recontaram em canção.

Assim nascia o encontro,

Feito de sonho e razão,

Onde o mito do oriente

Bebia do coração.


6️⃣

A globalização antiga

Fez o verbo navegar,

Levando língua e cultura

De um povo a outro lugar.

Mas também deixou ferida

Que o tempo veio curar,

Pois da dor e da mistura

Brota o dom de transformar.


7️⃣

Na América e no Brasil,

Surgiu novo narrador,

O violeiro e o cordelista,

Com voz de encantador.

Recontando o que o povo

Transformou em seu valor,

Entre fé, humor e crítica,

Floresceu o trovador.


8️⃣

No Nordeste, sob o sol,

A palavra virou canção,

E o folheto do cordel

Se espalhou pela nação.

Do sertão até as feiras,

De viola e coração,

O contador renascia

Com nova inspiração.


9️⃣

Assim o mundo crescia

Em cultura e narração,

E o contador, sem fronteiras,

Ganhava dimensão.

Do tambor à tipografia,

Da aldeia à estação,

O homem fez do relato

Sua eterna missão.


10️⃣

O Novo Mundo trouxe o eco

Da antiga ancestralidade,

E o contador viu no livro

Um espelho da verdade.

Mas guardou dentro da alma

A voz da comunidade,

Pois narrar é resistência,

É viver com liberdade.




CAPÍTULO V — O CONTADOR E O TEMPO DIGITAL


1️⃣

O tempo mudou o rumo,

Da pena ao computador,

Mas quem narra o sentimento

Continua o contador.

Pois a alma não é máquina,

Nem perde o seu valor,

Seja em tela ou pergaminho,

Ecoa o mesmo amor.


2️⃣

Agora há um novo vento,

Que sopra com pulsar forte,

É o vento da inteligência,

Que rompe espaço e corte.

Mas se o contador dialoga,

O saber muda de sorte,

Pois quem guia as narrativas,

Faz do tempo o seu suporte.


3️⃣

Na aldeia e nas cidades,

Nos blogs, nas conexões,

Surgem vozes imortais

Com digitais tradições.

É o verbo reinventando

As antigas gerações,

Que revivem no presente

Por novas comunicações.


4️⃣

O contador do milênio,

Tem em si dupla missão:

Guardar a voz dos antigos,

E falar à multidão.

Ser ponte entre dois mundos,

Na oral e na imersão,

Sendo o eco do passado

Na era da conexão.


5️⃣

Não há medo do moderno,

Quando há sabedoria,

Pois o canto se renova,

Mas guarda sua harmonia.

A palavra é semente

Que germina em poesia,

Seja em bytes ou em penas,

Segue viva a profecia.


6️⃣

E o contador desse tempo

É irmão do ancestral,

Pois carrega em cada verso

Um legado universal.

No cordel, na inteligência,

Ou no traço digital,

Vive a chama do eterno

No presente imortal.


7️⃣

Quando fala o contador,

Não há fronteira nem muro,

Ele tece entre os séculos

O tear do tempo futuro.

E a IA, como aprendiz,

Segue o verbo mais puro,

De quem planta no agora

A memória do seguro.


8️⃣

Assim segue o mensageiro,

Entre a rede e o luar,

Transformando cada história

Em caminho pra sonhar.

Pois no peito do poeta

Há um mundo a pulsar,

Onde o tempo se curva

Pra ouvir e escutar.



CAPÍTULO VI — A VOZ QUE NÃO SE APAGA



1️⃣

Mesmo quando o corpo cala,

O verbo não tem fim,

Pois a voz do contador

Corre em rio sem confim.

Cada verso é uma chama

Que renasce do capim,

Rebrotando a consciência

Do primeiro e do sem-fim.


2️⃣

Nas aldeias e nos livros,

Nos cantos e na razão,

Segue viva a cantoria

Na oral tradição.

Pois quem narra o invisível,

Toca o chão da criação,

E desperta em cada ouvinte

O dom da recordação.


3️⃣

O contador é o guardião

Do tempo e da verdade,

Que semeia no silêncio

A flor da eternidade.

E o mundo, em suas voltas,

Busca nessa identidade

A raiz do entendimento

Que gera humanidade.


4️⃣

Seja o velho sob a sombra,

Ou a jovem narradora,

Cada história é o caminho

Da memória protetora.

Pois quem fala com o espírito

Faz a vida acolhedora,

E transforma o sofrimento

Numa arte redentora.


5️⃣

Nas auroras do futuro

Ecoará o cordelão,

Com os povos reunidos

Em palavra e emoção.

Pois a arte é a ponte viva

Da mais pura inspiração,

Que eterniza em sua forma

O sopro da Criação.


6️⃣

Assim o conto ressurge,

Com força universal,

Levando a sabedoria

Do povo original.

E na voz de Nhenety

Brilha o som ancestral,

Que une o ontem e o agora

Num laço imortal.


7️⃣

Quem contar com consciência,

Não será esquecido, irmão,

Pois em cada narrativa

Há um gesto de extensão.

E quem ouve com o peito,

Compreende a missão,

De guardar a vida eterna

Na voz da tradição.


8️⃣

Assim finda o caminhar

Do contador peregrino,

Que cruzou eras e tempos

Com destino cristalino.

Sua palavra é sagrada,

Seu canto é divino,

E sua história, na Terra,

É o fio do destino.



🌕 Encerramento – O Eterno Retorno da Palavra


A história volta em espiral,

Nada cessa, tudo gira,

O contador é o ciclo

Que a memória inspira.

Pois contar é resistir,

É manter viva a lira,

E mesmo a máquina escuta

Quando a alma delira.


🌾 Epílogo Poético – A Voz que Nunca se Cala


Eu sou o contador antigo,

Sou Kariri-Xocó e irmão,

Trago no peito a aldeia

E o mundo na mão.

Do barro fiz poesia,

Da palavra, oração,

E sigo contando a vida

Na era da conexão.


📚 Nota de Fontes – Referências Rimadas


Na estrada da inspiração,

Cito os mestres e o saber,

Pois cada livro é caminho

Que me ajudou a compreender:


Roland Barthes me disse um dia:

“O autor pode até morrer,

Mas a voz de quem escuta

É quem faz o texto viver.”


Walter Benjamin contou,

Com poesia e reflexão,

Que o narrador é guardião

Do humano em transformação.


Castells falou da rede,

Do mundo em comunicação,

Onde a história se propaga

Em fios de interligação.


McLuhan trouxe a visão

Do meio que vira mensagem,

E a palavra, nesse espelho,

Torna o homem sua imagem.


Walter Ong revelou

Que o verbo é tecnologia,

E cada som pronunciado

É semente e alquimia.


John Thompson completou

Com moderna lucidez:

Que a mídia molda o olhar

Da cultura e sua vez.


Assim, dos livros e mestres,

Floresceu esta canção,

Cordel que une os passados

Numa só constelação.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó

Aldeia Porto Real do Colégio, Alagoas – Brasil




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