CAPÍTULO XV — O Posto Padre Alfredo Damaso (1944–1952)
Posto Padre Alfredo Damaso,
O nome quando foi criado,
No dia vinte de março,
Do ano mil novecentos e quarenta e quatro marcado.
Foi quando os Kariris, enfim,
Ficaram oficializados.
Com escola e enfermaria,
No Colégio bem ao lado,
Mesmo com a criação do posto,
Ainda havia o agrado
De uma confusão antiga
Com o Cacique ameaçado.
O valente Otávio Nidé,
Foi à cadeia lançado,
Por palavras de protesto,
Seu direito proclamado.
A polícia o prendeu à força,
Mas o povo foi avisado.
O chefe Cavalcante, então,
À delegacia foi levado,
Os índios soltaram Otávio,
Depois de ser maltratado,
E o Prefeito foi quem trouxe
O conflito denunciado.
Na esquina da Rua dos Índios
O posto teve posição,
Povo alegre e contente,
Com saúde e educação.
Os indígenas reconhecidos
Por um governo da Nação.
Em mil novecentos e quarenta e cinco,
Houve recenseamento,
Sessenta e sete choupanas,
De palha em seu assentamento.
E cento e sessenta e seis índios,
Nos registros desse momento.
Quatro de agosto, quarenta e sete,
O Governo Federal doou,
Cinquenta e quatro hectares
À Colônia que formou,
Para o povo Kariri plantar,
E a terra floresceu, brotou.
A área, bem desmembrada,
Da antiga Sementeira,
Pertencia à Agricultura,
Terra boa e verdadeira.
E os índios ali faziam
Suas casas e bananeira.
Morar na Colônia nova,
Era o sonho e o mutirão,
Plantavam milho e mandioca,
Com canto e animação.
E o verso que batia o feijão,
Dava vida à tradição.
As casas todas de taipa,
Cobertas com palha fina,
No terreiro os artesãos,
Trabalhavam na rotina,
Com redes e com cavalo,
Cangalha era a sina.
No ano de cinquenta, o trem
Chegou rasgando a serra,
Cortando pela Colônia,
Trouxe barulho e guerra.
O território ficou menor,
E o acordo se emperra.
Um fato triste se deu,
Que na memória ficou,
O índio Kadête correndo,
Pela ferrovia passou,
Mas o trem o atropelou,
E a vida dele levou.
Nas roças de fartura e cheiro,
O posto fez casa de farinha,
Produção boa e constante,
Com amor e disciplina.
Plantavam melancia e pinha,
Manga e cana na campina.
No Ouricuri se abrigavam,
Com alegria a plantar,
Belas casas construíam,
E vinham outros se juntar.
Em cinquenta e dois firmou-se
O direito de ali morar.
Na Rua dos Índios voltaram,
Pé de marizeiro inteiro,
E no fundo dos quintais,
A Lagoa do Cordeiro.
Porto Real dos Kariri,
Do povo bom e pesqueiro.
Nas pescarias de caniço,
Era a vida de fartura,
Peixes grandes e pequenos,
Sabores da nossa cultura,
Bagre e crumatá na mesa,
Com gosto e textura pura.
Na Lagoa Grande ao lado,
Sombreada de ingazeiros,
O peixe entrava no rio,
Nos tempos dos aguaceiros.
Trabalhavam no arroz,
Sob sistema de meeiros.
À noite, as velhas histórias,
Os anciãos iam narrar,
Otávio e Euclides contavam,
Histórias do caminhar,
Dos antigos ancestrais,
Que vieram ensinar.
Nossa Senhora da Conceição,
Com novena animada,
O povo rezava forte,
A fé era celebrada.
Fogos riscando o céu,
Em luzes inflamadas.
E o Bom Jesus dos Navegantes,
Fechava o mês de janeiro,
Joaquim com a Banda de Pífanos,
Chamava o povo inteiro.
Reisado, guerreiro e fogos,
Na beira do rio, festeiro.
Manifestações culturais,
Não se pode esquecer,
Índios e brancos unidos,
Na alegria de viver,
Nos santos padroeiros,
A fé vinha florescer.
CAPÍTULO XVI — O Tempo das Mudanças e Transições (1953–1969)
Nos anos cinquenta e três em diante,
A Colônia firme ficou,
Com os índios mais unidos,
No trabalho que prosperou,
Cada roça era um canto,
Onde a vida floresceu, brotou.
As famílias já crescidas,
Faziam o povo aumentar,
Filhos de antigos guerreiros,
Na cultura a se firmar,
Com os saberes dos mais velhos,
O costume a preservar.
O Cacique Otávio Nidé,
A voz ainda ecoava,
Com Euclides e Joaquim,
A aldeia governava,
Entre cantos e reuniões,
A força se renovava.
O Posto Padre Alfredo Damaso,
Seguia com administração,
Com visitas e relatórios,
De controle e inspeção,
O SPI observava o povo,
Com regras e imposição.
Veio o tempo da política,
Que o índio muito afetou,
O SPI fazia normas,
E a Colônia controlou,
Enquanto os índios pediam,
Por respeito e mais valor.
Alguns chefes do Posto, então,
Queriam ordem e poder,
Sem compreender direito
O modo indígena de viver,
Mas o povo, com sabedoria,
Soube o direito manter.
Os rituais do Ouricuri,
Seguiam na mata escondida,
Pois havia quem proibisse,
Aquela prática querida,
Mas o sagrado resistia,
Como força de guarida.
Enquanto a fé dos padroeiros,
Seguia forte e cristã,
No terreiro e na capela,
Misturava-se o amanhã,
Entre maracá e ladainha,
Ninguém calava o amanhã.
O ano sessenta e quatro chegou,
Com mudanças e tensão,
O Brasil vivia um tempo duro,
De governo e repressão,
E até nas aldeias do rio,
Chegou tal dominação.
O SPI foi acusado,
De descuido e corrupção,
E o índio, mais uma vez,
Sofreu com a situação,
Mas guardava na memória,
A força da tradição.
Em sessenta e sete em diante,
O Posto perdeu direção,
Poucos técnicos ficavam,
E faltava inspeção,
Mas os Kariri-Xocó unidos,
Mantinham a produção.
As famílias na Colônia,
Plantavam feijão e milho,
Criavam cabra e galinha,
E educavam cada filho,
Com o saber que vem da terra,
E a benção do próprio brilho.
No fim da década sessenta,
Mudanças iam chegar,
O SPI seria extinto,
Outro órgão ia ocupar,
E o povo pressentia o tempo
De um novo caminhar.
CAPÍTULO XVII — O Tempo da Cerâmica e do Trabalho ( 1950 - 1970 )
Original cerâmica utilitária,
Tradição firme e secular,
Dos indígenas de Colégio,
Arte que veio a prosperar,
Muito além da panela e prato,
Servia também pra negociar.
Atrás da casa do velho Gringo,
O forno de queimar ficava,
Cabiam cento e vinte peças,
Que o povo ali arrumava,
Botava lenha no braseiro,
E a fumaça o céu pintava.
Depois de tudo pronto e frio,
Vinha o tempo de vender,
As índias em suas canoas,
No São Francisco a descer,
Levando potes e moringas,
Pra farinha e pra beber.
O Sr. Demézio ajudava,
Com Marietinha ao lado,
Negociavam com respeito,
Num costume já sagrado,
De trocar arte por sustento,
No comércio consagrado.
Canoas subiam o rio,
Passavam semanas inteiras,
Levando barro e cultura,
Trocando em feiras ribeirinhas,
Por bananas e galinhas,
E farinha das peneiras.
Do barranco as crianças gritavam,
Num coro de emoção,
— “A canoa está chegando!”
Era festa no coração,
Trazia o cheiro da mata,
E a alegria do povão.
As mulheres ceramistas,
De talento e paciência,
Luíza Binga, Júlia Pires,
Com trabalho e resistência,
Dona Lurdes e Maria Tinga,
São memórias da existência.
Na Estação chegava o trem,
Maria Fumaça a bufar,
O Armazém Carnaúba cheio,
Homens a descarregar,
Era a vida em movimento,
Que o tempo vinha mudar.
O som dos seresteiros ecoava,
Em 1966, nas madrugadas,
Com André e Lú de Queiroz,
As violas apaixonadas,
Zé Costa e os companheiros,
No amor das serenatas.
Em 1967 o ferry-boat chegou,
Com a RFFSA a operar,
Cargas, trilhos e minérios,
Passavam a circular,
E Porto Real do Colégio
Começava a prosperar.
O auto-falante na praça,
Chamado “Pirulito” encantou,
Com o “Domingo Jovem” no ar,
A juventude escutou,
Zé Luiz animava o povo,
E o coração se alegrou.
A Fábrica de Arroz antiga,
Por décadas tão respeitada,
Foi desativada no tempo,
E depois abandonada,
Mas sua fumaça guardou,
Uma história sagrada.
Chegou em 1970,
A COENG de construção,
Fez terraplanagem e obras,
Pavimentando a região,
BR-101 nascendo,
Era estrada de união.
Construiu-se grande ponte,
Sobre o São Francisco amado,
Os índios na profissão,
Trabalhavam lado a lado,
Com a Andrade Gutierrez,
De suor e sonho marcado.
No dia dois de dezembro,
A ponte foi inaugurada,
Foi festa e emoção no povo,
Na história consagrada,
Pois o Opará ligou margens,
Da vida antes separada.
As velhas canoas do rio,
Deixaram o seu lugar,
Tupã, Tupi e Tupigy,
Lanchas a navegar,
Mas o eco das remadas,
Continua a cantar.
Em 1972 também,
A Rua dos Índios mudava,
A Funai rebocava casas,
Que o tempo já desgastava,
Com Ademir no comando,
A aldeia se renovava.
Era a era da comunicação,
Com rádio e televisão,
No bar do Sr. Américo,
Viam a nova seleção,
E o Brasil gritando gol,
Com riso e comemoração.
O Cine Veneza em Propriá,
Tinha fama na exibição,
Mas em Colégio também havia,
Um salão pra projeção,
“Hércules e Sansão” passavam,
Na luz da imaginação.
CAPÍTULO XVIII - Redescoberta do Ouricuri e a Identidade ( 1980 - 1990 )
Nos anos oitenta chegou,
Tempo de redemocratização,
E o Ouricuri Sagrado,
Voltou à celebração,
Com Pajé Francisco Queiroz,
A liderar a tradição.
As choupanas de palha erguidas,
Na margem do Velho Chico,
Recebiam os rituais,
O povo unido no abrigo,
Mantendo os cantos e rezas,
E o respeito ao antigo livro.
O Pajé aos jovens ensinava,
O ritual de seu saber,
Como pescar, plantar e rezar,
E o espírito proteger,
Que a floresta e o rio davam,
Para a vida não se perder.
A escola do Posto Damaso,
Transformou-se em referência,
Com alfabetização e leitura,
Fortalecendo a consciência,
Dos Kariri-Xocó novos,
E sua própria existência.
Nas salas o idioma nativo,
Misturava-se ao português,
Cantavam as histórias antigas,
E respeitavam o aviez,
De gerações de resistência,
Que o tempo não fez revés.
As festas tradicionais,
Como N. Srª da Conceição,
E Bom Jesus dos Navegantes,
Reuniam o coração,
Misturando indígenas e brancos,
Num laço de união.
Os torés e cheganças,
Voltaram à praça central,
Com música, dança e fogos,
Celebrando o ritual ancestral,
E o Ouricuri Sagrado,
Seguiu como ponto espiritual.
CAPÍTULO XIX — A Visibilidade Política e Social
Nos anos 1980 e 1990,
O movimento indígena cresceu,
Kariri-Xocó se estruturaram,
Suas terras defenderam,
E na luta por direitos,
Sua voz finalmente teve eco.
Associações foram criadas,
Postos oficiais fortalecidos,
Com FUNAI e S.P.I. apoiando,
E documentos reconhecidos,
Garantindo áreas tradicionais,
E o respeito ao território protegido.
As novas gerações aprendiam,
A importância do Ouricuri,
E do rito do maracá,
Do toré e da cantoria,
Que mantinham viva a cultura,
E fortaleciam a memória.
O Pajé Francisco Queiroz,
Como guardião da história,
Transmitia aos filhos e netos,
O valor da tradição notória,
Que mesmo em meio à modernidade,
Continuava a ser vitória.
O rio e a floresta preservados,
Serviam de alimento e cura,
As roças e a pesca ensinadas,
Mantinham a vida pura,
E as comunidades indígenas,
Respeitavam a natureza segura.
O Opará como símbolo,
De miscigenação e união,
Mostrava que resistência,
Não é só proteção,
Mas também memória viva,
E orgulho de uma nação.
Em eventos culturais,
Os Kariri-Xocó se mostravam,
Com exposições de cerâmica,
Artesanato e cantorias,
A imprensa e o governo viam,
Que a tradição se renovava.
Com emissoras de rádio e TV,
Transmitiam sua voz e canto,
Levando às cidades vizinhas,
O seu orgulho e encanto,
Mostrando que identidade,
É muito mais que um manto.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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