segunda-feira, 6 de outubro de 2025

O MUNDO DOS KARIRI-XOCÓ: HISTÓRIA, CULTURA E RESISTÊNCIA EM CORDEL, Por Nhenety Kariri-Xocó - Capítulos XV - XIX





CAPÍTULO XV — O Posto Padre Alfredo Damaso (1944–1952)


Posto Padre Alfredo Damaso,

O nome quando foi criado,

No dia vinte de março,

Do ano mil novecentos e quarenta e quatro marcado.

Foi quando os Kariris, enfim,

Ficaram oficializados.


Com escola e enfermaria,

No Colégio bem ao lado,

Mesmo com a criação do posto,

Ainda havia o agrado

De uma confusão antiga

Com o Cacique ameaçado.


O valente Otávio Nidé,

Foi à cadeia lançado,

Por palavras de protesto,

Seu direito proclamado.

A polícia o prendeu à força,

Mas o povo foi avisado.


O chefe Cavalcante, então,

À delegacia foi levado,

Os índios soltaram Otávio,

Depois de ser maltratado,

E o Prefeito foi quem trouxe

O conflito denunciado.


Na esquina da Rua dos Índios

O posto teve posição,

Povo alegre e contente,

Com saúde e educação.

Os indígenas reconhecidos

Por um governo da Nação.


Em mil novecentos e quarenta e cinco,

Houve recenseamento,

Sessenta e sete choupanas,

De palha em seu assentamento.

E cento e sessenta e seis índios,

Nos registros desse momento.


Quatro de agosto, quarenta e sete,

O Governo Federal doou,

Cinquenta e quatro hectares

À Colônia que formou,

Para o povo Kariri plantar,

E a terra floresceu, brotou.


A área, bem desmembrada,

Da antiga Sementeira,

Pertencia à Agricultura,

Terra boa e verdadeira.

E os índios ali faziam

Suas casas e bananeira.


Morar na Colônia nova,

Era o sonho e o mutirão,

Plantavam milho e mandioca,

Com canto e animação.

E o verso que batia o feijão,

Dava vida à tradição.


As casas todas de taipa,

Cobertas com palha fina,

No terreiro os artesãos,

Trabalhavam na rotina,

Com redes e com cavalo,

Cangalha era a sina.


No ano de cinquenta, o trem

Chegou rasgando a serra,

Cortando pela Colônia,

Trouxe barulho e guerra.

O território ficou menor,

E o acordo se emperra.


Um fato triste se deu,

Que na memória ficou,

O índio Kadête correndo,

Pela ferrovia passou,

Mas o trem o atropelou,

E a vida dele levou.


Nas roças de fartura e cheiro,

O posto fez casa de farinha,

Produção boa e constante,

Com amor e disciplina.

Plantavam melancia e pinha,

Manga e cana na campina.


No Ouricuri se abrigavam,

Com alegria a plantar,

Belas casas construíam,

E vinham outros se juntar.

Em cinquenta e dois firmou-se

O direito de ali morar.


Na Rua dos Índios voltaram,

Pé de marizeiro inteiro,

E no fundo dos quintais,

A Lagoa do Cordeiro.

Porto Real dos Kariri,

Do povo bom e pesqueiro.


Nas pescarias de caniço,

Era a vida de fartura,

Peixes grandes e pequenos,

Sabores da nossa cultura,

Bagre e crumatá na mesa,

Com gosto e textura pura.


Na Lagoa Grande ao lado,

Sombreada de ingazeiros,

O peixe entrava no rio,

Nos tempos dos aguaceiros.

Trabalhavam no arroz,

Sob sistema de meeiros.


À noite, as velhas histórias,

Os anciãos iam narrar,

Otávio e Euclides contavam,

Histórias do caminhar,

Dos antigos ancestrais,

Que vieram ensinar.


Nossa Senhora da Conceição,

Com novena animada,

O povo rezava forte,

A fé era celebrada.

Fogos riscando o céu,

Em luzes inflamadas.


E o Bom Jesus dos Navegantes,

Fechava o mês de janeiro,

Joaquim com a Banda de Pífanos,

Chamava o povo inteiro.

Reisado, guerreiro e fogos,

Na beira do rio, festeiro.


Manifestações culturais,

Não se pode esquecer,

Índios e brancos unidos,

Na alegria de viver,

Nos santos padroeiros,

A fé vinha florescer.


CAPÍTULO XVI — O Tempo das Mudanças e Transições (1953–1969)


Nos anos cinquenta e três em diante,

A Colônia firme ficou,

Com os índios mais unidos,

No trabalho que prosperou,

Cada roça era um canto,

Onde a vida floresceu, brotou.


As famílias já crescidas,

Faziam o povo aumentar,

Filhos de antigos guerreiros,

Na cultura a se firmar,

Com os saberes dos mais velhos,

O costume a preservar.


O Cacique Otávio Nidé,

A voz ainda ecoava,

Com Euclides e Joaquim,

A aldeia governava,

Entre cantos e reuniões,

A força se renovava.


O Posto Padre Alfredo Damaso,

Seguia com administração,

Com visitas e relatórios,

De controle e inspeção,

O SPI observava o povo,

Com regras e imposição.


Veio o tempo da política,

Que o índio muito afetou,

O SPI fazia normas,

E a Colônia controlou,

Enquanto os índios pediam,

Por respeito e mais valor.


Alguns chefes do Posto, então,

Queriam ordem e poder,

Sem compreender direito

O modo indígena de viver,

Mas o povo, com sabedoria,

Soube o direito manter.


Os rituais do Ouricuri,

Seguiam na mata escondida,

Pois havia quem proibisse,

Aquela prática querida,

Mas o sagrado resistia,

Como força de guarida.


Enquanto a fé dos padroeiros,

Seguia forte e cristã,

No terreiro e na capela,

Misturava-se o amanhã,

Entre maracá e ladainha,

Ninguém calava o amanhã.


O ano sessenta e quatro chegou,

Com mudanças e tensão,

O Brasil vivia um tempo duro,

De governo e repressão,

E até nas aldeias do rio,

Chegou tal dominação.


O SPI foi acusado,

De descuido e corrupção,

E o índio, mais uma vez,

Sofreu com a situação,

Mas guardava na memória,

A força da tradição.


Em sessenta e sete em diante,

O Posto perdeu direção,

Poucos técnicos ficavam,

E faltava inspeção,

Mas os Kariri-Xocó unidos,

Mantinham a produção.


As famílias na Colônia,

Plantavam feijão e milho,

Criavam cabra e galinha,

E educavam cada filho,

Com o saber que vem da terra,

E a benção do próprio brilho.


No fim da década sessenta,

Mudanças iam chegar,

O SPI seria extinto,

Outro órgão ia ocupar,

E o povo pressentia o tempo

De um novo caminhar.


CAPÍTULO XVII — O Tempo da Cerâmica e do Trabalho ( 1950 - 1970 )


Original cerâmica utilitária,

Tradição firme e secular,

Dos indígenas de Colégio,

Arte que veio a prosperar,

Muito além da panela e prato,

Servia também pra negociar.


Atrás da casa do velho Gringo,

O forno de queimar ficava,

Cabiam cento e vinte peças,

Que o povo ali arrumava,

Botava lenha no braseiro,

E a fumaça o céu pintava.


Depois de tudo pronto e frio,

Vinha o tempo de vender,

As índias em suas canoas,

No São Francisco a descer,

Levando potes e moringas,

Pra farinha e pra beber.


O Sr. Demézio ajudava,

Com Marietinha ao lado,

Negociavam com respeito,

Num costume já sagrado,

De trocar arte por sustento,

No comércio consagrado.


Canoas subiam o rio,

Passavam semanas inteiras,

Levando barro e cultura,

Trocando em feiras ribeirinhas,

Por bananas e galinhas,

E farinha das peneiras.


Do barranco as crianças gritavam,

Num coro de emoção,

— “A canoa está chegando!”

Era festa no coração,

Trazia o cheiro da mata,

E a alegria do povão.


As mulheres ceramistas,

De talento e paciência,

Luíza Binga, Júlia Pires,

Com trabalho e resistência,

Dona Lurdes e Maria Tinga,

São memórias da existência.


Na Estação chegava o trem,

Maria Fumaça a bufar,

O Armazém Carnaúba cheio,

Homens a descarregar,

Era a vida em movimento,

Que o tempo vinha mudar.


O som dos seresteiros ecoava,

Em 1966, nas madrugadas,

Com André e Lú de Queiroz,

As violas apaixonadas,

Zé Costa e os companheiros,

No amor das serenatas.


Em 1967 o ferry-boat chegou,

Com a RFFSA a operar,

Cargas, trilhos e minérios,

Passavam a circular,

E Porto Real do Colégio

Começava a prosperar.


O auto-falante na praça,

Chamado “Pirulito” encantou,

Com o “Domingo Jovem” no ar,

A juventude escutou,

Zé Luiz animava o povo,

E o coração se alegrou.


A Fábrica de Arroz antiga,

Por décadas tão respeitada,

Foi desativada no tempo,

E depois abandonada,

Mas sua fumaça guardou,

Uma história sagrada.


Chegou em 1970,

A COENG de construção,

Fez terraplanagem e obras,

Pavimentando a região,

BR-101 nascendo,

Era estrada de união.


Construiu-se grande ponte,

Sobre o São Francisco amado,

Os índios na profissão,

Trabalhavam lado a lado,

Com a Andrade Gutierrez,

De suor e sonho marcado.


No dia dois de dezembro,

A ponte foi inaugurada,

Foi festa e emoção no povo,

Na história consagrada,

Pois o Opará ligou margens,

Da vida antes separada.


As velhas canoas do rio,

Deixaram o seu lugar,

Tupã, Tupi e Tupigy,

Lanchas a navegar,

Mas o eco das remadas,

Continua a cantar.


Em 1972 também,

A Rua dos Índios mudava,

A Funai rebocava casas,

Que o tempo já desgastava,

Com Ademir no comando,

A aldeia se renovava.


Era a era da comunicação,

Com rádio e televisão,

No bar do Sr. Américo,

Viam a nova seleção,

E o Brasil gritando gol,

Com riso e comemoração.


O Cine Veneza em Propriá,

Tinha fama na exibição,

Mas em Colégio também havia,

Um salão pra projeção,

“Hércules e Sansão” passavam,

Na luz da imaginação.


CAPÍTULO XVIII  - Redescoberta do Ouricuri e a Identidade  ( 1980 - 1990 )


Nos anos oitenta chegou,

Tempo de redemocratização,

E o Ouricuri Sagrado,

Voltou à celebração,

Com Pajé Francisco Queiroz,

A liderar a tradição.


As choupanas de palha erguidas,

Na margem do Velho Chico,

Recebiam os rituais,

O povo unido no abrigo,

Mantendo os cantos e rezas,

E o respeito ao antigo livro.


O Pajé aos jovens ensinava,

O ritual de seu saber,

Como pescar, plantar e rezar,

E o espírito proteger,

Que a floresta e o rio davam,

Para a vida não se perder.


A escola do Posto Damaso,

Transformou-se em referência,

Com alfabetização e leitura,

Fortalecendo a consciência,

Dos Kariri-Xocó novos,

E sua própria existência.


Nas salas o idioma nativo,

Misturava-se ao português,

Cantavam as histórias antigas,

E respeitavam o aviez,

De gerações de resistência,

Que o tempo não fez revés.


As festas tradicionais,

Como N. Srª da Conceição,

E Bom Jesus dos Navegantes,

Reuniam o coração,

Misturando indígenas e brancos,

Num laço de união.


Os torés e cheganças,

Voltaram à praça central,

Com música, dança e fogos,

Celebrando o ritual ancestral,

E o Ouricuri Sagrado,

Seguiu como ponto espiritual.


CAPÍTULO XIX — A Visibilidade Política e Social 


Nos anos 1980 e 1990,

O movimento indígena cresceu,

Kariri-Xocó se estruturaram,

Suas terras defenderam,

E na luta por direitos,

Sua voz finalmente teve eco.


Associações foram criadas,

Postos oficiais fortalecidos,

Com FUNAI e S.P.I. apoiando,

E documentos reconhecidos,

Garantindo áreas tradicionais,

E o respeito ao território protegido.


As novas gerações aprendiam,

A importância do Ouricuri,

E do rito do maracá,

Do toré e da cantoria,

Que mantinham viva a cultura,

E fortaleciam a memória.


O Pajé Francisco Queiroz,

Como guardião da história,

Transmitia aos filhos e netos,

O valor da tradição notória,

Que mesmo em meio à modernidade,

Continuava a ser vitória.


O rio e a floresta preservados,

Serviam de alimento e cura,

As roças e a pesca ensinadas,

Mantinham a vida pura,

E as comunidades indígenas,

Respeitavam a natureza segura.


O Opará como símbolo,

De miscigenação e união,

Mostrava que resistência,

Não é só proteção,

Mas também memória viva,

E orgulho de uma nação.


Em eventos culturais,

Os Kariri-Xocó se mostravam,

Com exposições de cerâmica,

Artesanato e cantorias,

A imprensa e o governo viam,

Que a tradição se renovava.


Com emissoras de rádio e TV,

Transmitiam sua voz e canto,

Levando às cidades vizinhas,

O seu orgulho e encanto,

Mostrando que identidade,

É muito mais que um manto.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 







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