A aldeia despertava lentamente sob o sopro do tempo novo. A globalização chegava como vento estranho, trazendo consigo objetos de plástico, metal e palavras apressadas. Mesmo assim, entre os Kariri-Xocó, havia coisas que o tempo não conseguia levar. Certos costumes permaneciam firmes como raízes antigas fincadas na terra.
Entre esses costumes estava o Setu, o balaio. Não era apenas um objeto. Era símbolo de fartura, de trabalho coletivo, de respeito à terra. Dentro dele iam os frutos da roça, os alimentos colhidos na floresta, a certeza de que a vida seguia seu curso natural. E, na aldeia, havia um homem que guardava esse saber como quem guarda um segredo sagrado: Duboeretuá, o Mestre dos Balaios.
A aproximação do Curuté Kayaku, a Lua da Colheita, anunciava que julho estava às portas. As espigas de masiche (milho) já se inclinavam maduras, o ghinhé (feijão) esperava ser colhido, e a bechiéá (roça) pedia mãos cuidadosas.
Foi então que o jovem Aponã, com o olhar curioso dos que caminham entre dois mundos, se aproximou do tio.
— Tio Akyná — disse ele —, vou à cidade comprar sacos de nylon para colher o milho e o feijão.
O velho Akyná ergueu os olhos com calma. O rosto carregava o tempo, mas também a memória dos ancestrais.
— Não, Aponã — respondeu com firmeza serena. — Esses sacos não me agradam. São artificiais, não conversam com a terra, eles representam a ganância capitalista de produção desenfreada.
Fez uma pausa, como quem escuta o silêncio antes de continuar.
— Eu gosto mesmo é do Setu, do balaio que simboliza a fartura. Nasci e me criei nessa tradição. Para esta colheita, vou encomendar os Setu e os Bará ao senhor Nhãnoá, o grande Duboeretuá, Mestre dos Balaios.
E assim foi feito.
Quando chegou o dia da colheita, os caminhos da roça se encheram de passos e cantos. Os Bará, grandes balaios entrançados de cipó e taquara, carregavam masiche, ghinhé, muicú (mandioca) e idzá (frutas). Eram fortes, resistentes, feitos para sustentar não apenas alimentos, mas histórias.
Os Setu, menores, guardavam utensílios e pequenos objetos do cotidiano. E havia também a Tinhé, a cesta mais delicada, com alça de cipó, que repousava no ombro como extensão do corpo. Cada peça tinha sua função, seu espírito, sua palavra silenciosa.
Tudo aquilo saíra das mãos de Duboeretuá. Suas mãos conheciam o tempo certo do cipó, o modo correto do entrançado, o respeito necessário para transformar matéria viva em objeto de uso. Ele não fazia balaios apenas por encomenda; fazia por compromisso com os que vieram antes e com os que ainda virão.
Mesmo com tantas mudanças culturais, a tradição resistia. Os balaios ainda eram feitos, ainda circulavam na aldeia, ainda carregavam a colheita e o sentido da vida comunitária.
E enquanto houvesse alguém que lembrasse, alguém que ensinasse, e alguém que escolhesse o balaio em vez do nylon, a tradição permaneceria viva — entrançada como cipó, forte como taquara, eterna como a memória do povo Kariri-Xocó.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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