Na Aldeia Kariri-Xocó, em Porto Real do Colégio, Alagoas, o tempo caminhava ao ritmo do rio São Francisco e da memória dos antigos. A partir dos anos de 1990, uma nova força passou a sustentar muitas famílias: o Buruhúá, o artesanato tradicional, herança viva das mãos e dos saberes ancestrais.
Foi nesse tempo que Yakoá, rapaz recém-casado, sentiu o peso da responsabilidade crescer em seu peito. Precisava encontrar um meio de sustentar sua casa sem se afastar da cultura de seu povo. Pensando nisso, decidiu procurar Kaikurú, um dos artesãos mais respeitados da aldeia.
Ao encontrá-lo, Yakoá falou com humildade:
— Kaikurú, o senhor é o Duboruhúá, Mestre dos Artesanatos. Gostaria de aprender essa arte para melhorar minha renda.
O velho Kaikurú sorriu com serenidade, como quem carrega muitas histórias nos olhos, e respondeu:
— Yakoá, sou apenas um Duboruhú, Mestre de Artesanato. Duboruhúá, Mestres dos Artesanatos, existem muitos em nossa aldeia. Cada um guarda um saber. Posso lhe ensinar a minha arte, pois sou Duboredzé Benhekié, Mestre de Arco e Flecha de Brinquedo, que faço para vender.
Kaikurú então passou a ensinar não apenas com palavras, mas com memória. Disse a Yakoá que na aldeia existiam muitos mestres:
Havia os Dubodaklon, Mestres dos Adornos:
— o Dakloro, adorno do braço;
— o Dakloeɲe, brinco;
— o Dakloɲe, colar;
— o Daklowõ, adorno da perna.
Havia também o Duboawí, Mestre do Cachimbo de Pau;
o Duboriaru, Mestre da Zarabatana, chamada Toriaru;
o Dubouibú, Mestre do Maracá;
Duboebaté "Mestre do Colar de sementes, dentes de animais, ossos de peixe, garras ou pedrinhas";
o Duboheri Tçambusebé, Mestre do Cocal
e o Duboasá, Mestre da Saia de Palha.
— Existem muitos Duboheri, Mestres — concluiu Kaikurú —, mas todos eles formam os Duboruhúá, os Mestres dos Artesanatos.
Yakoá ouviu com atenção e respeito. Seu coração se encheu de entendimento.
— Agora compreendo, grande mestre Kaikurú. Muito obrigado por me mostrar os saberes vivos de nossa aldeia.
Kaikurú então falou com firmeza e carinho:
— Diante de tudo o que ouviu, cabe a você escolher qual caminho seguirá dentro de nossa arte e cultura.
Após um breve silêncio, Yakoá respondeu decidido:
— Grande mestre Kaikurú, desejo aprender a confeccionar o Toriaru, a Zarabatana. Quem sabe, um dia, eu possa me tornar um Duboheri, até alcançar o caminho de Duboriaru, Mestre da Zarabatana.
O ancião assentiu com aprovação:
— Fez uma boa escolha. Procure Akinoã, o ancião Duboriaru. Ele lhe ensinará a confeccionar e a manejar o Toriaru.
Aprendendo essa arte, você encontrará sustento e dignidade, pois quem trabalha com a cultura nunca caminha sozinho.
Yakoá agradeceu profundamente. Dias depois, procurou Akinoã. Aprendeu com paciência, respeito e dedicação. Suas mãos passaram a compreender o silêncio da madeira, o sopro do vento e o equilíbrio do gesto.
Com o tempo, alcançou seu objetivo. Passou a viver de sua arte, sustentando-se com o trabalho honesto e com o amor à sua vocação, mantendo viva a sabedoria ancestral do povo Kariri-Xocó.
E assim, na aldeia, os saberes continuaram a caminhar de geração em geração, como o rio que nunca deixa de correr.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

Nenhum comentário:
Postar um comentário