quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

DZENUANDZOÁ, GUARDIÕES DA CURA NATIVA





No Brasil, terra de muitos povos, muitas línguas e muitas memórias, vivem os Kariri-Xocó, guardiões antigos do chão, da palavra e do espírito. Na aldeia, quando o sol nasce lento sobre o rio São Francisco e o vento passa conversando com as árvores, há sempre alguém que procura a casa do Pajé, o Bidzamu, aquele que escuta o invisível. Outros vão aos Atseáde, “Pessoas que Rezam”, os rezadores e rezadeiras, e também aos Atseandzoá, “Pessoas que Curam”, os curadores.


Na Aldeia Kariri, antigamente, e depois na Aldeia Kariri-Xocó, passaram várias gerações de pajés, rezadores, rezadeiras e curadores.


Entre os pajés estiveram: Pedro Lolaço, Ludovico, Baltazar, Manoel Paulo, Manoel Joaquim (Dunga), Francisco Suíra e Júlio Suíra.


Entre os rezadores, rezadeiras e curadores estiveram: Gravié, Matildes, Iria, Marieta, Kandará, Maria Véia, Frederico e Kênede.

Todos eles são Dzenuandzoá, os Guardiões da Cura.


São assim reconhecidos:

Bidzanuandzo – Pajé, Guardião da Cura;

Dzenude – Guardião da Reza;

Dzenuandzoá – Guardiões da Cura.

Naquela manhã, enquanto o Pajé preparava sua Dzó, a mesinha sagrada onde repousam os remédios da floresta, aproximou-se Ynorá, jovem da aldeia, curiosa e respeitosa. Ela observava em silêncio o movimento lento das mãos do Pajé, que maceravam folhas do Uanrandzi, remédio ensinado pelos ancestrais.


— Vovô Suíra, — disse ela em voz baixa — por que tanta gente vem de longe até sua casa?


O Pajé levantou os olhos, fundos como a mata do Ouricuri, e sorriu com a paciência de quem já ouvira aquela pergunta muitas vezes.


— Eles não vêm só atrás da cura do corpo, Ynorá. Vêm buscar a cura do espírito. O que dói por dentro, muitas vezes, não se resolve com remédio da cidade.

Ela se aproximou mais.


— E quem lhe ensinou tudo isso?

O Pajé suspirou, olhando para o chão batido da casa.


— Foi a floresta, foram os antepassados, foram meus avós e os avós deles. Nada disso é só meu. Eu apenas guardo e repasso. O saber não tem dono; é do povo.

Do lado de fora, chegavam pessoas da cidade, dos povoados vizinhos e até de outros estados do Brasil. Todos entravam com respeito, cabeça baixa e coração aberto. Ali, na casa simples do Pajé Suíra, encontravam silêncio, palavra certa e a força invisível da tradição.


À noite, quando o ritual acontecia na floresta sagrada do Ouricuri, todos os Kariri-Xocó se reuniam. O fogo aceso iluminava os rostos, e o Pajé conduzia o ritual com firmeza e humildade. Ninguém interrompia. Todos sabiam: ali falava o Guardião.


Ynorá, sentada entre os mais velhos, compreendeu então que o Pajé não era apenas um curador, mas um elo vivo entre passado, presente e futuro. Um guardião da cura, da memória e da identidade de seu povo.


E assim, enquanto houver floresta, palavra e respeito, o Bidzanuandzo continuará caminhando entre os Kariri-Xocó, curando corpos, acalmando espíritos e, junto aos outros Dzenuandzoá — Guardiões da Cura — mantendo viva a chama ancestral.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó




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