terça-feira, 23 de dezembro de 2025

DUBOHERIDÉ RUÑOHÚ – A MESTRA DA CERÂMICA






Na aldeia Kariri-Xocó, o barro sempre falou pelas mãos das mulheres.

Chamavam essa arte de Ruñohú, a cerâmica que, por séculos, sustentou a economia da comunidade e guardou a memória do povo no formato de potes, panelas, pratos e talhas. Cada peça carregava o sopro da terra, o fogo do tempo e a sabedoria das anciãs.


Mas os anos passaram, e as Dubobunhá, as Mestras do Barro, foram envelhecendo. Poucas mãos jovens se aproximavam do barreiro, e a tradição começou a silenciar.

Numa tarde quieta, a jovem Saynã, ainda Tibudina — moça em tempo de aprender — percebeu a tristeza da avó Soyá, sentada à sombra, olhando o chão como quem escuta a terra chorar.


— Vovó Soyá, por que estás tão triste? — perguntou a neta.

A anciã suspirou fundo antes de responder:


— Estou triste, minha neta, porque as Ruñohú estão ficando velhas. Não vejo mais Tibudina interessada em aprender. Assim, a tradição do barro pode morrer.

Saynã sentiu o peso daquelas palavras. Aproximou-se da avó e disse com firmeza:


— Não fique triste, vovó. Eu vou aprender. E vou chamar as outras moças da aldeia para aprender comigo.


O rosto de Soyá se iluminou num sorriso antigo, daqueles que só quem carrega muitas luas conhece.


— Sim, minha neta. Vocês darão continuidade à tradição do barro. É um caminho longo, mas vale a pena. Nossas esperanças estão nas Tibudina.

No dia seguinte, ainda cedo, Soyá chamou Saynã e as outras moças.


— Vamos buscar o barro.

Pegaram o Tasípi, a enxada pequena, e o Bará, o balaio. Caminharam até o Bunhakuá, o barreiro onde nasce a argila, o bunhá. Ali cavaram o barro — Kla dó bunhá — colocaram o barro seco no balaio — Andé ti crá bunhá anra bará — e seguiram de volta para a Erá, a casa.


— Agora começa o verdadeiro trabalho, disse Soyá.


Prepararam o barro — Diteri dó bunhá — quebraram os torrões — Pedabó bunhá crærù — molharam com água — Curaempá dehó dzu — e amassaram com areia e cinza — Poroné bunhá dehó bydi andé ketci. Formaram o bolo de barro — Küdi bunhá — até ficar pronto para trabalhar — Pidé prihy aiby naté.


As mãos jovens aprenderam a sentir o tempo do barro.


Nasceram Sacrí, o pote Ruño, a panela Runhú, o prato Aribé e a grande talha Igaçaba. Usaram o Prebúde, capeador de coité; a argila amarela Tawá; e a semente de Mucunã para alisar as peças, como ensinavam as antigas.


Depois de secas ao sol — Kuedi crá canghité bunhá andé banhe — as peças foram levadas ao forno, o Bubehó. O fogo foi preparado — Diteri dó isú anra bunhá bubehó — e a queima começou ao cair da tarde, atravessando a noite, enquanto o fogo conversava com o barro.


Só depois do esfriar veio o momento de retirar as peças, fortes e vivas.

— Pronto, minha neta, disse Soyá. Vocês aprenderam. A cerâmica mantém viva a tradição e também gera renda para o nosso povo.


Saynã sorriu e perguntou:

— E depois, vovó?

— Depois levamos a cerâmica para as cidades próximas ao rio Opará, respondeu a anciã. Lá fazemos Taiutará: trocas e vendas com os Caraí. Trazemos galinha, farinha, crueira de mandioca, vestidos, fumo e dinheiro.


Saynã olhou para as peças, para as mãos das moças e para a avó.

Naquele dia, a tradição não apenas sobreviveu.


Ela renasceu.

E o barro, mais uma vez, falou.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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