A aldeia sempre esteve ali, mesmo quando a cidade cresceu ao seu redor. Antes de Porto Real do Colégio ter nome de rei e pedra, já havia chão, rio, passos e memória Kariri-Xocó. Foi desse ventre antigo que nasceu a cidade, moldada pelo tempo, pelo contato e pelas mudanças que o mundo impôs.
Com os anos, vieram outros costumes, outras formas de viver. Os Kariri-Xocó aprenderam a conviver com a civilização europeia, absorvendo hábitos, tecnologias e palavras novas. Mas, no fim da década de 1970, chegou o tempo da retomada. Saíram da cidade e fundaram novamente sua aldeia — não distante do mundo moderno, mas enraizada na identidade ancestral. Assim nasceu uma aldeia diferente: indígena e urbana ao mesmo tempo.
Era comum, nas tardes tranquilas da comunidade, que as crianças cercassem os mais velhos com perguntas. Queriam entender por que a aldeia tinha ruas, postes, casas de pedra e aparelhos que falavam sozinhos. Foi numa dessas tardes que o jovem Itauaçú, curioso como todo aprendiz da vida, aproximou-se de sua avó Anemy, guardiã das palavras e dos sentidos.
— Vovó, o que é uma Aldeia Indígena Urbana? — perguntou ele, sentando-se ao seu lado.
Anemy sorriu com a calma de quem já ouviu muitas perguntas e conhece muitas respostas.
— Meu neto, Aldeia Indígena Urbana é Natiuani Erácró.
Natiá é Aldeia.
Uanie é Indígena.
Erá é Casa.
Cró é Pedra.
Ela fez uma pausa, olhando ao redor.
— Então, somos uma Aldeia Indígena de Casas de Pedra, mas com espírito antigo e coração vivo.
Itauaçú abriu um sorriso largo.
— Agora eu entendi, vovó.
Anemy continuou, apontando com o olhar para os caminhos da aldeia.
— Aqui temos Woderáehó, que são as ruas por onde caminhamos. Vieram também os Iabaerá, os conjuntos residenciais. Temos o Hinebakró, a luz que nasce do tronco de pedra, os postes que levam energia à noite. E ali, onde as crianças correm e os jovens sonham, fica o Bypeddá, o campo de Byghitó, o futebol.
Depois, falou das casas.
— Dentro das Erá, nossas casas, convivem o antigo e o novo:
o Crameokli, o rádio que leva vozes distantes;
a Cramenunhí, a geladeira que guarda o alimento;
o Crameupudu, o fogão a gás que aquece a comida;
e o Warudókli, a televisão que mostra o mundo.
Anemy lembrou também dos caminhos e dos meios de ir e vir:
— Ainda usamos a Ibákabaru, a carroça de burro, mas também a Ibaranú, a moto; o Ibápohdu, o automóvel; e a Ibaworóbi, a bicicleta que desliza leve pelas ruas.
Por fim, sua voz ficou mais firme, como quem ensina algo importante.
— Temos nossas casas de cuidado e aprendizado: a Subatekerá, a escola; o Pidékanerá, o posto de saúde; a Inghérá, a creche; e o Erádzu, a casa da água, onde nasce a água encanada que corre pelas torneiras.
Itauaçú ouviu tudo em silêncio, entendendo que viver numa Aldeia Indígena Urbana não era deixar de ser quem se é, mas aprender a caminhar entre mundos sem perder as raízes.
E assim, em Natiuani Erácró, a modernidade não apagou a ancestralidade — apenas passou a morar com ela.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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