quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

DZENUÁ SAMYÁ, OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA E DA CULTURA





Naquele fim de tarde, quando o vento atravessava a Retséantoá, a Floresta Sagrada do Ouricuri, o velho Nhamuã caminhava lentamente entre as árvores. Seus passos eram firmes, mas leves, como quem não pisa no chão, e sim na lembrança dos ancestrais. Nhamuã era conhecido entre os Kariri-Xocó como Dzenu Woroy, o Guardião da História.

Ao seu lado seguiam dois jovens aprendizes: Amoãny, atenta como o voo do gavião, e Kanamã, curioso como as águas do rio que nunca cessam de perguntar à terra por onde passam.


Nhamuã parou diante de um tronco antigo, marcado pelo tempo, e ali se sentou. Com a voz serena, iniciou o ensinamento:


— Meus filhos, antes de tudo, precisam saber que o Nordeste foi o primeiro chão pisado pelos colonizadores, mas também o primeiro a sentir a dor do contato. Muitos povos perderam suas línguas, seus cantos, seus costumes… alguns quase desapareceram como fumaça ao vento.

Amoãny abaixou a cabeça, respeitoso. Kanamã, com os olhos brilhando, perguntou:


— Mas por que nós ainda estamos aqui, Nhamuã?

O velho sorriu, como quem guarda o segredo do mundo.


— Porque aprendemos a resistir. Sobreviver não foi fácil. Foram séculos de estratégia, amor ao povo e fidelidade à memória. Ser Kariri-Xocó é carregar o tempo dentro do peito.


Nhamuã então tocou o chão com a palma da mão e continuou:


— Entre nós existem os Dzenuye ou Dzenuá, os Guardiões. São eles que mantêm vivo aquilo que o tempo tenta apagar.

E, um a um, foi nomeando, como quem convoca espíritos antigos:


— Há o Dzenu Samy, Guardião da Memória e da Cultura.

— O Dzenu Woroy, Guardião da História.

— O Dzenu Woroyé, Guardião dos Contos e das Fábulas.

— O Dzenukaá, Guardião dos Cantos.

— O Dzenu Torá, Guardião da Dança.

— O Dzenu Toré, o Guardião Soprador.

— O Dzenu Uaɲoá, Guardião dos Costumes.

— O Dzenu Nhenetíá, Guardião das Tradições.

— E o Dzenu Amíudé, Guardião da Culinária.


Cada nome parecia ecoar entre as árvores, como se a floresta respondesse em silêncio.


— Manter os uaɲo, os costumes — prosseguiu Nhamuã — é um ato de amor ao povo. Assim como preservar o nhenetíá, nossas tradições. Viver onde viveram nossos pais, nossos parentes e nossos ancestrais nos dá equilíbrio, harmonia e paz de espírito.


Kanamã respirou fundo e sentiu o cheiro da terra úmida, misturado à fumaça distante do fogo comunitário.


— É por isso que dançamos o toré? — perguntou.


— Sim — respondeu o velho. — É por isso que cantamos, pescamos juntos, partilhamos a comida, celebramos os mutirões e entramos na floresta sagrada. Tudo isso é memória viva passando de geração em geração.


O sol começava a se esconder. Nhamuã levantou-se lentamente.


— Um dia, Amoãny… Kanamã… vocês também serão Dzenuyeá. E quando esse dia chegar, lembrem-se: guardar a história não é apenas contar o passado, mas proteger o espírito do povo para o futuro.


Os dois jovens permaneceram em silêncio, sentindo que naquele instante haviam recebido algo maior que palavras: haviam recebido a missão.


E assim, na Retséantoá, a memória continuou viva.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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