Naquela noite clara, sob o céu costurado de estrelas, a fogueira ardia no centro da Natiá, a Aldeia. O fogo estalava como se também quisesse contar histórias. Em roda, sentados sobre a terra firme, estavam os anrotseá, os anciãos, com seus olhos profundos voltados tanto para as chamas quanto para o passado.
O velho pajé Suíra passou a mão lenta pela barba branca e falou com voz mansa, mas firme. Era tempo de bechiéá, o trabalho na roça. A lua já anunciava o Uanhí Kayaku — a Lua da Lavoura, no mês de março. Irecê, atento ao céu e à terra, confirmou: era o período do tçate retsé, o cortar do mato, feito com a creyahé, a foice que abre caminho para o plantio.
Ynorá, sentada perto da fogueira, escutava em silêncio. Aprendia que, depois do mato cortado, vinha a coivara, o queimar do mato seco, para que a terra se tornasse uanhídda — terra boa para lavoura, viva e pronta para receber a semente.
Dias depois, a aldeia despertou com o som do mutirão. Homens, mulheres, jovens e velhos se reuniram para roçar o mato, arrancar tocos e preparar a coivara. Era o trabalho coletivo de entreajuda, onde ninguém ficava sozinho.
Na manhã seguinte, os anraná pegaram a tasí, a enxada, e começaram a cavar a terra. As tetsiá, com mãos sábias, plantaram masiche (milho), ghinhé (feijão), eremú (abóbora), muicú (mandioca) e endi (algodão). Nos arredores da Natiá, as mulheres também plantaram bacobá (banana), behedzí (melancia), propwi (melão-de-são-caetano) e tané (fumo). Cada semente lançada era um gesto de fé no futuro.
Quando o sol já se inclinava no céu, o Wontyrõ "mutirão" chegou ao fim. Então foi servido o Amíuyõ, a comida coletiva de muitos. O alimento partilhado aquecia o corpo, e a presença reunida aquecia o espírito.
Foi nesse momento que o pajé Suíra se levantou. O silêncio se fez. Ele agradeceu a todos por manterem viva a tradição, mas sua voz carregava preocupação. Disse que, a cada batti — a cada ano — via menos gente nos mutirões. Falou das ibaranúá, as motos; do ibápohduá, o automóvel; e do tokliddaysã, o telefone celular, que aos poucos afastavam as pessoas da roça e da convivência.
— A agricultura é a base de nossa alimentação — disse ele. — Nossos produtos são puros, livres de contaminação. Eles trazem saúde para o corpo e para o espírito. Podemos usar a tecnologia, sim, mas nunca abandonar nossa tradição e nossa cultura.
As palavras do velho pajé tocaram fundo. Um a um, todos concordaram. Prometeram continuar o bechiéá, o trabalho na roça, como os antigos ensinaram.
Passado algum tempo, chegou a Curuté Kayaku — a Lua da Colheita, no mês de julho. A aldeia se reuniu novamente em grande mutirão. A terra respondeu generosa: colheram muito milho, feijão, abóbora e melancia. A fartura encheu os cestos e os corações.
À noite, a comunidade celebrou em um grande Toré. Os pés batiam a terra, os cantos subiam ao céu, e todos agradeceram à Raddadé, a Mãe Terra, pela abundância da grande roça comunitária. A fogueira, mais uma vez, iluminava rostos felizes — e a tradição seguia viva, passada de geração em geração.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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