O sol já caminhava devagar rumo ao poente quando o menino Marã, sentado à sombra de um juazeiro antigo, quebrou o silêncio da tarde. Seus olhos curiosos acompanhavam o movimento do vento sobre a lagoa distante, enquanto sua voz buscava respostas no tempo.
— Vovô Akanauá — perguntou com respeito —, nós moramos aqui nessa Natiwaré, a Aldeia dos Padres. Mas onde era nossa morada antigamente?
O velho Akanauá respirou fundo. Seus olhos, marcados pelo tempo, pareciam atravessar gerações. Olhou para o horizonte, como quem conversa com os espíritos antigos, e então respondeu:
— Olha, Marã, antes de estarmos aqui, nosso povo vivia na Natiá Dzurichi, a Aldeia da Lagoa Comprida. Ela ficava ao norte da igreja dessa Missão do Colégio. Era ali que nossos passos eram livres, onde a água conversava com a terra e onde os cantos dos antigos ecoavam.
Marã escutava atento, como quem recolhe sementes para o futuro.
— Os padres, os waré, chegaram — continuou o avô — e trouxeram a mudança. Nos levaram para cá. Junto conosco vieram outros parentes, aldeados também: Karapotó, Aconãs, Tupinambás. Povos diferentes, histórias diferentes, todos reunidos num mesmo destino.
O menino ficou em silêncio por alguns instantes. Depois, com a curiosidade ardendo no peito, fez outra pergunta:
— Vovô… por que aquela colina onde ficava a Natiá Dzurichi é chamada de Hechi Wathõ, o Alto do Bode?
Akanauá sorriu de leve, como quem sabe que cada nome guarda uma história.
— Meu neto — disse com calma —, quando os Carai chegaram por essas terras, trouxeram muito Cradzó, o gado. Vieram também muitos Wathõá, os bodes. Depois que fomos retirados da nossa aldeia, aquela colina ficou abandonada. E foi ali que as cabras passaram a ficar, porque havia boas pastagens. Assim, o lugar recebeu o nome que carrega até hoje.
O vento soprou mais forte naquele momento, como se confirmasse a palavra do ancião. Marã permaneceu em silêncio, guardando no coração o que havia escutado. Sabia que aquelas histórias não eram apenas lembranças, mas caminhos para que a memória do povo Kariri-Xocó continuasse viva.
E enquanto a tarde se despedia, a Natiá Dzurichi seguia existindo — não apenas na terra, mas na palavra transmitida de avô para neto.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

Nenhum comentário:
Postar um comentário