quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

NATIANIE BEINÉ NATICRÓRAÍ, QUANDO A ALDEIA VIROU CIDADE DE BRANCOS





Na casa simples, feita de silêncio e memória, o velho Nhenety recebia todos os dias visitantes de muitos caminhos. Vinham estudantes indígenas e não indígenas, crianças curiosas, jovens inquietos e até adultos carregados de dúvidas. Sentavam-se no chão, escutavam atentos e aprendiam que a história não mora apenas nos livros, mas vive na palavra de quem lembra.


Certo dia, entre tantos rostos atentos, Tawanã — criança de seu próprio povo — ergueu a voz com respeito e curiosidade:


— Tio Nhenety, é verdade que essa cidade ao lado já foi nossa aldeia?


O ancião respirou fundo. Seus olhos caminharam longe, atravessando o tempo, como quem pisa devagar nas pegadas dos antigos. Então respondeu:


— É verdade, sim, Tawanã. Antes de ser cidade, tudo aquilo foi aldeia. Nossa aldeia se chamava Natianie.


Nhenety começou a contar.


Disse que a Natianie ficava na Dzurichi, na Lagoa Comprida, no território sagrado do Hechi Wathõ, conhecido hoje como Alto do Bode. Ali, os antigos viviam em harmonia com a terra, com a água e com o tempo, o Uché, que não corre, apenas ensina.


Mas um dia chegaram os Waré, os padres jesuítas. Eles reuniram os povos indígenas e criaram a Natiwaré, a Aldeia dos Padres. No início, parecia apenas mais uma mudança imposta pelo vento do mundo. Depois, vieram muitos Caraí, os brancos.


Pouco a pouco, a paisagem foi se transformando. Onde havia chão batido, ergueram Eracró, casas de pedra. Onde ecoavam cantos antigos, levantaram a Erantoá, a igreja. Onde os velhos ensinavam pela palavra, surgiu o Erátekié, o colégio dos padres.


O tempo passou, e a Natianie deixou de ser aldeia como antes. Tornou-se beiné, outra coisa. Uma Natiá diferente, distante do modo antigo de viver. Os padres foram expulsos, mas os brancos ficaram. A aldeia virou freguesia, depois distrito, e por fim cidade.


Então Nhenety concluiu, com voz firme e triste:


— Assim nasceu a Naticróraí, a aldeia de pedra dos brancos. Mas lembra, Tawanã: mesmo coberta de pedra, a terra ainda guarda nossos passos.


O menino silenciou. Aprendeu que cidades podem crescer, nomes podem mudar, mas a memória indígena permanece viva enquanto alguém se lembra e conta.


E naquela casa simples, mais uma vez, a história voltou a respirar.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





Nenhum comentário: