📜 FALSA FOLHA DE ROSTO
WOROBÜYÉ – FÁBULAS KARIRI-XOCÓ
O Encontro dos Seres do Mar, Rio e Sertão
Volume 10 – Coletânea
Nhenety Kariri-Xocó
📜 VERSO DA FALSA FOLHA
Este livro é parte da coleção literária dedicada à memória, espiritualidade e imaginação do povo Kariri-Xocó, preservando a tradição da narrativa oral transformada em escrita.
Todos os direitos reservados ao autor.
📜 FOLHA DE ROSTO
WOROBÜYÉ – FÁBULAS KARIRI-XOCÓ
O Encontro dos Seres do Mar, Rio e Sertão
Volume 10 – Coletânea
Nhenety Kariri-Xocó
Porto Real do Colégio – AL
2025
📜 FICHA CATALOGRAFICA
(Modelo pronto para diagrama de catalogação — poderá um bibliotecário gerar o código oficial; no formato funcional usado em livros independentes.)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Nhenety Kariri-Xocó.
WOROBÜYÉ – FÁBULAS KARIRI-XOCÓ, O Encontro dos Seres do Mar, Rio e Sertão, Volume 10 – Coletânea /
Nhenety Kariri-Xocó. – Porto Real do Colégio: 2025.
__p.; ilustração.
ISBN: (coloque aqui quando tiver)
Literatura indígena brasileira.
Fábulas Kariri-Xocó.
Cultura ancestral.
Narrativas tradicionais.
I. Título.
CDD: 398.2 (Fábulas)
CDU: 398(=811.3)
📜 DEDICATÓRIA
Aos meus ancestrais Kariri-Xocó,
que caminham comigo em cada palavra,
em cada sopro de vento,
em cada memória que renasce na terra sagrada.
Aos seres do Mar, do Rio e do Sertão,
que me ensinaram a ouvir a voz antiga da Natureza
e transformá-la em histórias.
E às crianças — do meu povo e de todos os povos —
que carregam a luz da continuidade
e manterão vivas as fábulas que hoje entrego ao mundo.
Worobüyé é para vocês.
📜 AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Grande Espírito Criador,
ao sagrado Rio Opará
e a todos os Encantos da Natureza
que me inspiraram a percorrer caminhos de sabedoria
e registrar em palavras o que antes só existia em memória oral.
Aos meus familiares,
guardadores de minha história e dos meus passos.
Ao meu povo Kariri-Xocó,
pela força, pela resistência e pela ancestralidade viva
que me sustenta no corpo e na alma.
Aos irmãos e irmãs que acompanham meu blog,
que valorizam a cultura indígena
e caminham ao meu lado nessa jornada de escrita.
E ao Irmão Virtual ChatGPT,
companheiro incansável que me ajuda
a organizar, registrar e honrar
as histórias que recebi dos antigos.
📜 EPÍGRAFE
"As águas contam, a terra guarda,
o vento leva e a memória retorna.
Assim nascem as fábulas ancestrais."
— Tradição oral Kariri-Xocó
📜 SUMÁRIO/ÍNDICE
Dedicatória
Agradecimentos
Epígrafe
Prefácio
Apresentação
Introdução
Fábulas ( 01 a 11 )
01. Wãmyá Aindzu Opará, A Fábula dos Peixes do Rio e do Mar;
02. Potyaçuará e o Pitú, A Lagosta do Mar e o Camarão do Rio;
03. Aruá e Uatapu, O Caramujo do Mato e a Concha do Mar;
04. Pirá-itá-açu e Pirajuba, Os Dourado do Mar e do Rio;
05. Curimatã, A Fábula dos Sabores do Opará;
06. Niquim e Surubim, Os Peixes de Águas Profundas;
07. Acari e Manjuba, Os Peixes da Defesa e o da Abundância;
08. Pukûa-tinga e Inhambú-pý-piranga, Fábula na Voz dos Ventos da Caatinga;
09. Jacaçu e Parari, A Pomba-asa-branca e a Pomba-do-Sertão;
10. Napopé, A Perdiz Nativa do Nordeste;
11. Macuru e Ybyrá-aty, As Aves João-tolo e João-garrancho.
Apêndices
Glossário Kariri-Xocó
Dados Biográficos do Autor
Orelha do Livro
📜 PREFÁCIO
As fábulas deste décimo volume da coletânea WorobüYé revelam viagens profundas pelo imaginário ancestral Kariri-Xocó. Aqui, os seres do Mar, do Rio e do Sertão se encontram para ensinar, dialogar, transformar e guiar. Cada narrativa é um reflexo do mundo sagrado em equilíbrio: a dança das águas, o silêncio do sertão e o canto do oceano se unem para formar uma só voz — a voz da terra viva.
Este livro é um passo adiante no caminho da preservação cultural, trazendo histórias que nascem do espírito, ecoam na memória e fortalecem a identidade do povo.
📜 APRESENTAÇÃO
O povo Kariri-Xocó sempre se comunicou com o mundo por meio de histórias. Nas rodas de conversa, nas trilhas do rio, nos passos do Toré e nos cantos que atravessam gerações, o conhecimento se mantém vivo.
Este Volume 10 apresenta fábulas que unem seres de diferentes ambientes — Mar, Rio e Sertão — mostrando que cada reino possui sabedorias únicas. Este encontro simbólico revela que todo ser carrega uma força e um ensinamento, e que a convivência entre mundos fortalece a grande teia da vida.
O leitor encontrará aqui histórias criadas por Nhenety Kariri-Xocó, mantendo viva a tradição oral através da palavra escrita.
📜 INTRODUÇÃO
O livro WorobüYé – Fábulas Kariri-Xocó, O Encontro dos Seres do Mar, Rio e Sertão, Volume 10, nasce do diálogo entre mundos. Os seres que caminham, nadam ou deslizam sobre as ondas se encontram para revelar lições que atravessam o tempo. Cada fábula é construída com respeito aos ancestrais, à terra e ao espírito que guia o povo Kariri-Xocó.
A obra integra uma coletânea maior dedicada à preservação da identidade cultural por meio de narrativas autorais, inspiradas na cosmologia, nas paisagens e nos saberes de um povo que se reconhece nas águas do Opará, na força do sertão e nos mistérios do mar.
📜 FÁBULAS ( 01 A 11 )
01. WÃMYÁ AINDZU OPARÁ, A FÁBULA DOS PEIXES DO RIO E DO MAR
Há muito tempo, quando os espíritos das águas ainda conversavam com os humanos, o grande Rio Opará e o imenso Mar Aindzu resolveram se encontrar.
Do Mar Aindzu vinha a Curimã, uma peixe alegre, saltitante e cheia de energia, conhecida pelos outros peixes como "a criança do mar". Ela adorava brincar com as ondas e dançar entre as algas, sua risada ecoava pelas conchas e chegava até a areia da praia.
Do Rio Opará deslizava a Curimatã, uma peixe calma e sábia, que nadava com doçura pelas águas doces e barrentas do Velho Chico. Os ribeirinhos diziam que ela trazia paz a quem a observava, como se carregasse o espírito de uma anciã.
Um dia, durante a Piracema, quando os peixes sobem o rio para se reproduzirem, a Curimã sentiu uma vontade no coração: conhecer o Rio Opará e seus habitantes. Subiu as correntezas com alegria, fazendo amizade com a Pescada, o Bagre, o Dourado e até mesmo com o arisco Niquim.
No caminho, Curimã encontrou Curimatã descansando entre as pedras do rio. Uma vinha do mar, a outra vivia no rio — e mesmo assim, pareciam se reconhecer de outras vidas.
— Olá, irmã das águas doces! — disse Curimã com brilho nos olhos.
— Salve, irmã das águas salgadas — respondeu Curimatã com serenidade.
— Você nada tão devagar… não tem vontade de brincar?
— E você… já experimentou parar para sentir a correnteza?
Assim nasceu uma amizade sagrada: uma era o espírito da infância, a outra o espírito da maturidade. Juntas, aprenderam que o rio e o mar, mesmo diferentes, se completam. Que há valor tanto na calma quanto na alegria.
Outros peixes, como a Ubarana, o Surubim, o Cará-peba e a Piaba, logo se juntaram à festa dessa união. O encontro entre Rio e Mar virou uma celebração. E todos aprenderam que a Piracema é um tempo sagrado — tempo de nascimento, de respeito e de equilíbrio entre todos os seres aquáticos.
Desde então, os anciãos contam aos jovens que, todo ano, Curimã visita sua amiga Curimatã, levando as brincadeiras do mar para o coração do rio. E que, nesse encontro, nasce a vida que mantém o ciclo das águas vivas.
Moral da fábula:
Mesmo com naturezas diferentes, o respeito e a amizade fortalecem a vida. O rio e o mar se unem na dança da renovação.
02. POTYAÇUARÁ E O PITÚ, A LAGOSTA DO MAR E O CAMARÃO DO RIO
A Fábula da Lagosta do Mar e o Camarão do Rio
Nos rios largos e caudalosos do interior vivia o Pitú, camarão de água doce, forte e orgulhoso, que reinava entre pedras e corredeiras. Ele acreditava ser o maior de todos, pois nenhum outro camarão se comparava à sua força.
Certa vez, levado pela correnteza, o Pitú seguiu o curso do rio até o grande mar. Admirado com a imensidão das águas, encontrou uma criatura imponente: a Lagosta-vermelha, chamada Potyaçuará, que vivia entre corais e rochedos, com antenas longas e carapaça reluzente.
— “Quem és tu, tão adornada e armada?” — perguntou o Pitú.
— “Sou Potyaçuará, guardiã do mar” — respondeu a Lagosta com calma. — “Assim como tu governas os rios, eu protejo os recifes.”
O Pitú, intrigado, retrucou:
— “Mas não passas de um camarão como eu, apenas colorido.”
A Lagosta sorriu e disse:
— “Talvez sejamos parecidos, mas somos diferentes em caminho. Tu vives nas águas doces, eu nas águas salgadas. Ainda assim, os rios sempre buscam o mar, e o teu mundo se encontra com o meu.”
O Pitú então compreendeu que não havia disputa entre eles. O rio e o mar não competem, mas se completam.
Moral da fábula:
✨ A natureza nos ensina que a diversidade não separa, mas une. Do rio ao mar, tudo faz parte de um só ciclo.
03. ARUÁ E UATAPU, O CARAMUJO DO MATO E A CONCHA DO MAR
A Fábula do Caramujo do Mato e a Concha do Mar
Na beira de uma grande floresta, havia um pequeno lago onde os sons da mata encontravam o eco distante das ondas do mar.
Ali vivia Aruá, o caramujo do mato, sempre escondido sob as folhas, lento, paciente, carregando sua casa arredondada. Ele se orgulhava de sua concha que, segundo os mais velhos, trazia proteção e sorte a quem a possuísse.
Um dia, levado pela corrente de um rio que descia até o mar, Aruá conheceu Uatapu, a concha das águas salgadas. Diferente dele, Uatapu era enorme, com curvas fortes e belas cores. Mas seu maior poder não estava na aparência: quando soprada pelos ventos ou pelo homem, sua concha soltava um som grave, profundo, que se espalhava como a voz do próprio oceano.
— “Irmão da terra”, disse Uatapu, “eu anuncio os acontecimentos do mar e sou chamado para avisar ou proteger. Minha voz chega longe.”
— “E eu, irmã das águas”, respondeu Aruá, “sou pequeno e quieto. Mas minha força está na resistência: carrego minha casa, me escondo da seca, renasço com a chuva. Onde estou, levo vida e lembrança da floresta.”
Os dois se admiraram. Uatapu percebia que a força não estava só no som, mas também na paciência de quem sabe esperar. E Aruá aprendeu que, mesmo em silêncio, a voz do mar poderia proteger toda a floresta.
Desde então, contam os mais antigos que Aruá e Uatapu são irmãos que unem terra e mar. Um representa a resistência e a proteção silenciosa, o outro a voz que chama e anuncia. Quem traz consigo a concha do mato ou a do mar carrega não apenas um adorno, mas a sabedoria de viver em harmonia entre silêncio e som, entre floresta e oceano.
👉 Essa fábula pode ser contada de forma oral ou escrita, e até transformada em cordel, pois trabalha o contraste terra x mar, silêncio x voz, proteção x anúncio, mostrando que ambos têm valor.
04. PIRÁ-ITÁ-AÇU E PIRAJUBA, OS DOURADO DO MAR E DO RIO
A Fábula do Dourados do Mar e do Rio
Dizem os antigos que o Sol, ao nascer, deixa cair faíscas douradas sobre a Terra e o Mar. Dessas faíscas nasceram dois irmãos diferentes: Pirá-itá-açu, o dourado-do-mar, e Pirajuba, o dourado-do-rio.
🐟✨
Pirá-itá-açu vivia nas águas azuis do oceano. Orgulhava-se de seus saltos espetaculares, que faziam o sol brilhar em suas escamas como ouro vivo. Ele dizia aos outros peixes:
— Nenhum peixe é tão livre quanto eu, que nado em mares sem fim e salto mais alto que as ondas!
No coração dos rios, habitava Pirajuba. Forte e valente, enfrentava corredeiras e pescadores destemidos. Sempre que era fisgado, sacudia-se e saltava, lutando até o fim. Com orgulho, dizia:
— Ninguém é mais bravo do que eu! Minha boca dura resiste ao anzol, e meus dentes afiados fazem os outros peixes me temer.
🐟🐟
Um dia, o mar e o rio se encontraram numa foz larga, e os dois irmãos dourados se cruzaram. Logo começaram a discutir:
— Eu sou o verdadeiro dourado, senhor das águas azuis! — disse Pirá-itá-açu, mostrando seu corpo reluzente.
— Engana-se! — respondeu Pirajuba, batendo a cauda contra a corrente. — Sou eu o verdadeiro dourado, senhor dos rios e das quedas!
Enquanto brigavam, aproximou-se um pescador, lançando seus anzóis tanto no mar quanto no rio. Os dois irmãos sentiram o perigo: um anzol no oceano atraiu Pirá-itá-açu, outro no rio tentou prender Pirajuba.
Ambos lutaram, saltaram, rasgaram as águas com coragem. O marulho do oceano e a correnteza do rio ecoaram como tambores. E, ao fim, conseguiram se soltar, escapando juntos, lado a lado.
Exaustos, mas livres, perceberam que durante a luta um brilho os unia: o reflexo dourado que vinha do mesmo Sol. Então, compreenderam.
— Irmão — disse Pirá-itá-açu —, não importa se és do rio ou do mar.
— É verdade — respondeu Pirajuba. — O brilho que carregamos é o mesmo. Somos filhos da mesma luz.
🐟✨🐟
E desde então, contam os pescadores que os dois dourados, embora vivam em mundos diferentes, reconhecem-se como irmãos sempre que o Sol toca suas escamas.
🌟 Moral da fábula
A beleza e a coragem podem se mostrar de muitas formas, mas a luz que nos une é sempre a mesma.
05. CURIMATÃ, A FÁBULA DOS SABORES DO OPARÁ
Certa manhã clara, quando o sol espelhava seu brilho nas águas calmas do Opará, os peixes se reuniram em meio às pedras e algas, como de costume. Mas naquele dia, a conversa tomou outro rumo.
— Sou eu quem tem o melhor sabor, disse o Curimatã, inflando o peito como quem já esperava aplausos.
— Que nada! — resmungou o Surubim Pintado — ninguém supera o meu teor de carne, firme e suculenta!
— Vocês estão esquecendo de mim, o Mandim Amarelo, interrompeu com voz grave, enquanto balançava sua cauda. — A preferência é minha, todo mundo sabe.
Logo veio a Corvina, ondulando com elegância:
— Com licença, senhores! As pessoas me adoram. Vocês apenas sonham com minha fama.
O Niquim, peixe de couro e espinhos, se incomodou:
— Todo mundo gosta de mim! Do menino curioso ao ancião que sabe preparar o caldo perfeito.
O Piau, de dentes rápidos e fala ligeira, caiu na gargalhada:
— Ora, ora... Vocês estão enganados! Eu sou o preferido nos almoços e jantares. Isso é fato!
A discussão crescia, cada peixe exaltando seu valor, esquecendo-se do silêncio sábio do rio.
Foi quando, nadando com suavidade, surgiu a pequena Piaba Lambari.
Com voz serena, disse:
— Meus irmãos, todos vocês têm razão. Cada pessoa tem um gosto, um paladar, uma história com cada um de nós. Ninguém é melhor que o outro. Todos alimentamos a vida do povo do Opará.
Houve silêncio. As bolhas pararam de subir. Os peixes se entreolharam e, como se iluminados por uma sabedoria antiga, sorriram com os olhos. Cada um voltou a nadar em paz, levando consigo a verdade da pequena Piaba.
Desde então, nunca mais discutiram. Entenderam que no Opará, cada peixe carrega um sabor único, e que o mais importante é a harmonia entre as espécies. Afinal, a diversidade é o verdadeiro tempero da vida.
✨ Moral da Fábula:
Ninguém é mais importante que o outro. Cada ser tem seu valor. Assim como os sabores do rio, o respeito à diversidade alimenta a sabedoria dos povos.
06. NIQUIM E SURUBIM, OS PEIXES DE ÁGUAS PROFUNDAS
A Fábula dos Peixes de Águas Profundas
Nas águas escuras e profundas do grande rio, viviam muitos peixes de couro. Entre eles, o poderoso Surubim, de corpo rajado, forte como uma correnteza, e o pequeno Niquim, discreto, mas guardião de espinhos venenosos.
O Surubim nadava altivo, orgulhoso de seu tamanho e de sua fama entre os homens. Era celebrado nas margens dos rios, servido nas mesas das famílias e lembrado em festas como símbolo de fartura.
Já o Niquim, quase invisível entre pedras e raízes, carregava em silêncio sua arma: espinhos escondidos que podiam causar dor e lembravam o respeito que se deve ter com as águas.
Um dia, o Surubim encontrou o Niquim diante de uma pedra.
— Saia do meu caminho, pequeno! — disse o gigante, agitando sua cauda.
— Grande Surubim, cada um tem seu lugar. Você é força, eu sou cautela. Não zombe de mim — respondeu o Niquim com voz calma.
O Surubim riu, confiante em seu porte. Mas ao se aproximar para afastar o pequenino, sentiu nos flancos a ferroada dos espinhos venenosos. Recuou, dolorido, e pela primeira vez olhou para o Niquim com respeito.
— Agora entendo, pequeno guardião — disse o Surubim. — Nem sempre o maior é o mais temido, e cada ser tem sua defesa e seu valor.
Desde então, o Surubim continuou a nadar como rei das águas profundas, oferecendo sua carne saborosa aos homens que dele se alimentavam. E o Niquim permaneceu escondido entre as pedras, lembrando a todos que o rio é fartura, mas também exige cuidado.
Moral da fábula:
"Na vida e na mesa, é preciso respeitar tanto a força que alimenta quanto a cautela que protege."
07. ACARI E MANJUBA, OS PEIXES DA DEFESA E O DA ABUNDÂNCIA
A Fábula dos Peixes da Defesa e Fartura
Nas águas tranquilas do rio, onde as raízes das árvores mergulham para beber da correnteza, vivia o Acari, também chamado Cascudo. Ele passava os dias grudado nas pedras, protegido por sua couraça dura como lixa. Silencioso e paciente, acreditava que a vida era sobreviver aos perigos escondendo-se e defendendo-se.
— “Nada é mais sábio do que resistir. Quem se protege, vive.” — murmurava o Acari, enquanto raspava o fundo do rio em busca de alimento.
Mais acima, na luz do sol que entrava pelas águas claras, nadava a Manjuba. Ela nunca estava sozinha, sempre acompanhada de milhares de irmãs que cintilavam como fios dourados. Saltitante, acreditava que a vida era multiplicar-se e espalhar fartura para todos os seres.
— “Nada é mais sábio do que compartilhar. Quem se multiplica, sustenta a vida.” — dizia a Manjuba, dançando com seu cardume.
O Acari olhava para aquele movimento e balançava a cabeça:
— “Vocês se expõem demais. Vão servir de banquete para os grandes peixes e para as aves do rio.”
A Manjuba respondia rindo:
— “E você se esconde demais. Sua couraça protege o corpo, mas não alimenta ninguém. O rio precisa de abundância.”
Certo dia, após a primeira chuva forte, o rio encheu-se de vida. As aves mergulhavam, os peixes maiores caçavam, e a correnteza arrastava ovos e filhotes. Foi então que Acari e Manjuba compreenderam algo importante.
O Acari, mesmo protegido, via que sua força sozinha não sustentaria o rio. Já a Manjuba, mesmo em grande número, percebia que sua fartura não teria sentido se não houvesse quem resistisse e mantivesse o equilíbrio.
Assim, os dois peixes aprenderam a se respeitar. Um representava a defesa que garante a sobrevivência, o outro a abundância que garante a continuidade da vida.
Moral da fábula
Na grande correnteza da existência, há quem viva para resistir e há quem viva para multiplicar. A vida precisa tanto da força da defesa quanto da fartura da abundância.
08. PUKÛA-TINGA E INHAMBÚ-PÝ-PIRANGA, FÁBULA NA VOZ DOS VENTOS DA CAATINGA
Na terra seca, onde o sol abraça forte e o vento conta segredos, viviam duas aves com dons diferentes.
Pukûa-tinga, chamada de Rolinha-cinzenta, voava como quem carrega mensagens dos céus.
Inhambu-pý-piranga, conhecida como o Inhambu-pé-vermelho como o fogo do entardecer, corria no chão como quem conhece todos os caminhos da mata.
Certo dia, no canto escondido de um olho-d’água, encontraram-se para beber.
O céu estava parado, e as lembranças vieram como brisa antiga.
— Irmã Pukûa-tinga — disse o inhambu, com voz baixa —, nossos avós contavam que éramos caçados. Muitos nos viam só como carne macia, sabor de festa.
— É verdade, irmão — respondeu a rolinha —, mas também carregávamos sinais do sagrado. Quando eu cantava, diziam que era esperança chegando.
De repente, o mato estremeceu. Passos de homem.
O caçador apareceu, com olhar atento… mas não levantou a arma.
Ficou parado, lembrando-se de histórias que ouvira dos mais velhos: que agora aquelas aves eram protegidas, que eram guardiãs de um pedaço da alma do Nordeste.
O homem se foi.
O silêncio voltou.
Pukûa-tinga cantou alto, fazendo o vento dançar nas folhas secas.
Inhambu-pý-piranga correu leve, sumindo na sombra das árvores.
E naquele instante, souberam: o tempo havia mudado. Não seriam apenas lembrança de sabor, mas símbolo de vida, memória e respeito.
Moral: Quem aprende a respeitar a vida, colhe histórias que nem o tempo pode apagar.
09. JACAÇU E PARARI, A POMBA-ASA-BRANCA E A POMBA-DO-SERTÃO
A Fábula das Pombas Asa-branca e Arribaçã
No coração do sertão, onde o chão racha sob o sol e o vento canta canções de poeira, viviam duas aves amigas: Jacaçu, a altiva Pomba-asa-branca, e Parari, a ligeira Pomba-do-sertão, que os mais antigos chamavam de Arribaçã.
Certa vez, quando a seca apertou, o céu permaneceu fechado por muitos meses. O sertanejo plantava, mas nada vingava, e a fome rondava cada casebre.
Foi então que Parari, ouvindo o lamento do povo, reuniu seu bando e partiu em longas viagens, retornando com sementes, grãos e pequenos frutos. Ao pousarem nos campos, deixavam cair um banquete para as famílias necessitadas. Era o presente da Arribaçã, que trazia fartura mesmo no tempo mais cruel.
Já Jacaçu, silenciosa e firme, observava o horizonte. Ela sabia que seu voo anunciava outra esperança. Um dia, numa tarde de março, seu canto ecoou pelas veredas: era sinal de que a chuva viria. E assim foi. No dia de São José, o povo voltou a plantar a roça, e quando chegaram os dias de Santo Antônio, São João e São Pedro, as fogueiras acenderam-se, o milho verde virou pamonha, canjica e mugunzá, e o riso se espalhou como chuva no chão seco.
As duas aves compreenderam que cada uma tinha seu tempo e seu dom: Parari, a generosa que socorria no momento da fome; Jacaçu, a mensageira da água e da esperança.
Moral da história:
No sertão, como na vida, há quem traga o pão e há quem traga a chuva — ambos sustentam o coração de um povo.
10. NAPOPÉ, A PERDIZ NATIVA DO NORDESTE
A Fábula da Perdiz Nordestina
Dizem os mais velhos que, antes do sertão ter nome, o vento já soprava histórias pelas veredas da caatinga. Entre as pedras quentes e o canto seco dos galhos, vivia uma pequena ave de penas cor de terra, tão ligeira que o sol mal conseguia tocar sua sombra.
Chamavam-na Napopé, nome antigo que ecoava dos tempos dos primeiros povos. Napo, “ave que bate asas para escapar do perigo”; pé, “passos que conhecem o caminho seguro”. Assim, Napopé era conhecida como a “ave ligeira de passos firmes”, guardiã dos segredos do chão e do céu.
Na aldeia, Napopé era mais que uma ave: era memória viva. Antes da chegada dos colonizadores e suas galinhas, era ela quem alimentava as famílias nos dias de festa. Sua carne macia e saborosa lembrava o gosto dos antepassados, e preparar Napopé era um gesto de respeito à tradição, feito com rituais e palavras de gratidão.
Certa vez, um jovem caçador, chamado Aruã, recebeu a missão de trazer alimento para o grande encontro das famílias da aldeia. Ele poderia escolher entre a galinha dos brancos ou a ave da terra. Ao lembrar as histórias contadas à beira da fogueira, decidiu seguir os rastros leves de Napopé.
Quando a encontrou, Napopé não fugiu de imediato. Olhou nos olhos do caçador como se perguntasse se ele conhecia o valor daquele momento. Aruã se aproximou com respeito, sabendo que caçar não era destruir, mas partilhar o dom da vida. Com um gesto rápido e sem sofrimento, levou Napopé para a aldeia.
Na noite da festa, o cheiro da ave assada espalhou-se pelo ar. Os mais velhos sorriram, reconhecendo o aroma que lhes lembrava tempos antigos. Comer Napopé não era apenas saciar a fome, mas alimentar a memória e reafirmar que a terra guarda seus próprios sabores e saberes.
E assim, até hoje, sempre que a aldeia precisa lembrar quem é e de onde veio, Napopé volta — não apenas como ave, mas como história, como lição e como símbolo de que respeitar o que é da terra é respeitar a si mesmo.
🌿Moral da história: O alimento da terra não é só para o corpo — é também sustento para a memória e a alma.
11. MACURU E YBYRÁ-ATY, AS AVES JOÃO-TOLO E JOÃO-GARRANCHO
A Fábula das Aves João-tolo e João-garrancho
Nas terras quentes do sertão, onde o sol aquece a areia clara e os rios cortam a mata de galeria, viviam duas aves muito diferentes.
O Macuru, conhecido pelos homens como João-tolo, era pequeno e de plumagem discreta. Passava longos momentos imóvel sobre um galho seco, quase confundindo-se com a madeira. Quem o via parado, acreditava que era bobo e distraído, mas ele sabia que aquela era a sua melhor defesa. Quieto, o Macuru se tornava invisível aos olhos dos predadores.
Já o Ybyrá-aty, o João-garrancho, era incansável. Com o bico carregava gravetos e ramos maiores do que o próprio corpo. Junto de sua companheira, construía ninhos enormes, verdadeiras fortalezas suspensas, que serviam de abrigo para toda a família. O trabalho nunca terminava, e o som dos gravetos se juntando ecoava pela mata como música da perseverança.
Certo dia, Ybyrá-aty encontrou Macuru parado em silêncio sobre uma árvore torta. Achou estranho e perguntou:
— Irmão Macuru, por que ficas imóvel, sem te mexer, como se fosses estátua de madeira? Não tens medo de ser caçado?
O pequeno respondeu com calma:
— O movimento chama a atenção, mas o silêncio protege. Quem me olha, pensa que sou fácil de apanhar, mas na verdade não me vê por inteiro. Minha força está na paciência.
Ybyrá-aty refletiu, mas logo retrucou:
— Eu não sei viver assim. Preciso do esforço constante, preciso carregar meus gravetos e reforçar meu lar. Meu trabalho é meu abrigo, é o que protege a mim e à minha família.
Os dois se entreolharam. Eram diferentes, mas havia sabedoria em cada modo de viver. E então decidiram aprender um com o outro:
Macuru acompanhou Ybyrá-aty em sua tarefa e percebeu a beleza de juntar paus, de erguer uma casa forte, feita em parceria. E Ybyrá-aty, ao observar Macuru imóvel e sereno, entendeu que às vezes a espera silenciosa é tão poderosa quanto a força de carregar gravetos.
Naquele dia, a mata ganhou uma nova lição: a vida pede equilíbrio entre a paciência e o esforço, entre o silêncio e a construção.
E assim, os homens que passavam pela floresta, ao ouvirem o canto discreto do Macuru e verem o grande ninho do Ybyrá-aty, aprenderam que cada ser guarda sua sabedoria, e que nenhuma forma de viver é menor que a outra.
✨ Moral da Fábula:
A paciência protege, o trabalho sustenta. Quem une silêncio e perseverança, encontra equilíbrio para seguir o caminho.
Autor das Fábulas: Nhenety Kariri-Xocó
📜 APÊNDICES + GLOSSÁRIO
Apêndice A — Os Seres do Mar, do Rio e do Sertão na Cosmologia Kariri-Xocó
Texto explicando como esses seres representam forças da natureza, equilíbrio, renovação e ensinamentos sagrados.
Apêndice B — Sobre a Arte de Contar Fábulas
Breve explicação sobre tradição oral, transmissão da memória, e importância educativa das fábulas indígenas.
Apêndice C — Significados Simbólicos das Espécies da Caatinga e do Opará
Descrição cultural dos animais citados nas fábulas.
📜 GLOSSÁRIO KARIRI-XOCÓ
Acari — O peixe também chamado Cascudo, por ter uma carapaça de espinho.
Aindzu — Mar, grande água.
Aruá — Caramujo do mato.
Curimã — O peixe alegre, saltitante e cheia de energia, conhecida pelos outros peixes como "a criança do mar".
Curimatã — O peixe calma e sábia, que nadava com doçura pelas águas doces e barrentas do Velho Chico.
Inhambu-pý-piranga — Inhambu de pé vermelho.
Jacaçu — Pomba-asa-branca.
Macuru — O pássaro conhecido pelos como João-tolo, pequeno e de plumagem discreta.
Manjuba — O peixe pequeno que nada em grandes cardumes.
Napopé — A grande perdiz do sertão nordestino.
Niquim — Peixe pequeno de couro, com espinhos venenosos.
Opará — Nome indígena do Rio São Francisco.
Parari — A Pomba-do-sertão, que os mais antigos chamavam de Arribaçã.
Pirá-itá-açu — O dourado-do-mar, espécie de peixe.
Pirajuba — O dourado-do-rio, espécie de peixe da água doce.
Pitú — O Camarão grande do rio Opará, tipo lagosta da água doce.
Potyaçuará — A Lagosta do Mar.
Pukûa-tinga — Rolinha cinzenta.
Surubim — O grande peixe de couro do Rio São Francisco ( Opará ).
Ybyrá-aty — O pássaro conhecido como
João-garrancho, por construir seu ninho com gravetos.
Uatapu — A concha das águas salgadas.
Wãmyá — O encontro dos peixes do Rio e do Mar.
Worobüyé — Sabedoria antiga que floresce em forma de história.
📜 DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR
Nhenety Kariri-Xocó
É indígena do povo Kariri-Xocó, nascido em Porto Real do Colégio, Alagoas. Contador de histórias oral e escrita, pesquisador da memória ancestral e defensor da preservação cultural de seu povo. Mantém o blog “Kxnhenety — Caminhos do Povo Antigo”, onde publica crônicas, contos, fábulas e reflexões espirituais.
Sua escrita une tradição e renovação, trazendo ao mundo contemporâneo as vozes antigas do Opará, da Caatinga e dos Encantos da Terra. Com sensibilidade profunda, Nhenety transforma histórias de seu povo em caminhos de conhecimento, respeito e resistência.
“Worobüyé – Fábulas Kariri-Xocó” é parte de uma grande coletânea dedicada a preservar ensinamentos através de narrativas simbólicas, espirituais e educativas.
📜 ORELHA DO LIVRO
Neste volume, Nhenety Kariri-Xocó nos conduz ao encontro entre os seres do Mar, do Rio e do Sertão, reunindo fábulas que celebram a vida, a amizade, a diversidade e a sabedoria ancestral. Cada história nasce da observação da natureza e da memória de seu povo, transformando o simples ato de narrar em um ritual de cura e entendimento.
As fábulas aqui reunidas falam com crianças, jovens, velhos e estudiosos. Elas mostram que o mundo natural é um grande mestre e que cada animal — peixe, ave, crustáceo, inseto ou espírito da terra — carrega um ensinamento profundo.
A escrita de Nhenety é viva como o vento da Caatinga, forte como o Opará e luminosa como o sol que toca a água.
Este livro é mais que literatura: é uma travessia entre tempos, mundos e saberes.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó













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