quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

WOROBÜYÉ – FÁBULAS KARIRI-XOCÓ, Os Guardiões da Floresta – Volume 8 – Coletânea, Nhenety Kariri-Xocó






📘 FALSA FOLHA DE ROSTO



WOROBÜYÉ – FÁBULAS KARIRI-XOCÓ

Os Guardiões da Floresta

Volume 8 – Coletânea

Nhenety Kariri-Xocó





📘 VERSO DA FALSA FOLHA DE ROSTO



Obra literária de autoria de

Nhenety Kariri-Xocó


Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio sem autorização prévia do autor.


Blog oficial do autor:

https://kxnhenety.blogspot.com





📘 FOLHA DE ROSTO (FRONTISPÍCIO)



WOROBÜYÉ – FÁBULAS KARIRI-XOCÓ

Os Guardiões da Floresta

Volume 8 – Coletânea


Autor: Nhenety Kariri-Xocó


Ilustrações: Imagens originais do autor, publicadas no blog kxnhenety.blogspot.com

Edição Literária: Nhenety Kariri-Xocó & ChatGPT – Assistente Virtual


Local: Brasil

Ano: 2025





📘 FICHA CATALOGRÁFICA / FICHA TÉCNICA


(Modelo completo, pronto para uso em livro físico ou digital)


Kariri-Xocó, Nhenety

WOROBÜYÉ – FÁBULAS KARIRI-XOCÓ: Os Guardiões da Floresta – Volume 8 – Coletânea /

Nhenety Kariri-Xocó. – Brasil, 2025.


120 p. (estimado) : il. ; 21 cm.


Inclui glossário indígena, apêndices e notas culturais.


ISBN: (deixar em branco para preenchimento posterior)


Literatura indígena brasileira.


Fábulas Kariri-Xocó.


Tradição oral.


Ecologia ancestral.


Cultura Kariri-Xocó.

I. Título.


Elaboração da ficha:


(Bibliotecário responsável – caso haja)






📘 DEDICATÓRIA



Dedico este livro aos meus ancestrais Kariri-Xocó, que caminham comigo nos sonhos, nas histórias e nas folhas vivas da floresta.

Dedico também às crianças do meu povo, guardiãs do futuro, para que nunca esqueçam que o mundo é tecido pelas vozes dos animais, das águas, das árvores e dos espíritos que habitam a Terra.


Que estas fábulas fortaleçam o coração daqueles que amam a vida e honram a memória dos que vieram antes de nós.





📘 AGRADECIMENTOS



Agradeço, com profundo respeito, ao povo Kariri-Xocó, cuja sabedoria ecoa nas trilhas, nos cantos e nas histórias que moldam nossa identidade.


Agradeço aos meus pais, mestres e anciãos, que ensinaram que o conhecimento não está apenas nos livros, mas também nas águas, nas pedras e no silêncio da mata.


Aos animais da floresta, meus professores silenciosos, agradeço por revelarem seus segredos através do vento, da terra e do tempo.


Agradeço também à força espiritual de nossos Ancestrais e Espíritos Guardiões, que iluminam os caminhos invisíveis e sustentam a caminhada do escritor.


E, por fim, agradeço ao meu Irmão Virtual ChatGPT, cuja inteligência e presença constante ajudaram na organização deste livro, respeitando a voz ancestral e literária de meu povo.





📘 EPÍGRAFE



"A floresta ensina ao coração humano aquilo que os olhos não veem:

que toda vida nasce da união de muitas vidas."

— Tradição Kariri-Xocó





📘 SUMÁRIO / ÍNDICE



Prefácio


Apresentação


Introdução


Fábulas ( 01 a 10 )


01. Keruá Aindhê Retsé, A Fábula dos Animais que Plantaram a Floresta;


2. O Caititu e a Paca, O Semeador e o Vigilante da Floresta; 


03. Mainu e Sanhaçus, Polinizadores da Floresta; 


04. Panambi Ybyrá Poty, Borboletas nas Flores; 


05. Tatuetê e o Tatuaçu, Os Construtores de Abrigos; 


06. Teiuaçu e Sinimbu, Guardiões do Sabor da Floresta; 


07. Ehe Buké Retsé, A Fábula da Fuga do Veado na Floresta; 


08. Baté Woroby, A Fábula da Nova Morada;


09. Zabelê e Pararu, As Aves da Floresta e da Caatinga; 


10. Retseantoá, A Fábula do Santuário da Floresta. 


Glossário Indígena


Apêndices


Dados Biográficos do Autor


Orelha do Livro


Capa e Contracapa





📘 PREFÁCIO



Escrever este livro é como caminhar por um território sagrado onde cada folha, cada semente e cada respiração carrega um ensinamento ancestral. As fábulas aqui reunidas nascem da escuta atenta aos seres da floresta e aos ecos da tradição Kariri-Xocó, que sempre compreenderam o mundo não como partes separadas, mas como um grande corpo vivo.


Ao longo das páginas, o leitor será guiado por animais que não apenas habitam a mata, mas que também ensinam valores humanos profundos: solidariedade, respeito ao ciclo da natureza, coragem, sabedoria e identidade.

Cada fábula é mais que uma narrativa — é um pedaço da memória dos povos originários, um chamado para a preservação da vida e da espiritualidade que sustenta nossa relação com a Terra.


Este livro, oitavo volume da série WOROBÜYÉ, reafirma o compromisso de manter viva a chama da tradição oral e escrita de meu povo. Que estas histórias floresçam na mente e no coração de quem as lê, como sementes que brotam em solo fértil.


Nhenety Kariri-Xocó

Porto Real do Colégio – AL

2025





📘 APRESENTAÇÃO



As fábulas reunidas neste volume representam a continuidade de um caminho ancestral que atravessa gerações do povo Kariri-Xocó. WOROBÜYÉ, termo que evoca o espírito das narrativas vivas, é mais que um título: é um movimento de memória, de resistência e de amor pela floresta que nos sustenta.


Este livro nasce do desejo de preservar e compartilhar histórias que dialogam com o universo simbólico da fauna, da flora e das forças espirituais que compõem o território sagrado de nosso povo. Cada fábula foi construída com o cuidado de honrar os ensinamentos dos antigos narradores, aqueles que, ao pé da fogueira, iluminavam a noite com palavras que atravessavam o tempo.


O leitor encontrará aqui não apenas histórias, mas caminhos que revelam a ética indígena, o respeito pelas diferenças e a sabedoria que brota da convivência harmoniosa com a natureza.

Que este volume seja uma ponte entre mundos: o mundo dos espíritos, o mundo dos animais e o mundo humano — unidos pela linguagem sagrada das histórias.





📘 INTRODUÇÃO



A tradição oral indígena sempre foi o coração pulsante da transmissão de conhecimento. Entre os Kariri-Xocó, as fábulas ocupam um espaço especial, pois carregam ensinamentos que dialogam tanto com a infância quanto com a vida adulta. São histórias que convidam o leitor a mergulhar num universo onde cada ser — animal, planta ou espírito — possui voz, memória e propósito.


Este livro reúne dez fábulas que nasceram do espírito criador de seu autor, inspiradas no território, na observação da natureza e na herança cultural preservada ao longo de séculos. Aqui, o imaginário ancestral encontra a escrita contemporânea, harmonizando o antigo e o novo, o sagrado e o cotidiano.


Que o leitor receba estas histórias como sementes.

E que cada semente encontre solo fértil para germinar sabedoria, encantamento e consciência ecológica.





📘 AS FÁBULAS ( 01 A 10 )




01. KERUÁ AINDHÊ RETSÉ, A FÁBULA DOS ANIMAIS QUE PLANTARAM A FLORESTA 





Numa época em que a floresta ainda se vestia de silêncio e sonho, os Keruá, os animais da mata, reuniram-se com uma missão invisível aos olhos dos humanos: plantar o verde do mundo.


Gongá, o sabiá cantor, pousou num galho e, entre um canto e outro, avistou Kukryt, a anta jardineira, saboreando frutas maduras perto do rio.


— Olá, dona Anta! — disse o sabiá com alegria — O que comes por aí, tão feliz?


A anta olhou com olhos serenos e respondeu:


— Frutas doces, irmão sabiá. Mas o mais importante é o que deixo depois: as sementes que irão brotar em novas árvores.


Gongá sorriu, balançando as penas:


— Ah, então és também jardineira da floresta! Eu, que voo e canto, também como frutas. Talvez eu também seja semeador...


Nesse momento, chegou Kukên, a esperta cutia, com um fruto de Sapucaia, chamado Prõti.


— Olá, companheiros! — disse ela — Vim enterrar as sementes que não comi. Algumas dormem debaixo da terra até acordarem com as chuvas.


Kukryt e Gongá se entreolharam.


— Então todos nós somos plantadores?


— Sim, irmãos — disse Kukên — Cada um cuida de uma parte: uns espalham voando, outros enterram, outros deixam cair pelo caminho. A floresta cresce com nossos passos, voos e mastigadas.


Naquela roda viva de saber, os animais entenderam que a floresta só é floresta porque eles existem. São os jardineiros invisíveis, os semeadores silenciosos, os verdadeiros guardadores do verde.


Por isso, proteger os animais é proteger a própria floresta. Cuidar da mata é dar segurança às nascentes dos rios e a todos os seres que nela vivem.


E assim, a cada lua nova, novos frutos nasciam, e com eles, novas sementes, novos brotos, novas vidas.





02. O CAITITU E A PACA, O SEMEADOR E O VIGILANTE DA FLORESTA 





A Fábula do Caititu e a Paca



Na beira de um rio, sob as sombras da floresta antiga, viviam dois grandes amigos: o Caititu, forte e destemido, e a Paca, silenciosa e atenta.


O Caititu, sempre andando em bando, gostava de explorar os caminhos da mata em busca de frutos caídos. A Paca, mais discreta, observava cada som, cada movimento, sempre vigilante para não ser surpreendida.


Um dia, enquanto caminhavam juntos, o Caititu resmungou:


— “Ah, Paca, às vezes penso que somos pequenos diante desta floresta imensa. Será que fazemos alguma diferença para ela?”


A Paca, com olhar desperto, respondeu:


— “Amigo, cada semente que carregamos em nossos ventres, cada fruta que deixamos cair pelo caminho, é um presente que devolvemos à mata. A floresta se renova porque nós caminhamos. E eu, atenta, guardo o silêncio da mata, para que ela siga viva e protegida.”


Naquele instante, um vento forte espalhou sementes que o Caititu havia derrubado, e a correnteza levou algumas que a Paca havia roído. Eles observaram as sementes desaparecerem no solo fértil e compreenderam: não eram apenas comedores de frutos, mas guardiões da vida.


Tempos depois, pequenas árvores começaram a brotar nos lugares por onde tinham passado. O Caititu, orgulhoso, disse:


— “Agora entendo, Paca! Nosso alimento não é apenas para nós, mas para o futuro da floresta e dos que nela viverão.”


A Paca completou com sabedoria:


— “E assim, amigo, mesmo quando partirmos, deixaremos nosso rastro de vida e vigilância para os que virão.”


Moral da fábula:


Cada ser da floresta tem seu papel: uns semeiam, outros vigiam. Juntos, mantêm a vida eterna da mata.





03. MAINU E SANHAÇUS, POLINIZADORES DA FLORESTA 





Fábula das Aves Polinizadoras da Floresta 



Na imensidão verde da floresta, onde o sol dançava entre as folhas e o vento carregava perfumes de mil flores, vivia Mainu, o ágil beija-flor-tesoura. Suas asas batiam tão rápido que pareciam invisíveis, e sua cauda longa cortava o ar como uma flecha. Os antigos chamavam-no de Guainumbi, “aquele que passa depressa”, e, de fato, ninguém conseguia acompanhar seus movimentos.


Mainu se orgulhava de seu trabalho. “Sou eu quem leva o pólen das flores, quem mantém vivas as cores da floresta. Sem mim, o brilho da vida se apagaria”, dizia ele, cheio de vaidade, ao pousar numa bromélia.


No alto de uma palmeira, observava-o Sanhaçus, o sereno sanhaço-verde. Sua plumagem tinha o tom discreto das folhas, e seu voo não chamava tanta atenção. Enquanto Mainu se alimentava do néctar, Sanhaçus preferia os frutos, espalhando suas sementes pelos cantos da mata.


— Pequeno amigo Mainu — disse o sanhaço com calma —, cada flor que visitas é importante. Mas lembra-te: também eu ajudo a floresta, levando sementes para que novas árvores cresçam.


Mainu riu em voo rápido:


— Ora, Sanhaçus! Teu trabalho é lento demais. Eu sou veloz, sou o verdadeiro guardião da floresta!


O tempo passou, e veio a seca. As flores murcharam, e Mainu já não encontrava néctar suficiente. Cansado e fraco, pousou numa árvore jovem que crescia à beira do rio.


Foi então que ouviu a voz tranquila de Sanhaçus:


— Vês esta árvore que te dá sombra? Ela nasceu porque um dia eu levei sua semente. Sem as sementes, não haveria flores para ti, pequeno amigo.


Mainu, envergonhado, baixou as asas e reconheceu:


— Tens razão, Sanhaçus. Eu polinizo, mas tu semeias. A floresta só vive porque cada um faz a sua parte.


E, desde então, Mainu e Sanhaçus aprenderam a respeitar um ao outro, compreendendo que a vida da mata não depende da pressa nem da lentidão, mas da união de todos os seres.


Moral da fábula


Na floresta, assim como na vida, cada ser tem sua importância. O pequeno e o grande, o rápido e o paciente, todos juntos mantêm a harmonia do mundo.





04. PANAMBI YBYRÁ POTY, BORBOLETAS NAS FLORES 





A Fábula das Borboletas nas Flores 



No coração da floresta, quando o sol se deitava sobre as copas das árvores e o vento espalhava perfumes das flores, surgia um espetáculo que só os espíritos da mata podiam compreender. Era o momento em que as borboletas, chamadas Panambi em língua antiga, vinham dançar sobre as flores.


Entre elas, duas se destacavam: a Borboleta-rainha, de asas firmes e cores quentes como o fogo do entardecer, e a Morpho-azul, cujo brilho lembrava o reflexo do céu sobre os rios.


A Rainha, orgulhosa, dizia:


— “Minhas asas carregam poder e aviso. Quem tenta me tocar descobre minha força. Eu sou soberana entre as flores.”


A Morpho, em voo leve, respondia:


— “Eu não trago veneno nem aviso. Trago apenas luz e encantamento. Sou livre, e o meu brilho é o presente que deixo aos olhos da floresta.”


Enquanto as duas conversavam, um bando de abelhas se aproximou. Elas disputavam o néctar, empurrando umas às outras e ameaçando as flores frágeis. A Rainha ergueu-se e, com sua presença imponente, afastou parte das intrusas. Já a Morpho, com movimentos suaves, conduziu o grupo restante para outras flores, mostrando que havia abundância na mata.


No fim do dia, as duas se encontraram novamente e compreenderam:


— “Nem só a força nem só a beleza sustentam a vida. É no equilíbrio entre presença e doçura que a floresta floresce.”


Assim, a Rainha e a Morpho passaram a voar juntas, lembrando a todos que cada ser tem um dom, e que só na partilha o ciclo da vida se mantém.


Desde então, quando o vento sopra entre flores e asas azuis se cruzam com asas flamejantes, dizem que a floresta sussurra:


“Panambi Ybyrá Poty, Borboletas nas Flores — a dança da beleza e da sabedoria.”





05. TATUETÊ E O TATUAÇU l, OS CONSTRUTORES DE ABRIGOS 






A Fábula da Jovem e os Tatus


Numa manhã serena, uma jovem caminhava pela mata e encontrou o Tatuetê, o pequeno tatu-galinha, cavando firme a terra. Curiosa, perguntou:


— Tatu, dizem que você é um construtor de abrigos para muitos animais. Isso é verdade?


O tatu parou, ergueu a cabeça com calma e respondeu:


— Eu faço minhas tocas para morar e me proteger. Mas sigo os caminhos da vida: quando a estação muda e o alimento escasseia, vou em busca de novas terras. Assim, deixo para trás as casas que cavei.


A jovem então quis saber:


— E o que acontece com suas antigas moradas?


O tatu sorriu e explicou:


— Minhas tocas não ficam vazias. Logo vêm corujas, cobras, doninhas, ratos e até cascavéis. Eles se abrigam onde já morei. Minha casa se transforma no lar de muitos. Assim, sem querer, ajudo a manter o equilíbrio da floresta.


De longe, aproximou-se o Tatuaçu, o grande tatu-canastra, e completou:


— Também sou chamado de engenheiro da natureza. Minhas tocas guardam umidade, regulam o calor da terra e dão refúgio até ao raro cachorro-do-mato. Mas, infelizmente, muitos homens não compreendem nossa importância. Caçam-nos sem pensar que, ao nos ferirem, ferem a própria floresta.


A jovem escutou atenta, e com o coração cheio de respeito disse:


— Agora sei que vocês são verdadeiros construtores da vida. Quem protege o tatu protege também todos os que dependem de seus abrigos.


E assim, Tatuetê e Tatuaçu seguiram cavando suas casas, deixando para o mundo a lição de que até os mais silenciosos da mata trabalham pelo bem de todos.


Moral da fábula:


Quem constrói para si, sem perceber, pode estar construindo para muitos. Proteger a natureza é proteger a casa de todos os seres.





06. TEIUAÇU E SINIMBU, GUARDIÕES DO SABOR DA FLORESTA 





A Fábula dos Guardiões dos Sabores



Em tempos antigos, quando os rios ainda cantavam mais alto que os homens, viviam na mesma terra Teiuaçu, o grande lagarto de pele firme, e Sinimbu, a iguana de olhar calmo e pele verde como folha nova.


Ambos eram conhecidos pelos povos da mata.


O Teiuaçu, com seu andar decidido, recolhia frutos caídos, caçava insetos e às vezes se aventurava perto das roças.


O Sinimbu, mais lento, preferia as copas das árvores, onde encontrava folhas macias e calor do sol.


Havia um pacto silencioso entre eles e os humanos: alimentar e curar, mas sempre dentro da medida do respeito.


A carne, os ovos e a gordura desses lagartos eram fonte de força; seu couro e ossos, matéria para ferramentas e ornamentos.


Mas acima de tudo, eles eram personagens de histórias contadas nas noites de lua, junto ao fogo.


Um dia, a mata ficou inquieta.


Alguns homens, esquecendo as palavras dos mais velhos, passaram a caçar em excesso, tirando mais do que precisavam.


Os ninhos eram destruídos antes do tempo, e a terra, antes farta, começou a empobrecer.


Numa noite de silêncio pesado, os anciãos reuniram todos e contaram:


— Teiuaçu e Sinimbu não são apenas alimento. São guardiões do equilíbrio. Se eles sumirem, a mata perderá seu ritmo e nós perderemos nossa história.


O Teiuaçu ergueu a cabeça e falou:


— Quem tira mais do que precisa, acaba tirando de si mesmo.


Sinimbu, pousado em um galho, completou:


— Respeitar o ciclo é garantir que o futuro tenha sabor.


Desde então, a aldeia voltou ao caminho antigo:


Caçar apenas quando a fome aperta, proteger os ninhos, plantar árvores, cuidar dos rios.


Teiuaçu e Sinimbu continuam vivendo na mata, alimentando corpos e lembranças, e agora também inspirando a proteção da vida.


Moral


“Quem preserva a vida preserva o alimento; quem protege o alimento protege a memória.”


Sentido ecológico


Esta fábula ensina que sustentabilidade não é invenção recente — já fazia parte da sabedoria ancestral dos povos nativos.


O respeito ao tempo da natureza e o uso moderado dos recursos garantem não só a sobrevivência de espécies como o Teiuaçu e o Sinimbu, mas também a continuidade cultural e alimentar de toda a comunidade.





07. EHE BUKÉ RETSÉ – A FÁBULA DA FUGA DO VEADO NA FLORESTA 





Era tempo de calor intenso na floresta Retsé. O sol queimava alto no céu e faltavam poucas luas para a chuva chegar. Lá no alto da árvore sutu, o saguim de olhos ligeiros, chamado Ibozoim, deu um grito agudo:


— Buyê Retsé! Fogo na floresta!


Logo o alvoroço se espalhou. Todos os animais – os Kerí – correram como podiam: macaco, cutia, anta, quati, tatu… todos tentando escapar das labaredas que se aproximavam.


Mas entre os animais viviam dois que não tinham a mesma agilidade: o Bicho-Preguiça, chamado Hamo-Inhiconete, e o velho Jabuti Kaplan. Lentos por natureza, não conseguiriam fugir do fogo a tempo.


Foi então que o Veado, Buké – o mais veloz da mata – teve uma ideia. Correu até seu amigo Macaco Kukõj e pediu:


— Ajude-me, irmão! Coloque Hamo-Inhiconete e Kaplan sobre minhas costas. Vou levá-los para longe do fogo!


Kukõj, ágil como sempre, pegou a Preguiça e o Jabuti e os colocou com cuidado nas costas de Buké. E sem perder tempo, o veloz veado correu mata afora, saltando sobre raízes e troncos, até alcançar a margem do grande Rio Opará.


Ali, sãos e salvos, Buké deixou os dois amigos. Pouco depois, chegou Kukõj, ofegante mas feliz.


— Escapamos! Todos juntos, conseguimos! — exclamou.


Desde aquele dia, conta-se nas noites ao redor da fogueira que a verdadeira força da floresta está na união. Quando os mais rápidos ajudam os mais lentos, todos sobrevivem.


Moral da fábula:


Quem ajuda o outro, salva a si mesmo. A união é a força da vida.





08. BATÉ WOROBY, A FÁBULA DA NOVA MORADA 





Era uma vez, numa terra onde o sol beijava as folhas e o vento dançava com os galhos, uma floresta sagrada chamada Retséá. Nela viviam em harmonia os animais da terra Kariri: o Porco-do-mato Murawó, o Macaco Bugio Dziku, a Iguana Granharó, o Coati Bizaui, o Gambá Kerícohé, e muitos outros irmãos do mato.


Mas um dia, máquinas de ferro e mãos humanas chegaram destruindo o verde, abrindo espaço para construções e estradas. Árvores tombaram, rios choraram, e os animais, desabrigados, correram sem rumo. A tristeza espalhou-se como fumaça no ar.


Entre eles, a ave corredora e sábia, a Seriema Imbuam, observava o desespero. Viu seus irmãos keríá vagando, com olhos perdidos e corações aflitos. O macaco Bugio, com lágrimas no rosto, disse:


— Dona Seriema, para onde iremos? Nossa floresta foi destruída.


Com o olhar firme e voz cheia de esperança, Imbuam respondeu:


— Sigam-me, irmãos! Ao leste há uma floresta sagrada dos Kariri chamada Ouricuri. Lá poderemos recomeçar.


Guiando os passos como se seguisse um mapa antigo das estrelas, Imbuam conduziu não apenas os amigos mais próximos, mas todos os seres vivos que haviam perdido seu lar.


Ao chegarem às bordas do Ouricuri, foram recebidos pelo Coelho Miriu, guardião da entrada da mata, que saudou os irmãos com alegria:


— Sejam bem-vindos! Esta terra também é vossa. Aqui podem habitar em paz.


Logo, o Sabiá Gongá, cantando nos galhos, completou com sua melodia:


— É verdade! Em tempos difíceis, os que não voam sofrem mais. Nós, aves ieendeá, podemos partir quando necessário. Mas todos somos irmãos. Que a união nos fortaleça na preservação da vida na Terra.


E assim, entre abraços, cantos e novos ninhos, os animais reconstruíram sua morada. A floresta Ouricuri floresceu com nova vida, protegida pela força da coletividade.


Desde então, contam os ventos e os rios que quando os animais se unem, até a floresta renasce.


Moral da Fábula:


Quando há união e respeito entre os seres da Terra, sempre haverá um caminho de volta para casa.





09. ZABELÊ E PARURU, AS AVES DA FLORESTA E DA CAATINGA 






A Fábula das Aves da Mata e da Caatinga 



Na beira da mata, onde a floresta abraça a caatinga, vivia o Zabelê, ave de canto forte, guardião dos segredos escondidos entre as árvores. Seu nome vinha de tempos antigos, e muitos diziam que significava “pássaro de canto poderoso”. Orgulhava-se de sua voz que ecoava em três ou quatro notas, sempre descendo e subindo como se fosse o sopro do vento chamando pela chuva.


O Zabelê era discreto, sua cauda parecia sempre oculta, como se fosse feito para viver nos mistérios da mata. Alimentava-se de sementes, frutos e insetos, mas o que mais prezava era a liberdade de caminhar entre árvores altas e sombras frescas. Tinha muitas companheiras, e isso fazia com que fosse vaidoso de sua natureza, acreditando ser o mais importante das aves da região.


Não muito longe dali, no chão aberto entre os arbustos da caatinga, vivia o Paruru, a rolinha-fogo-apagou. Pequena e ligeira, com penas escamadas que lembravam brasas que se apagavam na madrugada, ela era simples, mas cheia de coragem. Sempre voava em pares ou pequenos grupos, porque acreditava que a vida era melhor quando se partilhava o caminho.


O Paruru era chamado por muitos nomes: fogo-apagou, rolinha-cascavel, picuí-pinima... mas ele gostava mesmo era de ser chamado de Paruru, “a ave pardacenta”, porque era assim que o povo da terra o reconhecia.


Certa manhã, o Zabelê desceu para beber água num pequeno olho d’água que também servia ao Paruru. Ao ver a ave menor, o Zabelê riu com certo desdém:


— “Ó pequena ave cinzenta, como podes viver tão contente na caatinga seca, sem o canto forte que faz estremecer as árvores? Meu piado faz ecoar os vales, enquanto o teu voo se esconde entre galhos baixos.”


O Paruru, sem se abalar, respondeu com mansidão:


— “Grande Zabelê, tua voz é bela e poderosa, mas o canto sozinho não sustenta a vida. Eu canto baixinho, mas vivo em pares. Divido o alimento, aqueço meus filhotes, e nunca caminho só. A mata e a caatinga precisam de todas as vozes, grandes e pequenas. Cada uma guarda sua força.”


O Zabelê ficou em silêncio, pois pela primeira vez percebeu que sua vaidade o fazia esquecer que o valor das aves não estava apenas no canto, mas também no cuidado, na partilha e na humildade.


Naquele dia, o Zabelê e o Paruru beberam juntos da mesma fonte. O canto forte do primeiro se uniu ao canto discreto do segundo, e assim a floresta e a caatinga ouviram, pela primeira vez, a harmonia entre o poder e a simplicidade.


🌱 Moral da Fábula


Nem sempre a força está no mais alto canto ou na maior imponência. Às vezes, a verdadeira grandeza vive na partilha, na humildade e na união dos diferentes.





10. RETSEANTOÁ, A FÁBULA DO SANTUÁRIO DA FLORESTA 





tempos antigos, quando o céu ainda cantava com as vozes dos ventos e as florestas dançavam sob os passos dos espíritos da natureza, existia uma mata sagrada chamada Retsé Aindzu — a Floresta da Alma do Mundo. Era ali que a Mãe Natureza, a anciã Antsé, guardava seus maiores segredos: nascentes cristalinas, árvores sábias chamadas Sutuá, peixes dourados Wãmyá, plantas curadoras e uma multidão de animais, os Keríá, que cantavam a harmonia do planeta.


Mas com o tempo, chegaram homens de fala estranha e mãos impacientes. Eram os colonizadores, que com seus machados, destruíram grande parte da floresta. O choro das árvores subiu aos céus e os ninhos se calaram.


Foi então que o Papagaio Sábio, chamado Krêre, reuniu os pássaros mensageiros — as araras flamejantes, o gavião da justiça, o sabiá da memória e o beija-flor da esperança. Eles voaram em grande nuvem até Brasília, a aldeia dos homens-governo. O céu se encheu de asas e cores. Todos pararam para olhar.


Krêre desceu sobre a praça principal e, junto aos seus irmãos Ieendeá, cantou a canção da floresta ferida. Seu canto dizia:


“Se a mata morrer, os rios secarão, os ventos adoecerão, e nenhum ser — nem bicho, nem gente — poderá viver em paz.”


A comoção foi tamanha que os ouvidos dos homens finalmente se abriram. Eles escreveram leis e criaram os Retseantoá, os Santuários da Floresta, onde a vida voltaria a florescer.


Os pássaros retornaram em voo cerimonial à Retsé Aindzu. Lá, os Keríá dançaram, os Sutuá balançaram suas copas em saudação, os Wãmyá saltaram nas águas e toda a floresta celebrou com alegria.


E desde aquele dia, todo ser da mata lembra que até os menores podem proteger o todo, quando voam juntos por um bem maior.


Moral da fábula:


Mesmo as menores vozes podem mudar o mundo quando cantam juntas pela vida da Terra.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





📘 APÊNDICES



Apêndice A – O Papel dos Animais na Cosmologia Kariri-Xocó


Breve explicação sobre como cada animal representa forças espirituais, comportamentos humanos e elementos naturais.


Apêndice B – A Floresta como Mestra de Saberes


Reflexão sobre a importância da natureza como fonte de ética, espiritualidade e conhecimento.


Apêndice C – A Tradição Oral e o Registro Escrito


Análise da passagem das narrativas orais para o formato literário, mantendo essência e memória.





📘 GLOSSÁRIO INDÍGENA KARIRI-XOCÓ



Antsé – A Mãe Natureza.


Bizaui – Coati 


Bukatê – Espírito Guardião.


Buké – O veado silvestre, espécie de cervo.


Buyê  – Fogo 


Caititu – O porco selvagem de dentes aguçados. 


Dziku – O Macaco Bugio .


Ehe – A fuga  


Gongá – O pássaro sabiá.


Granharó – A iguana, conhecida por camaleão. 


Hamo-Inhiconete - O bicho-preguiça. 


Kaplan – O Jabuti 


Keruá – Animais 


Kerícohé – Gambá 


Krêre – O sábio papagaio. 


Kukryt – A anta jardineira da floresta. 


Kukên  – A cutia, espécie de roedor de grande porte.


Kukõj  – Macaco 


Mainu – O beija-flor-tesoura, também chamado de Guainumbi pelos Tupi.


Miriu – Coelho 


Murawó –  O Porco-do-mato.


Opará – Rio São Francisco, sagrado para o povo.


Paca –  O grande roedor comestível, caça muito apreciada pelos indígenas. 


Panambi – Borboleta.


Paruru – A rolinha-fogo-apagou, rolinha-cascavel, picuí-pinima, “a ave pardacenta”.


Poty – Flor 


Prõti – O fruto da árvore sapucaia. 


Retsé – A floresta, mata.


Retsé Aindzu — A Floresta da Alma do Mundo.


Retseantoá – O Santuário da Floresta.


Sinimbu – O grande lagarto de cor verde, conhecido por iguana.


Sutuá – As árvores sábias. 


Tatuaçu – O grande tatu-canastra.


Tatuetê – O tatu verdadeiro, pequeno tatu-galinha. 


Teiuaçu – O lagarto de cor escura com pintas brancas.


Ybyrá – Árvore. 


Wãmyá – Os peixes dourados.


Worobüyé – Histórias espirituais; narrativas vivas.


Zabelê – O pássaro de canto poderoso. 





📘 DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR



Nhenety Kariri-Xocó é escritor, contador de histórias e guardião da memória viva de seu povo. Natural de Porto Real do Colégio (AL), dedica-se à preservação das narrativas ancestrais por meio de livros, contos e pesquisas culturais.

Como representante da tradição oral Kariri-Xocó, utiliza a escrita para fortalecer sua identidade, dialogar com o mundo e inspirar novas gerações.


Seu blog oficial é:

https://kxnhenety.blogspot.com





📘 ORELHA DO LIVRO



Este volume apresenta uma coletânea de dez fábulas que iluminam a relação espiritual e ecológica entre os seres da floresta e o povo Kariri-Xocó.

Nhenety Kariri-Xocó conduz o leitor por caminhos onde animais falam, espíritos ensinam e a natureza pulsa como uma grande mestra ancestral.


WOROBÜYÉ – Fábulas Kariri-Xocó é uma obra que celebra a vida, a cultura e o sagrado. É um chamado para ouvir as vozes que habitam as matas, os rios e os ventos — vozes que nunca deixam de ensinar.







Autor: Nhenety Kariri-Xocó 







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