domingo, 31 de agosto de 2025

ANRAN E NIENUO, O Ser de Luz e o das Sombras








Um Conto do Ser de Luz e o das Sombras


Foi numa noite de lua clara.

O povo se reunia em volta da fogueira, e as brasas brilhavam como olhos de espírito.

As crianças corriam, os jovens escutavam, e os mais velhos guardavam silêncio.


Então um menino, chamado Iary, se aproximou do ancião.

E perguntou com voz curiosa:


— Avô, o que é Anran? E o que é Nienuo?


O ancião respirou fundo.

Olhou para o céu, olhou para o fogo, e disse:


— Escuta, meu neto.

Quando nascemos, todos nós somos Anran.

Anran é o humano verdadeiro.

Anran vive em comunidade, divide o alimento, compartilha o trabalho, cuida da família, honra a natureza.

O coração de Anran é cheio de amor, amizade e respeito.

Quem caminha como Anran, caminha na luz do Criador e junto aos ancestrais.


O menino ouviu, mas quis saber mais:


— E Nienuo, avô? Quem é Nienuo?


O ancião fechou os olhos, como quem fala com os antigos, e respondeu:


— Nienuo é o humano que se perdeu.

É aquele que abandona a comunidade, que escolhe o ódio, a violência, o egoísmo.

No início ainda é humano... mas pouco a pouco vai esquecendo o sagrado.

Pouco a pouco vai regredindo.

Pouco a pouco vai se tornando sombra.

E quando a sombra toma conta, ele já não é Anran.

Ele é Nienuo.


O menino ficou assustado:


— Então, avô, Nienuo também já foi gente?


E o ancião respondeu:


— Sim, meu neto. Todo Nienuo já foi Anran um dia.

Mas esqueceu quem era.

Esqueceu o Criador.

Esqueceu os ancestrais.

E ao esquecer... tornou-se prisioneiro da escuridão.


O fogo estalou alto, como se concordasse com as palavras.

E o ancião disse ainda:


— Por isso, Iary, escuta bem:

Quem deseja ser Anran deve escolher a cada dia.

Escolher a vida, o amor, a amizade, a partilha.

Escolher o caminho do Criador.


O menino ergueu a cabeça e prometeu:


— Eu serei Anran, avô.

Para que meus passos sejam lembrados pelos ancestrais.


Então o ancião sorriu.

E a lua sorriu.

E as estrelas também sorriram.


E naquela noite, todos souberam:

Enquanto houver quem escolha ser Anran,

Nienuo jamais vencerá.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




ANRAN E NIENUO, O Ser de Luz e o das Sombras


( Versão Cordel Sextilhas  )


Na noite de lua acesa,

Brilhou a chama do chão,

Um menino fez pergunta

Ao mais velho do povão:

“Quem é Anran, quem é Nienuo,

No tempo da criação?”


O ancião falou sereno,

Com o fogo a crepitar:

— Anran é ser verdadeiro,

Que nasceu pra compartilhar,

Que vive em paz com o povo

E com a terra a cuidar.


Anran é vida em harmonia,

É família, é união,

É amizade e respeito,

É do bem a direção.

Quem caminha nessa trilha

Se torna luz da criação.


Mas existe outro caminho,

De quem esquece o sagrado,

Que se afasta da aldeia

E vive no desolado:

Esse se chama Nienuo,

O espírito desviado.


Nienuo já foi humano,

Mas perdeu a claridade,

Abraçou ódio e violência,

Desprezou a humanidade.

Se tornou sombra sombria,

Preso em sua maldade.


O menino então falou,

Com coragem no olhar:

— Quero ser sempre Anran,

Na memória vou ficar,

Que meus passos, com os velhos,

Os ancestrais vão guardar.


O ancião sorriu contente,

E o fogo se levantou,

A lua fez sua prece,

E a estrela iluminou:

— Enquanto houver quem seja Anran,

Nienuo nunca venceu.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




sexta-feira, 29 de agosto de 2025

ZABELÊ E PARURU, As Aves da Floresta e da Caatinga






A Fábula das Aves da Mata e da Caatinga 


Na beira da mata, onde a floresta abraça a caatinga, vivia o Zabelê, ave de canto forte, guardião dos segredos escondidos entre as árvores. Seu nome vinha de tempos antigos, e muitos diziam que significava “pássaro de canto poderoso”. Orgulhava-se de sua voz que ecoava em três ou quatro notas, sempre descendo e subindo como se fosse o sopro do vento chamando pela chuva.


O Zabelê era discreto, sua cauda parecia sempre oculta, como se fosse feito para viver nos mistérios da mata. Alimentava-se de sementes, frutos e insetos, mas o que mais prezava era a liberdade de caminhar entre árvores altas e sombras frescas. Tinha muitas companheiras, e isso fazia com que fosse vaidoso de sua natureza, acreditando ser o mais importante das aves da região.


Não muito longe dali, no chão aberto entre os arbustos da caatinga, vivia o Paruru, a rolinha-fogo-apagou. Pequena e ligeira, com penas escamadas que lembravam brasas que se apagavam na madrugada, ela era simples, mas cheia de coragem. Sempre voava em pares ou pequenos grupos, porque acreditava que a vida era melhor quando se partilhava o caminho.


O Paruru era chamado por muitos nomes: fogo-apagou, rolinha-cascavel, picuí-pinima... mas ele gostava mesmo era de ser chamado de Paruru, “a ave pardacenta”, porque era assim que o povo da terra o reconhecia.


Certa manhã, o Zabelê desceu para beber água num pequeno olho d’água que também servia ao Paruru. Ao ver a ave menor, o Zabelê riu com certo desdém:


— “Ó pequena ave cinzenta, como podes viver tão contente na caatinga seca, sem o canto forte que faz estremecer as árvores? Meu piado faz ecoar os vales, enquanto o teu voo se esconde entre galhos baixos.”


O Paruru, sem se abalar, respondeu com mansidão:


— “Grande Zabelê, tua voz é bela e poderosa, mas o canto sozinho não sustenta a vida. Eu canto baixinho, mas vivo em pares. Divido o alimento, aqueço meus filhotes, e nunca caminho só. A mata e a caatinga precisam de todas as vozes, grandes e pequenas. Cada uma guarda sua força.”


O Zabelê ficou em silêncio, pois pela primeira vez percebeu que sua vaidade o fazia esquecer que o valor das aves não estava apenas no canto, mas também no cuidado, na partilha e na humildade.


Naquele dia, o Zabelê e o Paruru beberam juntos da mesma fonte. O canto forte do primeiro se uniu ao canto discreto do segundo, e assim a floresta e a caatinga ouviram, pela primeira vez, a harmonia entre o poder e a simplicidade.


🌱 Moral da Fábula


Nem sempre a força está no mais alto canto ou na maior imponência. Às vezes, a verdadeira grandeza vive na partilha, na humildade e na união dos diferentes.




Autor: Nhenety KX 




ZABELÊ E PARURU, As Aves da Floresta e da Caatinga


( Cordel em Sextilhas )


Na beira da mata densa,

Onde a Caatinga é vizinha,

Cantava o belo Zabelê,

Ave de voz cristalina.

Seu canto ecoava forte,

Como trovão que ilumina.


Vivia cheio de orgulho,

Se achando o mais altaneiro,

Com sua cauda escondida

Guardava um ar de mistério.

Era dono do seu canto,

Mas também muito vaidoso.


Na Caatinga, o Paruru

Andava leve e ligeiro,

Voando sempre em casal,

Feliz, simples e certeiro.

Chamavam-no fogo-apagou,

Rolinha do povo inteiro.


Certa vez num olho d’água

Se encontraram, por destino.

O Zabelê, com desprezo,

Disse em tom desatino:

“Pequena ave pardacenta,

Teu canto é tão pequenino!”


Paruru logo respondeu,

Com doçura e humildade:

“Eu não canto tão potente,

Mas divido a amizade.

Cuido bem da minha prole,

E vivo em comunidade.”


O Zabelê se calou,

Sentiu verdade no ar.

Percebeu que na floresta

Nem só o canto é que dá,

Pois viver em harmonia

É também força cantar.


Assim juntos beberam

Na fonte do mesmo chão.

O canto forte e o pequeno

Se uniram em união.

E a mata e a Caatinga

Vibraram em coração.


🌿 Moral do Cordel


Na grandeza da existência,

Não vale só quem é forte.

Também tem valor imenso

Quem vive simples e suporte.

Na partilha e na humildade,

É que a vida encontra o norte.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





quinta-feira, 28 de agosto de 2025

GUAIÁPI E GUIRAÁPI, O Rato e o Pássaro do Arroz







A Fábula do Rato e o Pássaro do Arroz 


Há muito tempo, nas florestas sombreadas e cobertas por altos dosséis, vivia Guaiápi, o rato do capim. Era pequeno, ágil e astuto, sempre atento às sementes que a mata lhe oferecia. Entre folhas caídas e frutos vermelhos, corria sem descanso, alimentando-se do que a natureza lhe dava.


Não muito longe dali, nos brejos e taboais, vivia Guiráapi, o pássaro-do-capim. Suas penas negras brilhavam ao sol e, no peito, trazia a marca vermelha de fogo, como se carregasse o coração da mata. Ele cantava alegre, vivendo em bandos, alimentando-se de grãos, insetos e frutos.


Por muitos ciclos, Guaiápi e Guiráapi não se encontravam, cada qual em seu mundo de florestas e águas. Mas um dia, os homens chegaram. Cortaram árvores, queimaram capinzais, secaram os brejos. O alimento natural começou a faltar.


— O que será de nós? — chorava Guaiápi. — As sementes da mata estão rareando, e até os frutos vermelhos sumiram.


— Também sofro — respondeu Guiráapi. — Onde havia água e taboal, agora há fogo e fumaça.


Os homens, contudo, trouxeram um novo alimento, vindo de terras distantes: o arroz. Plantaram-no em grandes campos alagados, onde antes a floresta e o brejo reinavam.


Guaiápi, faminto, aproximou-se e descobriu grãos fartos espalhados pelo chão.

— Que sementes são estas? Não vêm da mata, mas alimentam bem!


Guiráapi, curioso, voou baixo e bicou um punhado.

— São duras e diferentes… mas saborosas! Talvez este seja o presente que a terra nos dá para sobreviver.


Assim, o rato e o pássaro passaram a visitar os campos dos homens. De inimigos naturais, tornaram-se companheiros de banquete, dividindo o arroz que não lhes pertencia. Os homens, porém, os chamaram de praga e tentaram expulsá-los.


Certa tarde, enquanto comiam juntos, Guaiápi disse a Guiráapi:

— Não fomos nós que mudamos a terra. Foram os homens que mudaram nossos caminhos. Se comemos o arroz, é porque eles nos tiraram o capim e as sementes da mata.


Guiráapi, erguendo o peito vermelho, respondeu:

— Sim, irmão. Somos parte da mesma história. Não somos pragas, somos sobreviventes.


E assim, entre plantações e perseguições, Guaiápi e Guiráapi aprenderam a dividir não apenas os grãos, mas também a mesma sorte. Unidos pelo destino, lembravam em silêncio que um dia foram filhos livres da floresta e do brejo, e que ainda guardavam em seus nomes o sopro antigo do Tupi:

Guaiápi, o roedor do capim. Guiráapi, o pássaro do capim.


🌱 Moral da Fábula:


Quando o homem muda a terra para satisfazer sua fome, muda também o destino das criaturas.

O que chamamos de praga pode ser apenas sobrevivência.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




📜 Cordel em Sextilhas


GUAIÁPI E GUIRÁAPI, O Rato e o Pássaro-do-Arroz


Na floresta encantada e bela,

Viviam bichos em união,

Guaiápi corria na relva,

Procurando semente no chão.

E Guiráapi, pássaro forte,

Cantava nos brejos em tom.


Mas o homem, com fogo e machado,

Derrubou a mata sem dó,

Secou o banhado sagrado,

Fez da terra um campo só.

E trouxe o arroz estrangeiro,

Mudando o destino do pó.


Guaiápi chorava com fome,

As frutas da mata sumiam,

As sementes antes tão fartas

No chão da floresta escassiam.

E Guiráapi, peito vermelho,

Viu suas águas que fugiam.


Nos arrozais novos plantados

Os dois se encontraram afinal,

O rato correndo ligeiro,

O pássaro em canto triunfal.

E juntos comeram os grãos

De um banquete desigual.


Mas o homem, ao vê-los unidos,

Chamou-os de praga daninha,

Perseguindo com redes e pedras

A vida tão frágil que tinha.

Sem lembrar que a própria mudança

Os pôs na colheita mesquinha.


Guaiápi falou ao amigo:

— Não fomos nós que mudamos, não!

Foi o homem quem feriu a terra,

E alterou nosso coração.

Comer arroz não é pecado,

É pura sobrevivência, irmão.


Guiráapi, erguendo seu canto,

Respondeu com firmeza e fé:

— Somos filhos do capim antigo,

Do brejo, da mata e da maré.

Não somos pragas, mas vida,

Que resiste e sempre é.


🌱 Moral em Verso


Quem destrói a natureza

Muda o rumo do viver,

E os bichos, buscando o sustento,

Precisam se refazer.

Chamam de praga inocente,

Que só quer sobreviver.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





PREÁ, MOCÓ E ÇAUIÁ, Os Roedores Silvestre e o Doméstico






A Fábula dos Roedores Silvestres e o Doméstico 


Na imensidão da Caatinga, entre pedras quentes e arbustos espinhosos, vivia o Preá, pequeno e ligeiro, sempre atento aos caminhos que cruzavam sua toca. Seu nome, dado pelos antigos, significava “o que mora no caminho”, pois onde houvesse passagem entre pedras ou terras soltas, ali ele faria seu lar.


Certo dia, em meio ao silêncio do sertão, o Mocó, forte e resistente, surgiu arrastando galhos secos para se alimentar. Diferente do Preá, seu instinto era roer troncos e caules, sobrevivendo mesmo quando a chuva tardava em vir. Orgulhoso, dizia:


— Eu sou o verdadeiro filho da Caatinga! Se a água falta, eu resisto. Se a comida escasseia, eu arranjo.


O Preá, mais humilde, respondeu:

— Mas cada um de nós tem seu papel, amigo Mocó. Eu sou alimento para as aves e serpentes. Sem mim, o equilíbrio se quebraria.


Enquanto conversavam, ouviram um som estranho: uiii... uiii...

Era um pequeno ser arredondado, de olhos brilhantes, que se escondia atrás de uma pedra.


— Quem é você? — perguntou o Mocó, desconfiado.


O animalzinho respondeu tímido:

— Eu sou o Çauiá, o roedor doméstico, conhecido por Porquinho-da-índia, mas vim dos Andes, onde meus ancestrais viveram junto dos povos que nos criavam para alimento e companhia. Sou dócil e me escondo fácil, mas aprendi a viver ao lado dos humanos.


O Preá arregalou os olhos:

— Como pode um roedor viver tão próximo do homem sem medo?


O Çauiá explicou:

— O medo nunca me abandonou, mas descobri que a confiança também alimenta. Os humanos me dão cuidado, e em troca, ofereço minha docilidade.


O Mocó, sempre altivo, riu:

— Então você não sobreviveria aqui, entre pedras secas e predadores famintos!


Mas o Preá, pensativo, falou:

— Cada um de nós guarda uma sabedoria. Você, Mocó, conhece a resistência da seca. Eu, Preá, sei me esconder e sustentar os ciclos da natureza. E o Çauiá aprendeu a conviver com os homens, ensinando que até o menor ser pode despertar ternura.


O vento soprou entre os galhos retorcidos, e os três compreenderam que, embora diferentes, carregavam dentro de si a marca do equilíbrio: um vivia para a natureza, outro para a resistência, e o terceiro para a convivência.


Moral da Fábula:


Cada ser, silvestre ou doméstico, tem seu valor. A força da vida não está apenas em resistir ou se esconder, mas também em aprender a conviver.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




PREÁ, MOCÓ E ÇAUIÁ, Os Roedores Silvestre e o Doméstico 


( Versão Cordel Sextilhas )


Na Caatinga, sertão abrasador,

Entre pedras e arbustos a brotar,

Viviam roedores com grande valor,

Cada qual com sua história a contar.

O Preá, ligeiro, cuidava do lugar,

“O que mora no caminho” a se abrigar.


Ele corria entre a pedra e a areia,

Escondendo-se de aves e de répteis,

Sabia que a vida na Caatinga inteira

Depende dele, dos ciclos e dos anéis.

Era presa e ao mesmo tempo papel,

Na dança da vida, seu papel tão fiel.


Veio então o Mocó, forte e robusto,

Roendo troncos, caules e raiz,

Resistente ao calor, ao sol injusto,

E à seca que o sertão sempre diz.

Dizia: “Sou valente, ninguém me diz não,

Pois da Caatinga eu guardo a razão.”


Preá olhou o amigo e falou com calma,

— Mocó, cada um tem sua função.

Eu sustento a vida, tu a força da alma,

Cada um mantendo o sertão em união.

O equilíbrio é sábio, não há discussão,

Tudo é necessário, cada coração.


Um som diferente então se fez ouvir,

Ui-ii, ui-ii, tremendo a cana,

Era o Çauiá, tímido a surgir,

Roedor doméstico, vindo da montanha.

Vinha dos Andes, com humanos a conviver,

Aprendendo a confiar sem nunca se perder.


Mocó olhou surpreso, sem acreditar,

— Como pode viver junto ao homem e sorrir?

Preá respondeu, tentando explicar,

— O medo ensina, mas a ternura faz florir.

O Çauiá é frágil, mas sabe se abrir,

E até o menor ser pode muito nos unir.


O Mocó riu, altivo, com seu tronco a roer,

— Aqui comigo tu não irias viver!

Preá então disse, olhando o pôr do sol:

— Cada um tem valor, não há superior.

Tu és força, eu sou sustento e amor,

E ele, confiança, ensinando o calor.


Aprenderam juntos na Caatinga quente,

Que todo ser tem seu espaço e seu papel.

O Preá ligeiro, o Mocó resistente,

E o Çauiá tímido, mas doce como mel.

Assim cada roedor, sob o céu tão fiel,

Mostrou que conviver é dom de cordel.


E a moral da história, que aqui se deixa:

Não importa se selvagem ou doméstico,

Cada ser traz consigo uma riqueza,

Que mantém o mundo harmônico e artístico.

Respeito e cuidado são o dom mais lógico,

Na Caatinga, na montanha, em cada abrigo.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





TUCURA E Y-APUÃ, O Gafanhotão e a Sopradora-d’Água






A Fábula do Gafanhotão e a Libélula


Nas terras onde a floresta encontra o rio, vivia Tucura, o gafanhotão.

Suas asas eram fortes como folhas secas ao vento,

e seu apetite não tinha fim: devorava folhas verdes, brotos, até mesmo plantas dos roçados dos homens.


Tucura se orgulhava da sua força e dizia:

— Eu sou o dono da terra! Sem mim, a mata não conhece quem manda.


Um dia, pousou perto dele uma pequena criatura de asas brilhantes,

que refletiam a luz como se fossem cristais verdes.

Era Y-apuã, a sopradora-d’água,

que voava leve sobre as lagoas e riachos, tocando a superfície com o sopro de suas asas.


Tucura riu alto:

— Que podes tu, pequena e frágil? Eu sou grande, salto alto e como o que quero. Tu não passas de um brinquedo do vento!


Mas Y-apuã não se irritou.

Com a calma de quem conhece o tempo e a água, respondeu:

— Grande és no corpo, Tucura, mas pequeno és na visão.

Tu vives da terra, mas não vês o rio.

Tu comes as folhas, mas não sabes que sem a água que protejo, nada verde brotaria.


Tucura se enfureceu:

— Quem és tu para me desafiar?


Então Y-apuã voou baixo, sobre o espelho do rio.

Ali, mostrou a dança de sua espécie:

devorava mosquitos, limpava o ar, protegia as águas.

— Vês? Eu sou guardiã do que corre e do que nasce.

Sem mim, o ar seria cheio de pragas, e o rio, doente.

Tu comes por viver, mas eu caço para equilibrar.


O gafanhotão ficou em silêncio.

Nunca havia pensado que seres pequenos também guardavam grande poder.


No fim do dia, Tucura disse com humildade:

— Y-apuã, aprendi contigo que cada ser tem sua força,

e que não é no tamanho que se mede a importância.

A terra precisa de mim, mas também da água e do ar que tu proteges.


E desde então, a floresta passou a ouvir dois cantos:

o estrondo das asas de Tucura saltando pelos campos,

e o sopro suave de Y-apuã dançando sobre os rios.


✨ Moral da fábula


Na natureza, ninguém é dono de tudo.

O grande precisa do pequeno, assim como a terra precisa da água e do ar.

Cada ser tem seu lugar no equilíbrio do mundo.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




🌿 TUCURA E Y-APUÃ, O Gafanhotão e a Sopradora-d’Água


Cordel em sextilhas – Por Nhenety Kariri-Xocó


Na beira da mata densa,

Onde a água faz morada,

Saltava o grande Tucura,

De asas sempre alongadas.

Dizia ser dono do chão,

Da folha verde e da estrada.


Num sopro leve do vento

Surgia Y-apuã,

Libélula verde e bela,

Que brilhava como a manhã.

Dançava sobre as lagoas,

Guardiã do rio e da rã.


Tucura riu e falou:

— “És pequena e sem valor!

Eu como tudo que vejo,

Sou da mata o protetor.

Tua asa frágil não serve,

Eu sou mais forte e maior!”


Y-apuã respondeu calma:

— “Tu és da terra, eu do ar.

Sem mim, os rios adoecem,

Não terás o que mastigar.

Pois o verde só floresce

Com a água a circular.”


Mostrou caçando insetinhos,

Mantendo o espaço limpo,

Deixava o ar respirável,

Protegia todo o pinto.

Enquanto Tucura pensava:

“Pequena, mas és distinto.”


No fim, o gafanhotão

Reconheceu sua lição:

— “Não é no tamanho do corpo

Que mora a grande razão.

A mata vive em equilíbrio,

E cada um tem sua função.”


🌟 Moral em versos


Grande e pequeno se unem

Na harmonia da criação,

Pois só com todos juntos

Se sustenta a tradição.

Na água, no ar e na terra

Vive a força da união.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






quarta-feira, 27 de agosto de 2025

POTYAÇUARÁ E O PITÚ, A Lagosta do Mar e o Camarão do Rio








A Fábula da Lagosta do Mar e o Camarão do Rio


Nos rios largos e caudalosos do interior vivia o Pitú, camarão de água doce, forte e orgulhoso, que reinava entre pedras e corredeiras. Ele acreditava ser o maior de todos, pois nenhum outro camarão se comparava à sua força.


Certa vez, levado pela correnteza, o Pitú seguiu o curso do rio até o grande mar. Admirado com a imensidão das águas, encontrou uma criatura imponente: a Lagosta-vermelha, chamada Potyaçuará, que vivia entre corais e rochedos, com antenas longas e carapaça reluzente.


— “Quem és tu, tão adornada e armada?” — perguntou o Pitú.

— “Sou Potyaçuará, guardiã do mar” — respondeu a Lagosta com calma. — “Assim como tu governas os rios, eu protejo os recifes.”


O Pitú, intrigado, retrucou:

— “Mas não passas de um camarão como eu, apenas colorido.”


A Lagosta sorriu e disse:

— “Talvez sejamos parecidos, mas somos diferentes em caminho. Tu vives nas águas doces, eu nas águas salgadas. Ainda assim, os rios sempre buscam o mar, e o teu mundo se encontra com o meu.”


O Pitú então compreendeu que não havia disputa entre eles. O rio e o mar não competem, mas se completam.


Moral da fábula:

✨ A natureza nos ensina que a diversidade não separa, mas une. Do rio ao mar, tudo faz parte de um só ciclo.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




🎶 Cordel em Sextilhas


POTYAÇUARÁ E O PITÚ,

A Lagosta do Mar e o Camarão do Rio


1️⃣

Nas águas claras do rio,

Reinava forte o Pitú,

Orgulhoso de seu porte,

Ninguém lhe tirava o tu.

Era o dono das corredeiras,

De pedra em pedra a zanzar nu.


2️⃣

Certo dia a correnteza,

Levou o bicho a vagar,

Chegou ao grande oceano,

De águas sem fim de olhar.

Ali viu Potyaçuará,

A Lagosta do alto mar.


3️⃣

Com antenas reluzentes,

E carapaça encarnada,

A Lagosta se mostrava

De presença respeitada.

Pitú logo se espantou,

Com a visão inesperada.


4️⃣

— “Quem és tu, que assim caminhas

Com tantas armas a brilhar?”

— “Sou Potyaçuará, amiga,

Guardiã deste meu mar.

E tu vens das águas doces,

Trazido pelo cantar.”


5️⃣

O Pitú então responde:

— “Sou rei do rio sem fim,

Ninguém me vence nas pedras,

Todos se curvam a mim.

Mas vejo que és poderosa,

Quase maior do que enfim.”


6️⃣

A Lagosta lhe sorriu,

Com doçura e com razão:

— “Tu reinas lá nos teus rios,

Eu nas ondas, na imensidão.

Mas o rio corre ao mar,

Somos do mesmo chão.”


7️⃣

Assim os dois se abraçaram,

Cada qual no seu lugar,

O rio busca o oceano,

E nele vai se encontrar.

Na vida não há disputa,

Há sempre o ciclo a girar.


👉 Assim, irmão, tens a fábula em prosa clássica e a versão em cordel rimado em sextilhas com o título “POTYAÇUARÁ E O PITÚ, A Lagosta do Mar e o Camarão do Rio”.



Autor: Nhenety KX 




ARUÁ E UATAPU, O Caramujo do Mato e a Concha do Mar

 







A Fábula do Caramujo do Mato e a Concha do Mar


Na beira de uma grande floresta, havia um pequeno lago onde os sons da mata encontravam o eco distante das ondas do mar.

Ali vivia Aruá, o caramujo do mato, sempre escondido sob as folhas, lento, paciente, carregando sua casa arredondada. Ele se orgulhava de sua concha que, segundo os mais velhos, trazia proteção e sorte a quem a possuísse.


Um dia, levado pela corrente de um rio que descia até o mar, Aruá conheceu Uatapu, a concha das águas salgadas. Diferente dele, Uatapu era enorme, com curvas fortes e belas cores. Mas seu maior poder não estava na aparência: quando soprada pelos ventos ou pelo homem, sua concha soltava um som grave, profundo, que se espalhava como a voz do próprio oceano.


— “Irmão da terra”, disse Uatapu, “eu anuncio os acontecimentos do mar e sou chamado para avisar ou proteger. Minha voz chega longe.”

— “E eu, irmã das águas”, respondeu Aruá, “sou pequeno e quieto. Mas minha força está na resistência: carrego minha casa, me escondo da seca, renasço com a chuva. Onde estou, levo vida e lembrança da floresta.”


Os dois se admiraram. Uatapu percebia que a força não estava só no som, mas também na paciência de quem sabe esperar. E Aruá aprendeu que, mesmo em silêncio, a voz do mar poderia proteger toda a floresta.


Desde então, contam os mais antigos que Aruá e Uatapu são irmãos que unem terra e mar. Um representa a resistência e a proteção silenciosa, o outro a voz que chama e anuncia. Quem traz consigo a concha do mato ou a do mar carrega não apenas um adorno, mas a sabedoria de viver em harmonia entre silêncio e som, entre floresta e oceano.


👉 Essa fábula pode ser contada de forma oral ou escrita, e até transformada em cordel, pois trabalha o contraste terra x mar, silêncio x voz, proteção x anúncio, mostrando que ambos têm valor.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




ARUÁ E UATAPU, O Caramujo do Mato e a Concha do Mar


( Versão Cordel em Sextilhas)


Na sombra da mata fechada,

Mora o pequeno Aruá,

Carrega a casa nas costas,

Onde quer que ele vá.

Com silêncio e paciência,

Aprendeu a se guardar.


Quando a seca se aproxima,

Vai se enterrar no chão,

Espera a chuva cair,

Mantendo sua proteção.

E ao brotar da natureza,

Retorna com renovação.


Sua concha, bem trabalhada,

Enfeita o povo nativo,

Que a usa como colar,

Talismã puro e vivo.

Sorte e bons fluidos traz,

Mantendo o peito altivo.


Lá nas águas do oceano

Resplandece o Uatapu,

Concha grande e poderosa

De beleza sem tabu.

Quando o pescador assopra,

O som ecoa: “Uuuu...”


Não é apenas adorno,

É voz que o mar lhe deu,

Buzina dos navegantes,

Chamado que apareceu.

Ecoa em praias distantes,

Parece falar com Deus.


Os guerreiros da aldeia,

Quando em luta precisavam,

No sopro de Uatapu

Seus sinais se anunciavam.

Era a voz da coragem

Que os corações inflamava.


Um dia o rio desceu

Levando o Aruá fiel,

Que encontrou na beira-mar

Uatapu, concha de mel.

Terra e mar se reconheceram

Como versos de um cordel.


— “Sou pequeno, mas resisto,

Durmo quando o sol castiga,

Trago sorte e proteção,

Sou a casa que me abriga.”

Disse o Aruá da mata,

Com ternura e com fadiga.


— “Minha força é minha voz,

Eu anuncio e chamo o povo,

Sou trombeta do oceano,

Minha fala é som mais novo.

No sopro dos pescadores,

Levo aviso sempre de novo.”


O silêncio da floresta

E a voz forte do oceano

Se uniram numa irmandade,

Feita de amor soberano.

Quem tem concha do mato e do mar

Guarda um segredo arcano.


Moral da fábula é clara:

Na vida há tempo e razão,

Um silêncio pode ensinar,

Outra hora é o som da canção.

Quem junta a terra e o mar

Carrega a sabedoria na mão.


👉 Essa versão já tem mais corpo, pode ser declamada em roda, cantada no ritmo de cordel ou publicada como fábula rimada.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




PIRÁ-ITÁ-AÇU E PIRAJUBA, Os Dourado do Mar e do Rio






A Fábula do Dourados do Mar e do Rio


Dizem os antigos que o Sol, ao nascer, deixa cair faíscas douradas sobre a Terra e o Mar. Dessas faíscas nasceram dois irmãos diferentes: Pirá-itá-açu, o dourado-do-mar, e Pirajuba, o dourado-do-rio.


🐟✨


Pirá-itá-açu vivia nas águas azuis do oceano. Orgulhava-se de seus saltos espetaculares, que faziam o sol brilhar em suas escamas como ouro vivo. Ele dizia aos outros peixes:


— Nenhum peixe é tão livre quanto eu, que nado em mares sem fim e salto mais alto que as ondas!


No coração dos rios, habitava Pirajuba. Forte e valente, enfrentava corredeiras e pescadores destemidos. Sempre que era fisgado, sacudia-se e saltava, lutando até o fim. Com orgulho, dizia:


— Ninguém é mais bravo do que eu! Minha boca dura resiste ao anzol, e meus dentes afiados fazem os outros peixes me temer.


🐟🐟


Um dia, o mar e o rio se encontraram numa foz larga, e os dois irmãos dourados se cruzaram. Logo começaram a discutir:


— Eu sou o verdadeiro dourado, senhor das águas azuis! — disse Pirá-itá-açu, mostrando seu corpo reluzente.

— Engana-se! — respondeu Pirajuba, batendo a cauda contra a corrente. — Sou eu o verdadeiro dourado, senhor dos rios e das quedas!


Enquanto brigavam, aproximou-se um pescador, lançando seus anzóis tanto no mar quanto no rio. Os dois irmãos sentiram o perigo: um anzol no oceano atraiu Pirá-itá-açu, outro no rio tentou prender Pirajuba.


Ambos lutaram, saltaram, rasgaram as águas com coragem. O marulho do oceano e a correnteza do rio ecoaram como tambores. E, ao fim, conseguiram se soltar, escapando juntos, lado a lado.


Exaustos, mas livres, perceberam que durante a luta um brilho os unia: o reflexo dourado que vinha do mesmo Sol. Então, compreenderam.


— Irmão — disse Pirá-itá-açu —, não importa se és do rio ou do mar.

— É verdade — respondeu Pirajuba. — O brilho que carregamos é o mesmo. Somos filhos da mesma luz.


🐟✨🐟


E desde então, contam os pescadores que os dois dourados, embora vivam em mundos diferentes, reconhecem-se como irmãos sempre que o Sol toca suas escamas.


🌟 Moral da fábula


A beleza e a coragem podem se mostrar de muitas formas, mas a luz que nos une é sempre a mesma.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




PIRÁ-ITÁ-AÇU E PIRAJUBA, Os Dourados do Mar e do Rio 


( Versão Cordel Sextilhas )


Nas águas claras do mar

Surge o Pirá-itá-açu,

Brilhando como o tesouro

No reflexo do céu azul.

Salta alto feito raio,

Peixe forte, veloz e nu.


🐟


Nos rios da terra firme

Reina o bravo Pirajuba,

Tem cor de ouro queimado,

Nas barbatanas reluz.

Enfrenta anzol e corrente,

Nunca perde a sua luta.


🐟


Um dia na grande foz

O mar com o rio se achou,

Os dois peixes se encontraram,

E logo o orgulho falou:

— Eu sou o rei das águas!

— Do rio sou o senhor!


🐟


Disputavam sua glória,

Cada qual dono da cor,

Quando chega um pescador

Com seu anzol caçador.

No mar fisga o cabeçudo,

No rio pega o lutador.


🐟


Ambos lutam, ambos saltam,

Com coragem e destemor,

Rasgando águas bravias,

Se soltaram com vigor.

E ao se verem lado a lado

Brilhou neles o mesmo sol.


🐟


— Irmão, vi que és valente,

— E tu brilhas como farol,

— No rio e também no mar

Somos faíscas do sol.

E assim dois peixes dourados

Se tornaram luz maior.


🌟 Moral em cordel


Seja o rio ou seja o mar,

cada ser tem seu valor,

mas a luz que nos unifica

vem do mesmo Criador.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





SOCÓ-YOBI E GUARATINGAÇU, Aves Azuis e Branca das Águas






A Fábula dos Socós Azuis e Garça Branca


Às margens de um grande rio da floresta, viviam três aves muito diferentes entre si.

O Socó-Yobi, tímido e azul, preferia esconder-se nos cipós e nas sombras da mata, onde pescava em silêncio, quase invisível.

A Garça-Azul-Grande, imponente e ousada, vivia caçando em águas abertas, roubando peixes de outras aves e orgulhando-se de sua força.

Já a Guaratingaçú, a garça-branca-grande, brilhava ao sol como um raio de luz. Alta e elegante, todos a viam de longe, e até os homens a desenharam em uma moeda de valor.


Certo dia, ao entardecer, as três aves se encontraram em uma lagoa de águas rasas.

— Eu sou a melhor caçadora! — disse a Garça-Azul-Grande. — Posso pegar desde pequenos peixes até grandes animais. Nada me escapa!

— Mas eu, com minha beleza branca, represento a pureza das águas — respondeu Guaratingaçú. — Os homens me admiram, me respeitam e até me colocaram em seus tesouros.

O tímido Socó-Yobi apenas observava, silencioso, escondido entre os galhos baixos da margem. Não queria disputar, apenas viver em paz.


Enquanto as duas aves discutiam, a lagoa foi ficando agitada. Barcos de pescadores chegaram, lançando redes e espantando os peixes.

A Garça-Azul-Grande tentou mergulhar, mas as águas se turvaram. Guaratingaçú, com seu porte alto, logo foi avistada e espantada pelos homens. Nenhuma conseguiu alimento.


Foi então que, em silêncio, Socó-Yobi entrou entre as raízes e cipós, onde as redes não alcançavam. Paciente, esperou. Logo um cardume se aproximou, escondido da confusão. Com um movimento rápido, ele pescou e se alimentou sem ser notado.


Quando saiu do breu da mata com o bico ainda úmido, as outras aves o olharam com espanto.

— Como pode ter pescado, se nada havia nas águas abertas? — perguntou Guaratingaçú.

— A força e a beleza chamam atenção, mas é no silêncio e na paciência que a vida se renova — respondeu Socó-Yobi.


As duas aves, envergonhadas, compreenderam que cada uma tinha seu valor, mas que a floresta também recompensa a humildade e o equilíbrio.


Moral da fábula:


Nem sempre a força ou a beleza garantem a vitória. Muitas vezes, é o silêncio e a paciência que trazem o verdadeiro alimento da vida.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



SOCÓ-YOBI E GUARATINGAÇU


(Cordel em sextilhas)


Na beira da mata densa,

Num rio de águas serenas,

Viviam três belas aves,

Guardando suas antenas.

Cada qual tinha um segredo,

Na vida, glórias pequenas.


O Socó-Yobi discreto,

Azul, calado e singelo,

Caçava entre os cipós,

Tinha um viver paralelo.

Com paciência e silêncio,

Fazia o seu próprio elo.


A Garça-Azul orgulhosa,

Se achava a mais valente,

Caçava peixe e até rã,

Forte, esperta, imponente.

Roubava de quem podia,

Era ave persistente.


Guaratingaçu brilhava,

Toda branca ao sol do dia,

Elegante, majestosa,

De beleza que irradia.

Até nas notas humanas

Seu retrato reluzia.


Certo dia se encontraram

Na lagoa reluzente.

A Azul falou primeiro,

"Sou caçadora eficiente!"

E a Branca respondeu firme,

"Sou beleza em toda gente."


Socó-Yobi se calava,

Nada tinha pra dizer.

Não queria competição,

Apenas sobreviver.

Mas as águas agitadas

Fizeram tudo sofrer.


Os homens jogaram redes,

A lagoa se turvou.

A Garça-Azul sem sucesso

No mergulho fracassou.

E a Branca, alta e visível,

Dos humanos se assustou.


Foi então que o Socó-Yobi,

Entre raízes ficou.

Esperou com paciência,

E o cardume lhe chegou.

Com um gesto silencioso,

Seu alimento encontrou.


As outras aves olharam

E perguntaram então:

"Como caças no silêncio

E ainda tens refeição?"

Ele disse: "É na calma

Que se encontra a solução."


Moral do Cordel


Nem força nem só beleza

Nos trazem sempre vitória.

Quem espera com prudência

Constrói mais bela memória.

A paciência e o silêncio

São chaves de toda história.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






ACARI E MANJUBA, Os Peixes da Defesa e o da Abundância






A Fábula dos Peixes da Defesa e Fartura 


Nas águas tranquilas do rio, onde as raízes das árvores mergulham para beber da correnteza, vivia o Acari, também chamado Cascudo. Ele passava os dias grudado nas pedras, protegido por sua couraça dura como lixa. Silencioso e paciente, acreditava que a vida era sobreviver aos perigos escondendo-se e defendendo-se.


— “Nada é mais sábio do que resistir. Quem se protege, vive.” — murmurava o Acari, enquanto raspava o fundo do rio em busca de alimento.


Mais acima, na luz do sol que entrava pelas águas claras, nadava a Manjuba. Ela nunca estava sozinha, sempre acompanhada de milhares de irmãs que cintilavam como fios dourados. Saltitante, acreditava que a vida era multiplicar-se e espalhar fartura para todos os seres.


— “Nada é mais sábio do que compartilhar. Quem se multiplica, sustenta a vida.” — dizia a Manjuba, dançando com seu cardume.


O Acari olhava para aquele movimento e balançava a cabeça:

— “Vocês se expõem demais. Vão servir de banquete para os grandes peixes e para as aves do rio.”


A Manjuba respondia rindo:

— “E você se esconde demais. Sua couraça protege o corpo, mas não alimenta ninguém. O rio precisa de abundância.”


Certo dia, após a primeira chuva forte, o rio encheu-se de vida. As aves mergulhavam, os peixes maiores caçavam, e a correnteza arrastava ovos e filhotes. Foi então que Acari e Manjuba compreenderam algo importante.


O Acari, mesmo protegido, via que sua força sozinha não sustentaria o rio. Já a Manjuba, mesmo em grande número, percebia que sua fartura não teria sentido se não houvesse quem resistisse e mantivesse o equilíbrio.


Assim, os dois peixes aprenderam a se respeitar. Um representava a defesa que garante a sobrevivência, o outro a abundância que garante a continuidade da vida.


Moral da fábula


Na grande correnteza da existência, há quem viva para resistir e há quem viva para multiplicar. A vida precisa tanto da força da defesa quanto da fartura da abundância.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



ACARI E MANJUBA: O Peixe da Defesa e o da Abundância


(versão em sextilhas de cordel)


No leito do rio sereno,

Morava o peixe Acari,

Coberto de couraçada,

Sempre calmo por ali.

Dizia em sua firmeza:

“Me protejo para existir.”


Lá nas águas mais de cima,

Brincava a leve Manjuba,

Saltando em cardume grande,

Na corrente que desluba.

“Compartilho vida e fartura,

Sou alegria da tuba.”


O Acari então falava:

“Vocês vivem se arriscando,

São presas de aves e peixes,

O perigo vai chegando.

Quem não tem defesa forte

Morre cedo se entregando.”


Mas a Manjuba sorria:

“Meu sentido é repartir,

Faço a festa da fartura,

Dou sustento pra existir.

Se me falta a multidão,

Não há rio pra fluir.”


Quando a chuva desce forte

E a piracema começa,

Cada um viu seu caminho

Ter valor na natureza.

O que resiste sustenta,

O que abunda é a riqueza.


Assim a vida mostrou

Na lição da correnteza:

É preciso defender,

É preciso a fortaleza.

Mas também multiplicar,

Pois fartura é a certeza.


Moral em cordel


Na corrente do viver,

Um defende, o outro dá,

A vida se equilibra

Se um ao outro completar.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




terça-feira, 26 de agosto de 2025

SANÃS E JAÇANÃS, Pintos, Frangos e Galinha-d'água






A Fábula de Aves Aquáticas 


No coração do brejo, onde o sol fazia brilhar as águas e os capins dançavam ao vento, viviam três aves muito diferentes: a Sanã, o Franguinho-d’água e a Jaçanã.


A Sanã, pequena e ligeira, era conhecida por seu canto barulhento de “turu-turu”, que ecoava sem parar pelas margens. Gostava de se exibir e acreditava que sua voz era a mais importante do brejo.


O Franguinho-d’água, esperto e curioso, vivia a procurar alimento em todos os cantos. Se precisava, tirava larvas do estrume do gado ou até enfrentava pequenas cobras-d’água. Era astuto e sabia se virar em qualquer situação.


A Jaçanã, elegante e atenta, caminhava sobre a vegetação flutuante como se fosse dona do brejo. Cuidava dos ninhos e ensinava seus filhotes a se equilibrar sobre as folhas largas, mantendo sempre o olhar alerta para qualquer perigo.


Certo dia, um gavião sobrevoou o brejo.

— Turu-turu! Turu-turu! — gritava a Sanã, sem perceber que chamava a atenção do predador.

O Franguinho, ao notar a sombra no céu, correu para se esconder entre a lama e as touceiras de capim.

Já a Jaçanã, firme e corajosa, espalhou seus filhotes pela vegetação e, com seu canto forte e repetido, confundiu o gavião, que não conseguiu distinguir se era um bando imenso ou apenas uma ave.


Cansado da confusão, o gavião desistiu da caçada e voou para longe.


A Sanã, envergonhada por ter atraído o perigo com seu barulho, abaixou o bico. O Franguinho, sujo de lama, riu de si mesmo, mas agradeceu por estar vivo. A Jaçanã, com serenidade, apenas disse:


— No brejo, cada um tem seu valor, mas é o cuidado e a vigilância que sustentam a vida.


Moral da fábula:


“Quem fala demais atrai perigos, quem observa protege a todos. Mas só a união das diferenças mantém o equilíbrio do brejo.”



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




SANÃS E JAÇANÃS, Pintos, Frangos e Galinha-d'água 


( Versão Cordel  )



No brejo de verde espesso

Morava ave diversa,

A Sanã fazia alarde,

Cantava de forma inversa,

Seu “turu-turu” soava,

A vaidade lhe dispersa.


O Franguinho era ligeiro,

De tudo sabia tirar,

Inseto, cobra, semente,

Nada lhe podia faltar.

Astuto e bem prevenido,

Sabia sempre escapar.


A Jaçanã cuidadosa,

Nos ninhos se equilibrava,

Sobre folhas flutuantes,

Com filhotes caminhava.

Atenta a todo o perigo,

Com firmeza sempre olhava.


Um dia surgiu no céu

Um gavião caçador,

A Sanã gritou tão alto

Chamando o predador.

O Franguinho foi pra lama,

Escondendo seu temor.


A Jaçanã corajosa

Se fez forte no cantar,

Espalhou os seus filhotes,

Que ficaram a boiar.

O gavião confundido

Não sabia a quem caçar.


Partiu longe o inimigo,

O brejo voltou à paz,

A Sanã ficou calada,

Sem gabar-se nunca mais.

E a Jaçanã lhe disse:

— Vigilância é que dá trás.


Moral da fábula em cordel:


“Quem fala sem ter cuidado

Acaba atraindo o mal,

Mas quem observa com calma

Protege o bem natural.

No brejo cada ser conta,

Unidos têm força igual.”




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





PANAMBI YBYRÁ POTY, Borboletas nas Flores






A Fábula das Borboletas nas Flores 


No coração da floresta, quando o sol se deitava sobre as copas das árvores e o vento espalhava perfumes das flores, surgia um espetáculo que só os espíritos da mata podiam compreender. Era o momento em que as borboletas, chamadas Panambi em língua antiga, vinham dançar sobre as flores.


Entre elas, duas se destacavam: a Borboleta-rainha, de asas firmes e cores quentes como o fogo do entardecer, e a Morpho-azul, cujo brilho lembrava o reflexo do céu sobre os rios.


A Rainha, orgulhosa, dizia:

— “Minhas asas carregam poder e aviso. Quem tenta me tocar descobre minha força. Eu sou soberana entre as flores.”


A Morpho, em voo leve, respondia:

— “Eu não trago veneno nem aviso. Trago apenas luz e encantamento. Sou livre, e o meu brilho é o presente que deixo aos olhos da floresta.”


Enquanto as duas conversavam, um bando de abelhas se aproximou. Elas disputavam o néctar, empurrando umas às outras e ameaçando as flores frágeis. A Rainha ergueu-se e, com sua presença imponente, afastou parte das intrusas. Já a Morpho, com movimentos suaves, conduziu o grupo restante para outras flores, mostrando que havia abundância na mata.


No fim do dia, as duas se encontraram novamente e compreenderam:

— “Nem só a força nem só a beleza sustentam a vida. É no equilíbrio entre presença e doçura que a floresta floresce.”


Assim, a Rainha e a Morpho passaram a voar juntas, lembrando a todos que cada ser tem um dom, e que só na partilha o ciclo da vida se mantém.


Desde então, quando o vento sopra entre flores e asas azuis se cruzam com asas flamejantes, dizem que a floresta sussurra:


“Panambi Ybyrá Poty, Borboletas nas Flores — a dança da beleza e da sabedoria.”



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




🌸🦋 PANAMBI YBYRÁ POTY, Borboletas nas Flores


( Versão Cordel  )


No coração da floresta,

Panambi vem cintilar,

Dançam leve sobre as flores,

No vento querem brincar,

Cada asa é poesia,

Que encanta todo lugar.


Veio a Rainha altaneira,

Com sua cor reluzente,

Disse: "Sou forte e temida,

Imponho-me a toda gente,

Carrego veneno e aviso,

Proteção é meu presente."


Morpho-azul respondeu,

Brilhando igual a luar:

"Não tenho veneno algum,

Só brilho para encantar,

Sou livre feito o horizonte,

Meu dom é só iluminar."


Chegaram então as abelhas,

Querendo tudo tomar,

O néctar das flores mansas,

Começaram a roubar,

Mas juntas as borboletas

Souberam logo ensinar.


A Rainha afasta o perigo,

Com firmeza e proteção,

Morpho conduz com doçura,

Mostrando outra direção,

Assim cuidaram das flores,

Com beleza e união.


Moral dessa fábula é clara,

Quem escutar vai saber:

Nem só força, nem só brilho

Faz a vida florescer,

É na partilha e no equilíbrio

Que o mundo pode viver.


🦋✨ Assim, a fábula ganha musicalidade e ritmo, pronta para ser contada em roda, declamada ou cantada.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





MACURU E YBYRÁ-ATY, As Aves João-tolo e João-garrancho






A Fábula das Aves João-tolo e João-garrancho 


Nas terras quentes do sertão, onde o sol aquece a areia clara e os rios cortam a mata de galeria, viviam duas aves muito diferentes.


O Macuru, conhecido pelos homens como João-tolo, era pequeno e de plumagem discreta. Passava longos momentos imóvel sobre um galho seco, quase confundindo-se com a madeira. Quem o via parado, acreditava que era bobo e distraído, mas ele sabia que aquela era a sua melhor defesa. Quieto, o Macuru se tornava invisível aos olhos dos predadores.


Já o Ybyrá-aty, o João-garrancho, era incansável. Com o bico carregava gravetos e ramos maiores do que o próprio corpo. Junto de sua companheira, construía ninhos enormes, verdadeiras fortalezas suspensas, que serviam de abrigo para toda a família. O trabalho nunca terminava, e o som dos gravetos se juntando ecoava pela mata como música da perseverança.


Certo dia, Ybyrá-aty encontrou Macuru parado em silêncio sobre uma árvore torta. Achou estranho e perguntou:


— Irmão Macuru, por que ficas imóvel, sem te mexer, como se fosses estátua de madeira? Não tens medo de ser caçado?


O pequeno respondeu com calma:


— O movimento chama a atenção, mas o silêncio protege. Quem me olha, pensa que sou fácil de apanhar, mas na verdade não me vê por inteiro. Minha força está na paciência.


Ybyrá-aty refletiu, mas logo retrucou:


— Eu não sei viver assim. Preciso do esforço constante, preciso carregar meus gravetos e reforçar meu lar. Meu trabalho é meu abrigo, é o que protege a mim e à minha família.


Os dois se entreolharam. Eram diferentes, mas havia sabedoria em cada modo de viver. E então decidiram aprender um com o outro:


Macuru acompanhou Ybyrá-aty em sua tarefa e percebeu a beleza de juntar paus, de erguer uma casa forte, feita em parceria. E Ybyrá-aty, ao observar Macuru imóvel e sereno, entendeu que às vezes a espera silenciosa é tão poderosa quanto a força de carregar gravetos.


Naquele dia, a mata ganhou uma nova lição: a vida pede equilíbrio entre a paciência e o esforço, entre o silêncio e a construção.


E assim, os homens que passavam pela floresta, ao ouvirem o canto discreto do Macuru e verem o grande ninho do Ybyrá-aty, aprenderam que cada ser guarda sua sabedoria, e que nenhuma forma de viver é menor que a outra.


✨ Moral da Fábula:

A paciência protege, o trabalho sustenta. Quem une silêncio e perseverança, encontra equilíbrio para seguir o caminho.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



MACURU E YBYRÁ-ATY, As Aves João-tolo e João-garrancho 


( Versão em Cordel  )


Na beira do sertão quente,

Duas aves vão cantar,

Uma vive em movimento,

Outra sabe repousar.

Cada qual com seu talento,

Muito tem pra nos mostrar.


O Macuru vive parado,

Parecendo distração,

Mas no silêncio encontra força,

Camuflado em proteção.

Quem pensa que ele é bobo,

Se engana em sua visão.


Já o grande Ybyrá-aty,

Carregando o seu graveto,

Constrói ninho resistente,

Com esforço e com projeto.

É trabalho que sustenta,

Seu futuro tão correto.


Um pergunta ao outro então:

— Por que vives tão calado?

O outro logo responde:

— No silêncio estou guardado.

Minha defesa é a calma,

Meu segredo é ser velado.


Ybyrá-aty lhe diz firme:

— Minha vida é trabalhar,

Levo paus sobre meu bico,

Pra meu ninho reforçar.

É no esforço da lida,

Que consigo me abrigar.


E assim aprenderam juntos,

Cada qual com seu valor,

Um mostrou a força da calma,

Outro o fruto do labor.

Na floresta se revela

Dois caminhos de um só amor.


✨ Moral em verso:

Quem aprende a ter paciência

E também a trabalhar,

Descobre na natureza

O equilíbrio pra viver,

Pois a vida é sempre o canto

De esperar e de fazer.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






MAINU E SANHAÇUS, Polinizadores da Floresta






Fábula das Aves Polinizadoras da Floresta 


Na imensidão verde da floresta, onde o sol dançava entre as folhas e o vento carregava perfumes de mil flores, vivia Mainu, o ágil beija-flor-tesoura. Suas asas batiam tão rápido que pareciam invisíveis, e sua cauda longa cortava o ar como uma flecha. Os antigos chamavam-no de Guainumbi, “aquele que passa depressa”, e, de fato, ninguém conseguia acompanhar seus movimentos.


Mainu se orgulhava de seu trabalho. “Sou eu quem leva o pólen das flores, quem mantém vivas as cores da floresta. Sem mim, o brilho da vida se apagaria”, dizia ele, cheio de vaidade, ao pousar numa bromélia.


No alto de uma palmeira, observava-o Sanhaçus, o sereno sanhaço-verde. Sua plumagem tinha o tom discreto das folhas, e seu voo não chamava tanta atenção. Enquanto Mainu se alimentava do néctar, Sanhaçus preferia os frutos, espalhando suas sementes pelos cantos da mata.


— Pequeno amigo Mainu — disse o sanhaço com calma —, cada flor que visitas é importante. Mas lembra-te: também eu ajudo a floresta, levando sementes para que novas árvores cresçam.


Mainu riu em voo rápido:

— Ora, Sanhaçus! Teu trabalho é lento demais. Eu sou veloz, sou o verdadeiro guardião da floresta!


O tempo passou, e veio a seca. As flores murcharam, e Mainu já não encontrava néctar suficiente. Cansado e fraco, pousou numa árvore jovem que crescia à beira do rio.


Foi então que ouviu a voz tranquila de Sanhaçus:

— Vês esta árvore que te dá sombra? Ela nasceu porque um dia eu levei sua semente. Sem as sementes, não haveria flores para ti, pequeno amigo.


Mainu, envergonhado, baixou as asas e reconheceu:

— Tens razão, Sanhaçus. Eu polinizo, mas tu semeias. A floresta só vive porque cada um faz a sua parte.


E, desde então, Mainu e Sanhaçus aprenderam a respeitar um ao outro, compreendendo que a vida da mata não depende da pressa nem da lentidão, mas da união de todos os seres.


Moral da fábula


Na floresta, assim como na vida, cada ser tem sua importância. O pequeno e o grande, o rápido e o paciente, todos juntos mantêm a harmonia do mundo.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



MAINU E SANHAÇUS, Polinizadores da Floresta

( Versão Cordel Sextilhas )


Na floresta encantada e bela,

Mainu voava ligeiro,

Com asas que cortam o vento,

Num balé leve e certeiro.

Era o guardião das flores,

Polinizador primeiro.


Disse Mainu vaidoso:

“Sou dono da proteção,

Se não fosse o meu trabalho,

Morreria a plantação!

Só eu sustento as cores,

Sou da vida a geração.”


Sanhaçus, calmo e sereno,

De verde era seu vestido,

Preferia os frutos doces,

Num voo simples, contido,

Espalhando as suas sementes

Por todo o chão repartido.


“Cada qual tem seu papel,

Meu amigo, escuta bem:

As flores precisam de ti,

Mas as árvores, de alguém.

Eu semeio a mata nova,

E a vida sempre mantém.”


Veio a seca pela mata,

As flores logo murcharam,

Mainu já fraco e cansado,

Sem néctar as asas pararam,

E foi sob uma árvore jovem

Que suas forças voltaram.


Disse então Sanhaçus firme:

“Vês a sombra que te cobre?

Nasceu da semente espalhada,

Para o futuro ser nobre.

Sem o fruto que carrego,

Não haveria o que é nobre.”


Mainu baixou sua asa,

Compreendeu a lição:

“A floresta é harmonia,

Precisa de união.

Nem só da pressa se vive,

Também da colaboração.”


🌿 Moral do Cordel

Grande ou pequeno que seja,

Todo ser tem seu valor.

É no encontro das diferenças

Que nasce o mundo melhor.

Na floresta e na vida,

Reina a força do amor.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




SERIEMA E A COBRA OCULTA






A Fábula da Ave Comedoura de Serpentes 


Nos campos abertos do Cerrado, onde o vento dança com os capins dourados, viviam muitos animais em constante temor. As serpentes, silenciosas e traiçoeiras, rastejavam entre as sombras, espalhando medo por onde passavam.


Um certo dia, uma jovem lebre corria feliz quando quase caiu sobre uma cobra enrolada na beira da trilha. O grito da lebre ecoou, e os bichos se reuniram, todos em alvoroço.


— Quem poderá nos defender dessas serpentes que se escondem? — perguntava o tatu, preocupado.

— Eu corro rápido, mas não posso lutar contra elas — lamentava a ema.

— Eu só posso me esconder na toca — disse o preá.


Foi então que surgiu a Seriema, altiva, com sua crista erguida e olhos atentos que viam além da distância. Caminhou entre os bichos e, sem se envaidecer, falou em tom firme:


— Não se vence o perigo com medo, mas com coragem e sabedoria.


Ao ouvir o sussurro da cobra escondida, a Seriema avançou. Com suas garras firmes, agarrou a serpente e, em golpes certeiros contra uma pedra, a dominou. O silêncio se fez, seguido do canto forte da ave que ecoou pelos campos, como se anunciasse a vitória da vida sobre o veneno oculto.


Os animais ficaram maravilhados. A lebre se aproximou e perguntou:

— Seriema, não tens medo do veneno da cobra?


A ave respondeu, com calma e dignidade:

— O medo é a sombra que paralisa. Mas a coragem é a luz que abre caminhos. Cada ser tem seu papel: o tatu cava a terra, a ema espalha as sementes, o preá alimenta a floresta, e eu vigio os campos. Assim, juntos, mantemos o equilíbrio da grande aldeia da natureza.


E desde aquele dia, sempre que o canto da Seriema ecoava ao longe, os animais sabiam que estavam sendo guardados.


🌾 Moral da Fábula


Na aldeia da natureza, cada ser tem sua missão. A coragem vence o medo, e o equilíbrio se mantém quando cada um cumpre o seu papel.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




SERIEMA, A Comedoura de Serpentes 


( Versão em Cordel  )


Nos campos do nosso chão,

Do cerrado brasileiro,

Mora a Seriema altiva,

Cantora e grande guerreiro.

Com seu penacho erguido,

Vigia o mundo inteiro.


Entre pedras e capins,

A serpente se escondia,

Trazendo medo aos bichinhos,

Que viviam todo dia.

Mas a Seriema sabia,

Quando a cobra aparecia.


A lebre quase tropeça,

Num veneno traiçoeiro,

Grita alto e pede ajuda,

Chama o povo do terreiro.

Eis que a Seriema chega,

Com olhar firme e certeiro.


“Não se vence o mal com medo,

Nem fugindo sem razão,

Se enfrenta com a coragem,

E também com atenção.

Cada ser tem sua parte,

Na grande aldeia do chão.”


Com as garras agarra a cobra,

Bate forte contra a pedra,

E o silêncio vira canto,

Que no campo se celebra.

Os bichinhos agradecem,

Pois a vida se preserva.


Assim ficou conhecida,

Na história e na gente:

Guardadora dos caminhos,

Vigilante persistente.

A Seriema altaneira,

Comedora de serpente.


🌾 Moral do Cordel


Quem vigia com coragem

Afasta o mal de repente;

Na aldeia da natureza

Cada um é resistente.

A Seriema nos ensina:

Há valor em cada ente.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




segunda-feira, 25 de agosto de 2025

CANAPUGUAÇU, O Mero-preto Senhor da Pedra Marinha






A Fábula do Mero Senhor da Pedra


Há muito tempo, nas profundezas do Atlântico, vivia um peixe de tamanho colossal, com o corpo manchado como nuvens que flutuam sobre o céu. Seu nome era Canapuguaçu, e todos os habitantes do oceano sabiam: ele era o senhor das pedras, protetor das cavernas e recifes, o Epinephelus itajara, respeitado por sua força e sabedoria.


Enquanto os peixes menores nadavam apressados e inquietos, Canapuguaçu deslizava lentamente entre os corais e pedras, observando com atenção cada movimento. Sua presença inspirava respeito: os cardumes aprendiam a escolher abrigo e alimento com cuidado, pois aquele que comandava as pedras sabia onde o perigo espreitava.


Certa vez, os habitantes do mangue, nativos e pescadores, se aproximaram das águas para estudar o que viam. Eles se maravilharam com o tamanho imenso de Canapuguaçu, o peixe que parecia abraçar o oceano com seu corpo volumoso. Para os povos da floresta e do litoral, ele era símbolo de fartura e força, e ninguém se atrevia a capturá-lo sem respeito.


Um dia, uma jovem índia chamada Arani se aproximou das águas para observar o gigante. Ela sussurrou palavras antigas em tupi:


“Ô Canapuguaçu, senhor das pedras, ensina-nos a cuidar das águas que nos alimentam.”


O peixe, como se entendesse cada palavra, nadou até a borda da rocha mais alta e deixou que Arani visse seu ninho entre as pedras. Ali, ela compreendeu que a grandiosidade não está apenas no tamanho, mas no cuidado e proteção que Canapuguaçu oferecia a todos os seres do oceano.


Desde então, o mero-preto passou a ser mais do que alimento: tornou-se guia e guardião da cultura local, lembrando aos homens e mulheres que o respeito à natureza garante a fartura e a vida de todos. E assim, nas águas profundas, Canapuguaçu continua a ser o senhor das pedras, entre nuvens de água e de sabedoria, ensinando que a grandiosidade verdadeira vem do equilíbrio entre força e cuidado.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




TÁYBYGARAÍ E TÁÎAGÛARA’I, A Formiga-leão e a Formiga-oncinha






A Fábula das Formigas Leão e Oncinha


Na beira da mata, onde a areia é fina como pó de estrela caída, vivia Táybygaraí, o caçador da areia, conhecida como Formiga-leão. 

Silencioso, escondido em seu funil, esperava pacientemente que as formigas deslizassem para sua boca de jaguarzinho da terra.

Nada passava despercebido ao seu olhar profundo, e sua força vinha da espera, da paciência e do abrigo na areia.


Mais adiante, nas folhas secas que guardavam os segredos da floresta, caminhava Táîagûara’i, a formiga-oncinha.

Não era formiga verdadeira, mas todos assim a chamavam.

Sua pele trazia manchas que lembravam o manto da onça, e sua picada ardia como fogo de cipó queimando no peito.

Era corajosa e caminhava sozinha, sem medo de quem cruzasse seu caminho.


Um dia, os dois se encontraram.

Táîagûara’i se aproximou da armadilha de areia e, ao sentir a terra ceder, parou.

Lá embaixo, Táybygaraí preparava-se para puxá-la com suas mandíbulas.

Mas a onçinha das formigas, esperta, ergueu-se firme e disse:


— “Eu não caio, caçador da areia. Minha força não está em esconder-me, mas em mostrar que ninguém deve me tocar.”


Táybygaraí, surpreso, respondeu do fundo de sua cova:


— “E eu, irmã da floresta, aprendi que a vida é esperar o momento certo. Quem cai em minha areia, não levanta.”


As duas ficaram em silêncio, sentindo o vento que soprava sobre a mata.

Não havia ódio, apenas diferença.

Então, perceberam que cada uma tinha o seu modo de viver: uma caçava pela espera, outra pela coragem e pela dor que trazia em sua defesa.


Naquela tarde, afastaram-se sem lutar.

E a floresta aprendeu com elas que existem muitas formas de ser forte:

a força da paciência e a força da coragem.


✨ Moral da Fábula:

Na vida, alguns vencem com a espera e outros com a coragem.

Nem sempre a força é visível: às vezes está escondida na areia, às vezes estampada no manto da onça.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





TÁYBYGARAÍ E TÁÎAGÛARA’I, A Formiga-leão e a Formiga-oncinha


( Versão em Cordel  )



Na beira da mata clara,

Táybygaraí vivia,

Na areia fazia um funil,

Armava sua vigia,

Esperava a presa incauta,

Com paciência caçava o dia.


Nas folhas secas do chão,

Táîagûara’i passava,

Com manchas de onça brava,

Que sua pele guardava,

E se alguém lhe provocava,

Com dor intensa picava.


Um dia ao se encontrarem,

Um silêncio fez-se ali,

Táybygaraí chamou,

Mas ela não caiu,

Disse a formiga-oncinha:

“Não me pegas, eu resisti.”


Respondeu o caçador:

“Minha força é esperar,

Quem cair dentro da areia,

Nunca mais pode escapar.”

Mas a onçinha retrucou:

“Minha força é me mostrar.”


E a mata então compreendeu,

Que a vida tem mais de um jeito,

Uns vencem na paciência,

Outros no peito perfeito,

Força não é só tamanho,

É viver de modo direito.


✨ Moral em cordel:

Na terra ou na coragem,

Cada um sabe caçar,

Um espera o seu momento,

Outro sabe se mostrar.

Assim ensina a floresta:

Há mil formas de lutar.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





RAYNÁ E A SUÇUARANA, O Menino e a Onça-parda






A Fábula do Menino e a Onça-parda 


Rayná era um menino curioso, que gostava de andar pela mata ouvindo os cantos dos pássaros e observando cada detalhe das árvores. Um dia, ao subir a encosta do morro, seus olhos se depararam com um felino de corpo esguio, cauda longa e olhar dourado.


Assustado e encantado ao mesmo tempo, Rayná pensou:

— Ué! Mas eu conheço esse bicho dos desenhos! Só que na tela ele era colorido e engraçado… aqui, na floresta, é real e imponente.


A suçuarana, tranquila, observava o menino com olhos atentos. Não tinha pressa nem raiva, apenas curiosidade. Rayná entendeu, em silêncio, que aquele animal não era de brincadeira, mas sim um guardião da mata, respeitado por todos os outros seres.


Com voz baixa, disse:

— Eu achei que você fosse só imaginação… mas vejo que é de verdade. Você é a dona dos caminhos escondidos e das montanhas silenciosas.


A suçuarana, sem emitir som, deu meia-volta e sumiu entre as pedras, como se fosse um sopro da floresta.


Rayná voltou para casa pensativo. Aprendeu que a natureza também cria personagens muito mais grandiosos do que qualquer desenho. Desde aquele dia, sempre que via a lua iluminar a mata, lembrava da felina que parecia vinda de um sonho, mas que era tão real quanto seu próprio coração.


Moral da fábula:

A imaginação mostra caminhos, mas a natureza guarda segredos ainda mais maravilhosos do que qualquer história inventada.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




RAYNÁ E A SUÇUARANA, O Menino e a Onça-parda


( Versão em Cordel  )


Na beira de um velho monte,

O menino foi andar,

Rayná tinha no peito

A vontade de escutar,

Os cantos que a floresta

Gosta tanto de entoar.


De repente a sua vista

Se encheu de admiração,

Um felino cor de terra

Surgiu firme no sertão,

Olhos de ouro faiscando,

Silenciosa aparição.


Rayná logo se lembrou

De um desenho divertido,

Mas notou que a criatura

Era forte e destemido,

Não vivia em fantasia,

Era um ser bem decidido.


A suçuarana imponente

Com seu corpo a reluzir,

Não mostrou nenhum receio,

Só parou para assistir,

O menino que aprendia

Com a mata a refletir.


— Tu não és só brincadeira,

Nem pintada de ilusão,

És a onça verdadeira,

Guardiã do meu sertão,

Que caminha entre os vales,

Com silêncio e precisão.


O felino deu meia-volta,

E sumiu no vão da serra,

Feito sombra que desliza

No silêncio da sua terra,

Deixando no coração

Um respeito que não erra.


Rayná voltou pensativo

Com a lição na lembrança:

Que a natureza é mais viva

Do que qualquer esperança,

E o que a mente inventa

Na floresta ganha andança.


Moral do cordel:

Na tela a imaginação

É caminho que engalana,

Mas maior que a fantasia

É a vida soberana,

Que revela sua força

Na figura da Suçuarana.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





O TAPITI, O Coelho da Páscoa e o da TV






A Fábula das Crianças e o Coelho 


Numa clareira da floresta, duas crianças indígenas corriam alegres entre as árvores. O som das risadas misturava-se ao canto dos pássaros quando, de repente, um tapiti surgiu, com suas orelhas curtas e olhos atentos.


— Olha! É o coelhinho da Páscoa! — disse a menina, lembrando das histórias que ouvira na escola.


O irmão riu e respondeu:

— Não, é aquele coelho da TV! Eu já vi ele correndo engraçado nos desenhos.


O tapiti parou, curioso com aquelas palavras que não entendia, e então falou com sua voz suave, como o vento entre as folhas:

— Crianças, eu sou o Tapiti. Vivo aqui desde os tempos antigos. Os povos de suas avós e bisavós já contavam histórias sobre mim.


As crianças se entreolharam, admiradas.


— Mas… e o Coelho da Páscoa? — perguntou a menina.


O tapiti respondeu com serenidade:

— Esse veio de longe, junto com a religião trazida pelos colonizadores. Ele traz ovos coloridos e fala de renascimento. É bonito, mas não nasceu nesta terra.


— E o coelho da TV? — quis saber o menino.


— Esse é do mundo das telas — disse o tapiti. — Foi criado para divertir, fazer rir e mostrar esperteza. Ele não existe na floresta, mas na imaginação que chega pelas imagens.


O tapiti ergueu-se um pouco sobre as patas traseiras e completou:

— Cada um de nós vive em um mundo diferente: eu pertenço à floresta e à memória dos povos indígenas; o Coelho da Páscoa pertence à fé e às festas cristãs; e o coelho da TV pertence às histórias inventadas nos desenhos. Mas todos falamos de esperança, de riso e de vida.


As crianças sorriram, encantadas.

— Então vamos lembrar sempre de você, Tapiti, o coelho da nossa terra!


O animal desapareceu entre as folhas, deixando apenas o som leve de sua corrida.

E as crianças compreenderam que o mundo é feito de muitas histórias que podem viver lado a lado.


🌟 Moral da Fábula


Cada cultura cria seus símbolos e personagens, mas é importante reconhecer e valorizar o que é da nossa própria terra. O tapiti ensina que tradição, fé e imaginação podem se encontrar sem que uma apague a outra.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





📜🐇 O TAPITI, O COELHO DA PÁSCOA E O DA TV

( Versão Cordel Sextilhas  )



Na beira da mata virente

Brincavam duas crianças,

Com alegria inocente

Viviam suas andanças.

De repente um coelhinho

Surge pulando sozinho.


— Olha, é o da Páscoa, irmão!

Disse a menina contente.

— Não, é o da televisão!

Falou o menino ridente.

O tapiti respondeu:

— Eu sou da terra, sou eu!


— Moro aqui desde o passado,

Sou coelho verdadeiro,

Pelos povos celebrado,

Astuto, leve e ligeiro.

Na floresta sou nativo,

No mato sempre eu vivo.


— O da Páscoa veio de fora,

Com fé e religião,

Trouxe os ovos toda hora

Pra festa e celebração.

Bonito é seu costume,

Mas não nasceu no meu lume.


— Já o coelho da telinha

É feito só de invenção,

Corre, fala, faz gracinha,

Diverte pela ilusão.

Não existe em nossa mata,

Mas na tela ele retrata.


— Cada um tem seu lugar,

Disse o tapiti ligeiro,

Um na fé pra celebrar,

Outro vive no roteiro.

Eu sou filho desta terra,

Da floresta que me encerra.


As crianças sorridentes

Disseram com emoção:

— Tapiti é diferente,

É da nossa tradição!

E o coelho foi embora,

Na mata que o acolhora.


🌟 Moral em Cordel


Cada cultura é diversa,

Tem símbolo e tradição,

Mas valor maior se expressa

Na raiz e no chão.

O tapiti nos ensina

Que a vida é terra-mãe fina.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





domingo, 24 de agosto de 2025

NINHAIS DE AVES DO NORDESTE BRASILEIRO






Introdução


Os ninhais, ou colônias de reprodução, são locais onde diversas aves se concentram para nidificação, formando agrupamentos que desempenham funções ecológicas fundamentais para a manutenção da biodiversidade. No Brasil, especialmente na região Nordeste, esses espaços se destacam em ecossistemas como manguezais, lagoas, açudes e ilhas fluviais. A presença de ninhais é um indicativo de equilíbrio ambiental e de abundância de recursos, representando não apenas um fenômeno biológico, mas também um patrimônio cultural e ambiental valorizado pelas comunidades locais.


Desenvolvimento Cronológico e Descritivo


Os registros históricos indicam que desde o período colonial os viajantes europeus já descreviam os ninhais de aves tropicais no Nordeste. Em áreas de manguezal, as concentrações de garças, socós e colhereiros eram observadas com frequência, compondo paisagens sonoras e visuais singulares.


No século XX, estudos ornitológicos reforçaram a importância dos ninhais nordestinos, destacando a dependência dessas aves de ambientes aquáticos preservados. Entre os principais ambientes destacam-se:


Manguezais: presentes em estados como Alagoas, Pernambuco, Ceará e Maranhão, abrigam colônias de garças (Ardea alba, Egretta thula), socós (Nycticorax nycticorax, Butorides striata) e colhereiros (Platalea ajaja).


Lagoas e açudes: comuns no semiárido, concentram biguás (Nannopterum brasilianus) e diversas espécies de garças.


Ilhas fluviais: em rios como o São Francisco, funcionam como refúgios para reprodução de aves aquáticas, incluindo o raro guará-vermelho (Eudocimus ruber), quando presente.


Os ninhais oferecem vantagens adaptativas às aves: proteção coletiva contra predadores, otimização na busca por alimento, maior sucesso reprodutivo e manutenção da diversidade genética. Entretanto, a expansão urbana, o desmatamento de matas ciliares e a degradação de manguezais ameaçam a continuidade desses habitats.


Atualmente, esforços de conservação vêm sendo realizados em Unidades de Conservação, como a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, em Alagoas e Pernambuco, e a Reserva Extrativista do Batoque, no Ceará, onde comunidades e pesquisadores atuam na proteção de ninhais.


Conclusão


Os ninhais do Nordeste brasileiro representam espaços essenciais para a reprodução de aves aquáticas e terrestres, funcionando como verdadeiros refúgios da biodiversidade. Além de sua relevância ecológica, possuem valor cultural para comunidades tradicionais que os reconhecem como “criadouros da natureza”. A proteção desses locais depende da preservação dos ecossistemas associados, especialmente manguezais, lagoas e rios, exigindo políticas ambientais eficazes e a participação ativa das populações locais.


Referências


ALVES, Maria A.; PEREIRA, Gilmar A. Aves do Brasil: história natural e conservação. Rio de Janeiro: Technical Books, 2007.


ANTAS, Paulo T. Z. Migratory birds in Brazil: conservation and management. Brasília: IBAMA, 1994.


SICK, Helmut. Ornitologia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.


TAVARES, D. C.; SICILIANO, S. (Orgs.). Aves costeiras e marinhas do Brasil: biologia, conservação e pesquisa. Rio de Janeiro: Technical Books, 2020.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



OS NINHAIS DO NORDESTE 


( Versão em Cordel )


Nos manguezais escondidos,

No açude e no rio São,

As aves fazem seus ninhos,

Vivem juntas em união.

Protegem seus filhotinhos,

No canto e na tradição.


Garças brancas e socós,

Colhereiro cor-de-rosa,

Biguá, guará, caraúna,

Cada qual deixa sua prosa.

Num ninhal todo se junta,

A cena fica formosa.


O povo chama “criadouro”,

Natureza a celebrar,

Lugar sagrado da vida,

Que não se pode acabar.

Se o homem não preserva,

As aves podem deixar.


É riqueza do Nordeste,

Do sertão ao litoral,

São sinais de equilíbrio,

Num patrimônio vital.

Ninhais são voz da floresta,

Do planeta natural.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó