Uma Fábula da Andorinha e o Rei dos Patos
Em um tempo em que os ventos ainda sussurravam os segredos da criação, a andorinha-do-mar-ártica, Ieende-crú-uná, cruzava os céus do mundo com sua cauda repartida e alma viajante. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, ela seguia os caminhos dos ventos, levando e colhendo histórias.
Numa de suas paradas, sobrevoou as margens serenas do lago Dzurió, banhado pelas águas ancestrais do rio Opará. Ali, viu um ser imponente e tranquilo: era Ananaí, o Pato-real, de penas verdes como a mata molhada e corpo cinza como as nuvens de chuva. Seu bico alaranjado trazia marcas negras como runas antigas, e suas asas refletiam a luz como espelhos encantados.
A Andorinha pousou com leveza e perguntou:
— Ó nobre Ananaí, que habita este lago sagrado, até onde se estende o seu reinado?
Ananaí respondeu com voz calma, como se o próprio lago falasse:
— Meu reino voa comigo pelas terras frias e mornas da América do Norte, da Europa, da Ásia. Também migro por planícies da América Central e sobrevoo as ilhas das Caraíbas. Fui levado aos quatro cantos do mundo — do sul do Brasil às lonjuras da Austrália e Nova Zelândia. Sou ancestral de muitos: marrecos, paturis, patos-do-mato. Minha família é vasta, e minha história pulsa na memória das águas.
Ieende-crú-uná, impressionada, curvou-se em reverência:
— Que grande sabedoria carrega tuas asas, ó Rei dos Patos! Levo comigo tua história e a espalharei pelos ares. Que outros seres conheçam teu valor e tua jornada.
Então, com um leve impulso, a Andorinha partiu, subindo aos céus do poente.
E assim ficou lembrado entre as nuvens, nos rios e nos ninhos:
Que na grande teia da vida Ba, cada ser — ave, bicho, planta ou gente — possui seu papel sagrado na terra Radda.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó